Risco de o BCE “fazer demais começa a ser material”, diz Mário Centeno
Análise anual ao momento da economia pelo Governador do Banco de Portugal recomenda ao Governo que baixe a despesa pública permanente.
O governador do Banco de Portugal considera que o país e a Zona Euro enfrentam uma “encruzilhada de políticas para reduzir a inflação e responder ao abrandamento da economia”. Mário Centeno alerta, num novo documento de análise anual, que há o risco de o BCE “fazer demais” na política monetária, numa altura em que vê o objetivo para a inflação aproximar-se. Ao Governo recomenda que mantenha a redução da dívida pública, em particular da permanente.
“A conjuntura apela a políticas centradas na função estabilizadora. Na dimensão monetária, o risco de ‘fazer demais’ começa a ser material”, alerta Mário Centeno numa análise ao atual momento da economia, divulgada esta segunda-feira pelo Banco de Portugal.
Faz este mês um ano que o BCE começou a subir as taxas de juro, naquele que foi o mais agressivo ciclo de aperto (3,75 pontos percentuais) desde a criação do euro. A próxima reunião mensal do conselho do banco central terá lugar no dia 14.
“Na ausência de novos choques e com a materialização da transmissão da política monetária à economia, o objetivo de médio prazo está ao nosso alcance no horizonte próximo“, considera o governador, afirmando que “a inflação deverá aproximar-se dos 2%”.
Assegurada a convergência para a estabilidade de preços, a política monetária deverá traçar um caminho previsível de redução das taxas de juro, mas longe dos tempos de taxas de juro de zero ou mesmo negativas.
O também membro do conselho do BCE assinala que “a inflação tem-se reduzido mais rapidamente do que subiu e a economia está a ajustar-se às novas condições financeiras”. Olhando mais para a frente, defende que “assegurada a convergência para a estabilidade de preços, a política monetária deverá traçar um caminho previsível de redução das taxas de juro, mas longe dos tempos de taxas de juro de zero ou mesmo negativas”.
O governador deixa também recomendações ao Governo na gestão das contas públicas, na linha de outras intervenções. Na política orçamental, “deve preservar-se o equilíbrio para reduzir a dívida num contexto de inflação baixa e taxas de juro mais elevadas”, refere.
O peso da despesa permanente na economia continua acima de 2019, mas deve reduzir-se para garantir a sustentabilidade ao longo do ciclo económico.
Mário Centeno põe a tónica na redução da despesa estrutural. “O peso da despesa permanente na economia continua acima de 2019, mas deve reduzir-se para garantir a sustentabilidade ao longo do ciclo económico“, salienta. “A política orçamental deve continuar a orientar-se pela noção de que não se alterou aquilo que há cinco anos não era financiável”, aduz.
Encruzilhada de políticas
A coordenação entre a política monetária e orçamental continuará a ser determinante. “Enfrentamos uma encruzilhada de políticas para reduzir a inflação e responder ao abrandamento da economia. Uma encruzilhada de políticas não é mais do que a necessidade de utilizar a cooperação institucional, como no passado recente da Europa e do país, para garantir uma saída bem-sucedida para os nossos desafios”, aponta Mário Centeno
O governador defende que “as políticas económicas devem continuar a combater as causas da inflação, porque esta é um sintoma, minimizando os riscos de desestabilização para os cidadãos e lançando as bases para um novo ciclo económico”.
“Neste momento difícil para a geopolítica e a economia, a estabilidade e previsibilidade das políticas são o nosso maior ativo“, sublinha na publicação com o título “Encruzilhada de políticas”, onde reflete sobre os desafios económicos que se colocam a Portugal e à área do euro e partilha a sua visão sobre o caminho das políticas a seguir.
No final de 2023, cerca de 70 mil famílias poderão vir a ter despesas com o serviço do crédito à habitação permanente superiores a 50% do seu rendimento líquido.
Centeno refere que “a encruzilhada traz maior aperto financeiro a famílias e empresas em resultado do ciclo de política monetária”. E sublinha-o com um previsão: “No final de 2023, cerca de 70 mil famílias poderão vir a ter despesas com o serviço do crédito à habitação permanente superiores a 50% do seu rendimento líquido; no final 2021, já eram 36 mil famílias”.
“O reforço da poupança e a redução do endividamento, bem como os apoios públicos e o papel do setor bancário na prevenção do incumprimento podem mitigar estes riscos“, recomenda. “Nos depósitos, é fundamental continuar a criar condições para estimular a poupança”, acrescenta.
Elogio às políticas dos últimos anos
O momento é de aperto, mas Portugal está mais bem preparado, salienta o antigo ministro das Finanças, que ocupou a pasta entre 2015 e 2020.
“Encontramo-nos perante esta encruzilhada, num dos melhores momentos da economia portuguesa, em resultado da transformação das suas instituições ― legais, sociais e culturais ―, que determinou a acumulação dos fatores estruturais de crescimento e sustentabilidade: capital humano, capital físico e conhecimento tecnológico. Em todas estas dimensões Portugal tem sabido corrigir a mão”, considera.
“Enquanto a área do euro cresceu 15% nos primeiros 15 anos deste século, Portugal ficou-se por um parco 1%! Em contraste, desde 2015 crescemos 17% e convergimos com a área do euro, que cresceu 13%”, identifica.
O governador destaca que “o emprego e os salários estão em máximos, colocando a economia de novo acima dos valores potenciais” e considera que Portugal está “a acumular e a reter capital humano qualificado”. “O país não está destinado a qualificações que muitos pensavam ser endemicamente reduzidas, nem à emigração“, defende.
Realça ainda fatores como a melhoria da autonomia financeira das empresas e da rentabilidade e um sistema bancário mais capitalizado.
(notícia atualizada às 11h50)
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