Já há “em torno de dez” estafetas a reclamar em tribunal contrato com a Glovo
Depois de ter dado entrada em junho um primeiro processo, mais estafetas avançaram para tribunal para reclamar um contrato de trabalho com a Glovo. Há uma audiência marcada para setembro.
Cerca de uma dezena de estafetas já avançaram com ações judiciais para verem reconhecido o seu vínculo laboral com a plataforma de entregas Glovo. Isto ao abrigo das alterações à lei do trabalho, que entraram em vigor em maio e que abrem a porta a que os estafetas sejam considerados trabalhadores dependentes das plataformas digitais. Para o início de setembro, já está marcada uma audiência, no Porto, no âmbito de um desses processos.
A lei laboral já previa um mecanismo de presunção do contrato de trabalho, mas este não estava adaptado às características especiais da relação entre os estafetas e as plataformas digitais.
Ora, numa altura em que em diversos países se discute se está em causa ou não uma relação de trabalho dependente, em Portugal entrou em vigor em maio um pacote de alterações legislativas, que abre a porta a que os estafetas sejam mesmo considerados trabalhadores das plataformas, desde que sejam identificados alguns indícios dessa subordinação. Por exemplo, se a plataforma fixar a retribuição, tiver poder disciplinar ou controlar a prestação da atividade, conforme já detalhou o ECO, neste descodificador.
Foi ao abrigo destas novas regras que em junho avançou uma primeira ação judicial de uma estafeta pelo reconhecimento de um vínculo laboral com a Glovo. A 13 de julho, deu-se a primeira audiência nesse âmbito, mas não foi possível chegar a acordo.
Francisco Pinho, advogado dos estafetas, explica, em conversa com o ECO, que essa plataforma de entregas não apresentou qualquer contraproposta, na referida audiência, pelo que o processo entrou, entretanto, em fase de contestação. Depois das férias judiciais, deverá ser marcada uma nova audiência, indica.
Mas não há apenas um estafeta a lutar no tribunal por um contrato de trabalho. De acordo com o advogado Francisco Pinho, já há “em torno de dez” estafetas a reclamar esse vínculo. E o número tenderá a aumentar. “Há muita gente a procurar-nos”, afirma.
Dos cerca de dez processos em curso, todos são relativos à Glovo, revela. Avança também que está marcada uma audiência para o início de setembro, no âmbito de um desses processos.
Ao ECO, o porta-voz do movimento Estafetas em Luta, Marcel Borges, também sublinha que estão em curso cerca de dez processos, havendo outros estafetas que “estão a correr atrás de apoio judiciário”, porque a maioria “não tem condições de pagar” os custos associados. Como sinal para o que poderá estar no horizonte, de recordar que em junho esse responsável tinha declarado que em torno de 30 estafetas estavam a preparar-se para recorrer aos tribunais, com base nas novas regras.
Importa explicar também que nem todos os estafetas desejam ter um vínculo reconhecido com as plataformas digitais. O Movimento dos Estafetas, por exemplo, opõe-se, porque defende a autonomia e flexibilidade que diz haver no atual modelo de relação laboral com as plataformas.
Dúvidas em torno da fiscalização
Mesmo que os estafetas não avancem para tribunal ou peçam à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) para verificar a relação com as plataformas, o reconhecimento de um contrato de trabalho entre essas partes pode acontecer. Como? Se a ACT, numa ação inspetiva, encontrar os tais indícios de dependência e desencadear, então, esse processo, à semelhança do que vem fazendo com os falsos recibos verdes.
No entanto, a fiscalização do trabalho nas plataformas digitais está envolta em dúvidas. Em declarações ao ECO, Marcel Borges assinala que os estafetas têm sido, sim, fiscalizados, mas não há conhecimento de as plataformas terem sido também questionadas pelos inspetores. Em junho, o porta-voz já dizia que, no cenário atual, quando os estafetas “procuram a ACT, o tiro sai pela culatra”.
O ECO pediu à ACT um balanço dos primeiros meses de fiscalização, mas não obteve ainda resposta.
Carla Cardoso, dirigente do Sindicato dos Inspetores do Trabalho (SIT), já adiantou, porém, que as ações não têm sido, do seu conhecimento, consequentes, até porque ainda há dúvidas sobre como identificar essas relações de trabalho.
A sindicalista frisou, de resto, que só foram dadas três horas de formação sobre as alterações feitas em maio ao Código do Trabalho, que “pouco ou nada” ajudaram na interpretação das novas regras relativas ao trabalho nas plataformas.
A lei prevê que a ACT desenvolva, no primeiro ano de vigência da lei, “uma campanha extraordinária e específica de fiscalização deste setor, sobre a qual é elaborado um relatório a ser entregue à Assembleia da República”.
Em julho, após as primeiras ações inspetivas, a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, observou que cerca de metade dos trabalhadores das plataformas que foram sujeitos a fiscalização estavam em situação irregular, do ponto de vista da sua relação laboral.
“Este é um primeiro indício de que, de facto, temos aqui muito para garantir e transformar, para que a Agenda do Trabalho Digno seja uma realidade efetiva na vida dos trabalhadores”, considerou a governante, na altura.
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