Crimes em investigação na órbita do Governo podem dar até dez anos de prisão

Desde tráfico de influência e corrupção a participação económica em negócio, neste caso ligado à energia o Ministério Público investiga crimes que oscilam entre os seis meses e os dez anos de prisão.

Mais um caso mediático está desde a manhã de terça-feira no palco da justiça portuguesa. Desta vez relacionado com dois projetos de extração de lítio em Montalegre e da central de hidrogénio verde em Sines. O Ministério Público (MP) investiga alegados crimes de tráfico de influência, corrupção ativa e passiva, participação económica em negócio e recebimento indevido de vantagens. Ao todo, estes crimes oscilam entre os seis meses e os dez anos de prisão.

A PSP está a realizar buscas na residência oficial do primeiro-ministro e nos Ministérios do Ambiente, das Infraestruturas e da Habitação. Já foram detidos o chefe de gabinete de António Costa, Vítor Escária, e o consultor e “melhor amigo” do primeiro-ministro, Diogo Lacerda Machado, assim como o presidente da Câmara de Sines, o socialista Nuno Mascarenhas.

Um dos crimes em cima da mesa é o de tráfico de influência. Segundo o artigo 335.º do Código Penal (CP), “quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para abusar da sua influência, real ou suposta, junto de qualquer entidade pública, nacional ou estrangeira, é punido”.

A pena de prisão pode variar de um a cinco anos de prisão, ou até três anos ou com pena de multa, “se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal, se o fim for o de obter uma qualquer decisão lícita favorável”.

Caso quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial às pessoas que solicitaram ou aceitaram é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa ou até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.

Outro dos crimes que está a ser investigado pelo MP é o de corrupção passiva e é punido com pena de prisão de um a oito anos, mas a pena pode chegar aos 10 anos se for agravada.

Segundo o artigo 373.º do CP, destina-se ao “funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um qualquer ato ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação”.

Mas se o ato ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e a vantagem não lhe for devida, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.

Já o crime de corrupção ativa (artigo 374.º do CP), pune o agente com pena de prisão de um a cinco anos. “Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim indicado no n.º 1 do artigo 373.º, é punido com pena de prisão de um a cinco anos”, lê-se.

Mas se o ato ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e a vantagem não lhe for devida, o agente é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.

Outro dos crimes em que recaem suspeitas é o de participação económica em negócio. Este tipo de crime é imputado ao funcionário que, com “intenção de obter, para si ou para terceiro, participação económica ilícita, lesar em negócio jurídico os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, lhe cumpre, em razão da sua função, administrar, fiscalizar, defender ou realizar”, sendo punido com pena de prisão até cinco anos.

Ainda assim, segundo o artigo 377.º do CP, o funcionário que, “por qualquer forma”, receber, quer para si, quer para terceiro, uma “vantagem patrimonial por efeito de ato jurídico-civil relativo a interesses de que tinha, por força das suas funções, no momento do ato, total ou parcialmente, a disposição, administração ou fiscalização, ainda que sem os lesar”, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 60 dias.

A mesma pena é aplicável ao funcionário que receber, por qualquer forma, vantagem patrimonial por efeito de cobrança, arrecadação, liquidação ou pagamento que, por força das suas funções, total ou parcialmente, esteja encarregado de ordenar ou fazer, posto que não se verifique prejuízo para a Fazenda Pública ou para os interesses que lhe estão confiados.

Diogo Lacerda MachadoANDRÉ KOSTERS/LUSA 9 maio, 2023

Por fim, o crime de recebimento ou oferta indevidos de vantagem pune o agente com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.

Esta pena recai sobre o funcionário que, no exercício das suas funções ou por causa delas, “por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida”.

Mas se for qualquer pessoa a prometer a um funcionário, ou a terceiro por indicação ou conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, no exercício das suas funções ou por causa delas, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.

Das buscas às detenções

Para as buscas realizadas esta terça-feira foram mobilizados cerca de 140 polícias, revelou fonte da PSP à Lusa. O inquérito está a cargo do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).

Vítor Escária, chefe de gabinete do primeiro-ministro

O ECO sabe ainda que as buscas estendem-se à casa do advogado Rui Oliveira Neves e à sede da Start Campus de Sines, um dos maiores campus de data centers da Europa, o Sines 4.0, assim como à casa do CEO, Afonso Salema. Que foram igualmente detidos. A Morais Leitão também estará a ser alvo de buscas.

Entre os visados por estas buscas, que poderão ser constituídos arguidos, estão também o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, o ministro das Infraestruturas, João Galamba, e o antigo ministro João Pedro Matos Fernandes.

Os suspeitos vão ficar agora detidos na sede da PSP de Lisboa, em Moscavide, até serem ouvidos em primeiro interrogatório judicial que terá de acontecer no prazo de 48 horas.

Em janeiro deste ano, a Procuradoria-Geral da República confirmou que a investigação aos negócios do lítio e do hidrogénio verde estavam em curso, mas não tinham arguidos constituídos naquela altura. Esta posição surgiu após o Chega ter criticado a nomeação de Galamba para ministro das Infraestruturas, devido ao seu alegado envolvimento neste caso.

O Ministério Público investiga alegadas irregularidades na concessão à exploração de lítio, em Montalegre. A concessão dada à LusoRecursos acabou por ser revogada, com o então ministro do Ambiente e Ação Climática, João Matos Fernandes, a afirmar que houve “falta de profissionalismo” por parte daquela empresa.

O Departamento Central de Investigação e Ação Penal está a apurar eventuais crimes de tráfico de influência, corrupção e outros crimes económico-financeiros. Em causa estão eventuais favorecimentos ao consórcio EDP/Galp/REN para o milionário projeto do hidrogénio verde para Sines. A investigação acontece depois de suspeitas surgidas em 2019, com as autoridades a tentarem perceber se houve favorecimento àqueles grupos naquele que foi um dos maiores investimentos públicos dos últimos anos.

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