11 anos depois do início da investigação, o que junta Salgado e Pinho no mesmo banco de arguidos?
Julgamento do caso EDP começa esta terça-feira no Campus de Justiça. Foi em dezembro de 2022 que o MP deduziu acusação contra Pinho, Salgado e Alexandra Pinho, mulher do antigo ministro da Economia.
Passados 11 anos desde o início da investigação, nove meses e meio da acusação do Ministério Público (MP) e seis meses depois da decisão instrutória, começa esta terça-feira, no Campus de Justiça, em Lisboa, o julgamento que junta Manuel Pinho, ex-ministro da Economia de Sócrates, e Ricardo Salgado, ex-líder do BES, no mesmo banco de arguidos.
Porém, a primeira sessão pode estar em risco por dois motivos. Um respeita à greve do Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), marcada para os Tribunais e Serviços do Ministério Público sediados no município de Lisboa, e que agendou também a realização de uma manifestação no Campus da Justiça.
O eventual adiamento pode ainda resultar de um pedido da defesa de Manuel Pinho, que alega não ter sido notificada em devido tempo. Se não houver adiamento, o julgamento começará com a audição dos arguidos, que vai prolongar-se por todo o dia, estando ainda reservado para o mesmo efeito o dia 6 de outubro.
Que crimes estão em causa?
Foi no dia 15 de dezembro de 2022 que o MP deduziu acusação contra Pinho, Salgado e Alexandra Pinho, mulher do antigo ministro da economia. Em causa estão os crimes de corrupção passiva, fraude fiscal e branqueamento de capitais. O ex-ministro da economia, que está em prisão domiciliária, foi acusado de um crime de corrupção passiva para ato ilícito, outro de corrupção passiva, um crime de branqueamento de capitais e um crime de fraude fiscal.
Já Ricardo Salgado foi acusado em concurso efetivo e autoria material de um crime de corrupção ativa para ato ilícito, um crime de corrupção ativa e outro de branqueamento de capitais. A mulher do ex-ministro, Alexandra Pinho, foi acusada em concurso efetivo e co-autoria material com Manuel Pinho de um crime de branqueamento de capitais e outro de fraude fiscal.
Os ex-líderes da EDP e EDP Renováveis, António Mexia e João Manso Neto, vão continuar a ser investigados num processo à parte e não foram ainda acusados.
No dia 5 de dezembro do ano passado, o processo — originalmente chamado de processo EDP — foi dividido em dois. Assim, a parte que respeitava aos arguidos António Mexia, ex-líder da EDP, e João Manso Neto, também antigo administrador da elétrica, passou a chamar-se de processo EDP/CMEC. Nele, vai ainda estar Manuel Pinho, mas pelas decisões que tomou enquanto governante e que terão beneficiado a EDP, no caso relativo a novos 32 CMEC (Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual). Uma dúvida está a atrasar o processo EDP/CMEC, com os tribunais divididos sobre quem tem competência para apreender emails já abertos: o Ministério Público ou o juiz de instrução. Será o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que irá solucionar este problema e interpretar a lei através do chamado acórdão de fixação de jurisprudência.
A parte que é levada a julgamento esta terça-feira, chamada apenas de processo EDP, diz respeito às suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais, por parte de Pinho, num processo relacionado com dinheiros provenientes do Grupo Espírito Santo (GES).
O pontapé de saída da investigação
Foi há dez anos, em 2012, que se deu a abertura de inquérito deste processo. O foco da investigação centrava-se nas suspeitas de favorecimento do Governo, na altura de José Sócrates, à EDP. Mas, com o decorrer da investigação, várias outras suspeitas foram nascendo, como a dos subornos superiores a cinco milhões de euros de Salgado, ex-líder do BES, a Manuel Pinho, à data ministro da Economia de Sócrates.
O inquérito investigou práticas de corrupção e participação económica em negócio nos procedimentos relativos à introdução no setor elétrico nacional dos CMEC.
No âmbito desta investigação está ainda a aprovação da classificação das Herdades da Comporta, do GES, e do Pinheirinho, grupo imobiliário Pelicano, como Projeto de Interesse Nacional, através de financiamento do BES. Outro dos eixos da investigação é a autorização para que a Brisa passasse a explorar as autoestradas do Atlântico, também pelo financiamento do BES, após ter sido chumbada pela Autoridade da Concorrência e revertida por Pinho.
Entre os arguidos neste processo estavam então Manuel Pinho; a sua mulher, Alexandra Pinho; Salgado; Mexia; Manso Neto; Artur Trindade, ex-secretário de Estado da Energia de um Governo PSD; Miguel Barreto, ex-diretor geral de Energia; João Conceição, administrador da REN e antigo consultor de Pinho; e Pedro Furtado, responsável de regulação na empresa gestora das redes energéticas.
Dos CMEC ao favorecimento do BES
Foi em julho de 2017 que Manuel Pinho foi constituído arguido por suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais, num processo relacionado com dinheiros provenientes do GES. Na altura, o ex-ministro da economia do governo de José Sócrates garantiu que não foi favorecido pela empresa e solicitou ainda que a investigação fosse levada até “às últimas consequências”, declarando-se disponível para prestar os esclarecimentos necessários.
Em causa estão benefícios de mais de 1,2 mil milhões de euros alegadamente concedidos por Manuel Pinho à EDP, entre outubro de 2006 e junho de 2012. Os pagamentos teriam alegadamente como destino uma nova sociedade offshore de Pinho, chamada Tartaruga Foundation, com sede no Panamá, e seriam feitos pela Espírito Santo Enterprises, empresa que também é uma offshore, nas Ilhas Virgens Britânicas, e que ficou conhecida por ser o “Saco Azul” do GES.
Segundo a tese defendida pelo Ministério Público, o grupo GES/BES teria interesse em decisões favoráveis à elétrica porque na altura era acionista da EDP, com pouco mais de 2%.
No período em que Manuel Pinho foi ministro da Economia — entre março de 2005 a julho de 2009 — a ES Enterprises transferiu um total de cerca de 508 mil euros por via de uma transferência mensal de valor exatamente igual (de 14.963,94 euros).
Ricardo Salgado é, assim, também um dos nomes deste processo. Sobre o ex-presidente do BES recaem suspeitas de alegados subornos superiores a cinco milhões de euros pagos a Pinho, enquanto era ministro da Economia, para favorecer os interesses do BES no governo de Sócrates, entre os anos de 2005 e 2009.
As testemunhas mediáticas: Sócrates, Passos Coelho e Durão Barroso
Os antigos primeiros-ministros Durão Barroso, José Sócrates e Pedro Passos Coelho integram a lista de 77 testemunhas chamadas pelo ex-ministro da Economia Manuel Pinho para este julgamento.
Segundo a contestação da defesa de Manuel Pinho à acusação do MP, o número de testemunhas arroladas é justificado pela “excecional complexidade” deste caso, sendo que 22 das 77 foram também convocadas pelo MP, que chamou um total de 78 testemunhas.
Entre os nomes elencados pela defesa estão ainda o ex-presidente do PSD Luís Marques Mendes; o ex-presidente do Benfica Luís Filipe Vieira; o presidente da Câmara de Sintra, Basílio Horta; os antigos secretários de Estado Bernardo Trindade e Castro Guerra; o ex-administrador do BES Morais Pires; e os empresários Mário Ferreira e Paulo Fernandes, além do procurador que liderou a investigação: Carlos Casimiro.
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