Portugal voa mais alto que a UE na descarbonização da aviação

A partir de 2025, a UE vai aumentar a exigência de incorporação de combustível sustentável na aviação, até aos 70%, em 2050. Ponto de partida português é mais ambicioso e projetos já estão em curso.

Descarbonizar o setor da aviação é uma das prioridades da União Europeia (UE) para alcançar a neutralidade carbónica até meados do século. Nessa altura, o setor dos transportes terá que reduzir em 90% as emissões poluentes (face aos níveis de 1990), e parte disso será possível com a incorporação de biocombustíveis. As primeiras metas para a aviação estão traçadas para 2025 a nível europeu, mas em Portugal os objetivos serão mais ambiciosos.

Esta quarta-feira, o Parlamento Europeu (PE) aprovou um diploma que visa impulsionar a produção e incorporação de biocombustíveis na aviação, isto depois do acordo provisório, em abril, que resultou de um trílogo informal. A proposta foi agora aprovada por 518 eurodeputados, seguindo-se a discussão no Conselho da União Europeia, isto é, entre os ministros da UE. Só depois se poderá tornar lei.

As conversas com o Conselho [da União Europeia] não têm sido fáceis. Mas chegámos a um acordo equilibrado. Esta aprovação vai ser um passo importante para a descarbonização do setor”, referiu José Ramón Diaz, relator da proposta, em conferência de imprensa.

O documento aprovado entre os eurodeputados prevê que, a partir de 2025, pelo menos 2% do jet fuel seja de origem ecológica, isto é, seja produzido, por exemplo, a partir de óleo alimentar usado ou de resíduos biológicos – também conhecidos por Sustainable Aviation Fuels (ou SAF, na sigla em inglês). Em 2030, o valor mínimo de incorporação deverá ser de 6% e em 2035, altura em que já estarão operacionais vários investimentos no setor a nível europeu, a exigência será de 20%. Em 2050, a quota mínima de SAF incorporado no jet fuel deverá atingir os 70%.

Além da incorporação de SAF, os Estados-membros devem garantir que uma proporção específica do mix de combustíveis inclua combustíveis sintéticos (também conhecidos por e-SAF), produzidos através da eletrólise de água a partir da combinação de gás de hidrogénio (H2) e dióxido de carbono (CO2). O diploma aprovado pelo PE prevê que a incorporação de e-SAF seja de 1,2% em 2030, 5% em 2035, evoluindo progressivamente até atingir os 35% em 2050.

A proposta europeia prevê ainda que, a partir de 2025, as companhias aéreas adotem um rótulo que informe o desempenho ambiental dos voos, indicando a pegada de carbono esperada de uma viagem por passageiro e a sua eficiência esperada de CO2 por quilómetro.

O calendário foi considerado pelos eurodeputados como um ponto de partida “ambicioso”, mas em Portugal não só as metas de SAF foram mais longe, como foram assumidas com um ano de antecedência. Até 2025, o exercício de incorporação de combustíveis “verdes” na aviação e no transporte marítimo arranca com uma quota mínima de 2,5%. Esta percentagem triplica para 6% em 2027 e volta a dar um salto em 2029, altura em que o nível mínimo de incorporação de SAF passará a ser de 9%. Só a partir de 2035 é que os objetivos a nível nacional deverão ficar alinhados com as ambições europeias. Não existem metas nacionais para a incorporação de combustíveis sintéticos.

Ao Capital Verde, o Ministério do Ambiente e da Ação Climática assume que a adoção generalizada de SAF “é uma componente crítica” para o cumprimento do roteiro de descarbonização da aviação europeia e garante que os produtores a nível nacional estão a “preparar-se” para tal. Fonte oficial do gabinete de Duarte Cordeiro acrescenta que Portugal está “empenhado” em desenvolver uma estratégia que permitirá “atrair novas indústrias” que não só produzem hidrogénio renovável –, combustível apontado como solução para descarbonizar o setor dos transportes pesados – como a produção de SAF.

Portugal aposta na produção de combustíveis “verdes”

 

Em maio, o ministro das Infraestruturas, João Galamba, dava conta que existe “um número interessante” de projetos em Portugal que visam impulsionar a produção de biocombustíveis, para o setor dos transportes e da aviação em particular. Dois deles — um liderado pela Galp e outro por um consórcio do qual a Prio faz parte — são “patrocinados” pelo Plano de Recuperação e Resiliência. Ambos deverão arrancar a produção comercial entre meados de 2025 e início de 2026 e, segundo o Governo, as toneladas produzidas serão suficientes para suprir as necessidades de SAF a nível nacional até 2029. Depois, face à evolução das metas, será necessário recorrer à importação deste combustível caso as unidades de produção nacional não aumentem as suas capacidades.

Se o investimento da Galp estiver realizado [até 2026], os 2% e os 6%, [previstos para 2025 e 2027], estarão completamente compatíveis com a dimensão da unidade que a Galp se propõe fazer”, refere Jaime Braga, secretário-geral da Associação Portuguesa de Produtores de Biocombustíveis (APPB) ao Capital Verde. Considerando que em 2022, o setor da aviação consumiu 1,497 mil toneladas de combustível, o responsável prevê que as metas de incorporação sejam equivalentes a 30 mil toneladas de SAF, em 2025, e 90 mil toneladas, em 2027.

O projeto HVO@Galp, que irá nascer na refinaria de Sines como parte da estratégia de descarbonização da petrolífera, deverá atingir a capacidade de produção de 460 mil toneladas de biocombustíveis.

