Sem novo Orçamento e com incerteza política, economia fica sob pressão

Queda do Governo pode penalizar a economia no curto prazo, mas economistas afastam impacto significativo. Instabilidade política após as eleições preocupa.

A queda do Governo surge numa altura em que a economia portuguesa já está em quebra. O PIB recuou 0,2% no terceiro trimestre e a crise política acentua a probabilidade de o país entrar em recessão técnica. Um Orçamento em duodécimos pode penalizar no curto prazo, mas os economistas desvalorizam um impacto mais severo. Há, no entanto, receios sobre a estabilidade política futura.

Com a queda do Governo, cai também a proposta de Orçamento do Estado para 2024 e com ela a descida do IRS já anunciada. O que na prática resultará num aumento do imposto. “Como vigoram as tabelas deste ano, com os aumentos salariais decididos entretanto, vamos ter uma subida de impostos, o que irá retirar gás à economia no curto prazo”, aponta Pedro Braz Teixeira, diretor do Gabinete de Estudos do Fórum para a Competitividade.

“O Orçamento do Estado não vai ser aprovado. Vamos ficar em duodécimos, o que é problemático em tempos de inflação. Significará mais austeridade numa altura em que as famílias estão a sofrer com o aumento do custo de vida”, assinala Ricardo Cabral, professor de Economia do ISEG

Vamos ficar em duodécimos, o que é problemático em tempos de inflação. Significará mais austeridade.

Ricardo Cabral

Professor de Economia do ISEG

Ricardo Amaro, lead Economist para a Zona Euro da Oxford Economics, também considera que “os principais impactos de curto prazo estão relacionados com a proposta de Orçamento do Estado para 2024, que agora se arrisca a ficar na gaveta”. Mas mostra preocupação sobretudo com a execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que “ficará novamente sob pressão”.

“O salto significativo estava previsto para o próximo ano e o pipeline de projetos aprovados parecia promissor (quase 12 mil milhões, excluindo pagamentos já feitos). Mas isto parece agora incerto”, escreveu numa publicação na rede social LinkedIn.

A atividade económica em Portugal está a ser penalizada sobretudo pela queda nas exportações. Segundo o INE, “o contributo da procura externa líquida para a taxa de variação em cadeia do PIB passou a negativo, após ter sido positivo no segundo trimestre, refletindo a redução das exportações quer de bens, quer de serviços, incluindo o turismo”.

Com a demissão do Governo aumentou a probabilidade de uma recessão técnica.

Pedro Braz Teixeira

Diretor do Gabinete de Estudos do Fórum para a Competitividade

Para Pedro Braz Teixeira, “com a demissão do Governo aumentou a probabilidade de uma recessão técnica”, até porque “os indicadores do quarto trimestre já estavam mal antes da crise em Israel”.

O diretor do Gabinete de Estudos do Fórum para a Competitividade considera que “a economia vai ser provavelmente prejudicada com a incerteza. Adiam-se decisões, sobretudo de investimento. É preferível fazer as despesas de investimento mais tarde, com mais clareza.” A execução do investimento público, já muito baixa, tenderá a perdurar com um Governo em gestão.

Impacto não será significativo

“Admitindo que o Presidente da República dissolve o Parlamento e vamos para eleições vamos ter de funcionar num regime de duodécimos. Já funcionámos assim em 2022 e não veio daí grande mal“, afirma a economista Vera Gouveia Barros.

O consumo privado até passou a ter um contributo positivo no terceiro trimestre e a economista salienta que “as estatísticas mostram que em muitos setores os salários já recuperaram do impacto da inflação”. Para Vera Gouveia Barros, “não é este episódio que altera a confiança dos consumidores e empresários“.

As estatísticas mostram que em muitos setores os salários já recuperaram do impacto da inflação.

Vera Gouveia Barros

Economista

Pedro Braz Teixeira aponta outra atenuante: “A covid-19, a guerra na Ucrânia, a guerra em Israel e agora a queda do Governo acontecem com a taxa de desemprego baixa. É muito diferente entrar em recessão técnica com o desemprego em mínimos ou o desemprego elevado“. Em setembro, a taxa de desemprego estava nos 6,5%, subindo ligeiramente face ao mês anterior.

O diretor do Gabinete de Estudos do Fórum para a Competitividade também desvaloriza o impacto no PRR, sustentando que Portugal já recebeu da União Europeia bem mais do que já pagou. “Não há razões para dizer que não se está a executar o PRR porque não há dinheiro. O PRR não avança não é por falta de liquidez, mas por bloqueios administrativos”.

Na prática o Governo tem tido uma estratégia económica passiva. Limita-se a uma consolidação orçamental feita ao sabor da economia.

Ricardo Cabral

Professor de Economia do ISEG

Ricardo Cabral considera que “os programas de investimento que precisam de legislação ou enquadramento orçamental podem ser afetados”, mas não antecipa um impacto significativo da queda do Governo. “Na prática o Governo tem tido uma estratégia económica passiva. Limita-se a uma consolidação orçamental feita ao sabor da economia”, refere o académico doutorado em Economia na Universidade da Carolina do Sul. “Não há nenhum grande programa de despesa pública que fique em risco”, acrescenta.

O professor de economia do ISEG assinala ainda que “o PIB nominal está a crescer a taxas de 10%, parecidas com as do passado, embora agora haja um abrandamento”.

Receio com desfecho de eleições antecipadas

O Presidente da República vai ouvir os partidos esta quarta-feira e no dia seguinte o Conselho de Estado. Só depois dessa reunião falará ao país. Um caminho que aponta para uma dissolução da Assembleia da República e a convocação de eleições antecipadas. É notório algum receio em relação ao desfecho da ida às urnas.

O impacto para lá do curto prazo vai depender do resultado das eleições, com as sondagens a sugerir que é possível um resultado inconclusivo.

Ricardo Amaro

Economista da Oxford Economics

O impacto para lá do curto prazo vai depender do resultado das eleições, com as sondagens a sugerirem que é possível um resultado inconclusivo”, escreve Ricardo Amaro, da Oxford Economics. As últimas sondagens colocam o PS e o PSD em empate técnico, com entre 25% e 30% das intenções de voto.

“A demissão do primeiro-ministro [António] Costa, no mínimo, aumenta as perspetivas de eleições antecipadas e a incerteza política no curto prazo”, considera o vice-presidente dos países soberanos globais da DBRS, Jason Graffam. “Seria preocupante qualquer resultado eleitoral futuro que afaste a formulação de políticas do atual compromisso do Governo com a prudência orçamental e a redução da dívida do setor público”, refere, em declarações à agência Lusa.

“Nos últimos anos não temos tido um track record de quedas do Governo e instabilidade política. Se o nosso Parlamento vai produzir um Governo estável, ou não, pode ser uma questão dentro de alguns meses”, alerta Pedro Braz Teixeira.

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