Neste momento, adianta fonte oficial da Galp, e no âmbito da estratégia de investimentos em Sines, a petrolífera prevê desenvolver projetos industriais que permitirão “responder às necessidades futuras do mercado” e servir de produtor de hidrogénio verde, combustíveis sintéticos e biocombustíveis avançados “em larga escala, nomeadamente para a aviação”.

Já o projeto da Prio, que junta que forma um consórcio formado por nove empresas, prevê um investimento de 600 milhões de euros para a inauguração de uma fábrica de biocombustíveis avançados em Setúbal, prevista para entrar em operação em 2026.

Além destes dois, também a Navigator, em parceria com a empresa alemã P2X Europe, está preparada para começar a produzir biocombustíveis a partir de 2026, prevendo atingir uma capacidade total de produção de SAF de 80 mil toneladas por ano. Este biocombustível será produzido a partir de hidrogénio verde e de CO2 biogénico obtido na valorização energética de resíduos e sobrantes florestais e subprodutos da madeira, na operação das fábricas integradas de pasta e papel da Navigator.

Já no campo dos e-SAF, a P2X Europe e a Veolia Portugal vão avançar com estudos de viabilidade para a inauguração de uma unidade à escala industrial na Central de Valorização Energética, da Maia. O projeto Power to Liquid, indicam as empresas, vai permitir produzir um combustível verde sintético para a indústria de aviação a partir de uma combinação de CO2 capturado do processo da central e hidrogénio com origem em energias renováveis. “Numa primeira fase”, explicam, serão aproveitadas “cerca de 100 mil toneladas de CO2 biogénico” a serem transformadas em e-SAF, que, por sua vez, deverá ser convertido em produtos renováveis, tais como o querosene e o diesel “verde”.

Mas o ritmo de evolução das iniciativas em Portugal não convence a Navigator, que afirma que, atualmente, “os projetos de produção de combustíveis de aviação sustentáveis não estão em linha com as exigências” europeias que entram em vigor em 2025. Ao Capital Verde, a Navigator defende que o país apresenta “vantagens competitivas” para a produção de SAF e e-SAF, tendo nas mãos a oportunidade de não só contribuir “significativamente” para concretização dos objetivos, mas também de se situar como um produtor relevante a nível europeu. No entanto, é necessário “acelerar” o ritmo de crescimento, “caso contrário, Portugal pode perder uma oportunidade histórica de se destacar nesta área”.

O nosso país tem capacidade para desenvolver, nas próximas décadas, um relevantíssimo cluster nesta área, beneficiando nomeadamente de energia solar e eólica a preços competitivos.

Fonte oficial da Navigator

Ainda que só em 2026 se comecem a ver resultados destes projetos, Portugal assume-se, de acordo com a Associação de Bioenergia Avançada (ABA), como “um dos países que está na frente no que toca a projetos ligados a biocombustíveis e combustíveis de baixo teor de carbono”, ganhando espaço e oportunidade para “liderar a transformação a nível europeu”. No entanto, a secretária-geral da ABA realça que tudo isto está “significativamente” dependente da legislação futura. “Assim que essa regulamentação entre em vigor, acreditamos que muitos projetos serão viabilizados e poderemos testemunhar um aumento na produção e uso de combustíveis sustentáveis para a aviação”, aponta Ana Calhôa.

Mas existem desafios. Um deles prende-se com a disponibilidade de matérias-primas, algo que, de acordo com o responsável pela APPB, “preocupa” o setor. É que existe uma “limitação” ao uso de matérias-primas de origem agrícola — nomeadamente, palhas, cascas e outros resíduos — e a dimensão do mercado de matérias residuais certificadas passíveis de utilização. Segundo o Jaime Braga, em termos mundiais, a falta de disponibilidade “pode [resultar] numa dificuldade em satisfazer esta procura acrescida”.

“As matérias-primas, se fossem produzidas, não havia problema. Mas como surgem a partir de matérias residuais que não se fabricam, aumentam a pressão sobre a disponibilidade de matérias-primas” necessárias para levar a cabo a produção de SAF, alerta o responsável.

Já no caso dos combustíveis sintéticos, os entraves estão associados aos custos de produção resultantes da eletrólise que, tipicamente, exigem um consumo bastante elevado de energia elétrica de fonte renovável. Segundo os cálculos da Navigator, atualmente, face à falta de capacidade das redes elétricas para receção de energia renovável e os longos tempos de licenciamento de novos projetos, que, por sua vez, atrasam o desenvolvimento do setor das renováveis, estima-se que os custos de produção de e-SAF sejam até oito vezes superiores aos combustíveis de aviação de origem fóssil.

Até que comecem a ser produzidas as primeiras toneladas, o país vai levando a cabo testes piloto. Em 2022, a TAP realizou um voo entre Lisboa e Ponta Delgada no qual foram incorporados 39% de jet fuel de origem renovável, o primeiro deste tipo. A redução de emissões neste voo foi de 7,1 toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2eq), o que representa uma diminuição de 35% das emissões totais de CO2.

A viagem, concretizada em parceria com a Galp e a ANA — Aeroportos Portugal, foi um marco no rumo à descarbonização do setor europeu, representado pela Associação Europeia de Companhias Aéreas, que se diz focado em trocar os combustíveis fósseis por energias verdes. Por sua vez, a TAP garante ao Capital Verde estar a “desenvolver uma estratégia e um plano de ação arrojados a médio e longo prazo para concretizar as suas ambições neste domínio”.

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