Regras orçamentais voltam em 2024. O que vai mudar?
As regras orçamentais regressam depois de estarem suspensas devido à pandemia e à guerra. Mas novo quadro acordado entre ministros das Finanças apenas deve entrar em vigor em 2025.
Após a pandemia e a guerra na Ucrânia, a situação estabilizou o suficiente para voltarem as regras orçamentais da União Europeia, que controlam a trajetória das finanças públicas nos países da moeda única. O consenso não estava fácil, mas depois de várias reuniões os ministros das Finanças dos Estados-membros acabaram por chegar a acordo sobre um novo quadro, que é uma “manta de retalhos” entre regras antigas – nomeadamente mantendo os limites de 3% do PIB para o défice e 60% para a dívida – e novas disposições, mais flexíveis, como caracteriza o economista Ricardo Reis.
Apesar desta corrida para conseguir consenso, o acordo ainda não terá impacto na política orçamental da UE em 2024 porque os orçamentos nacionais para o próximo ano já foram decididos com base em orientações acordadas no início de 2023.
Para o futuro, as metas de 60% do PIB para a dívida pública e de 3% do PIB para o défice vão então manter-se. Portugal cumpre a regra do défice (com excedentes orçamentais previstos para este ano e o próximo) mas continua bastante acima da meta para a dívida: segundo as mais recentes previsões do Conselho das Finanças Públicas, em 2037 o rácio ainda se fixará nos 87,2%. Mesmo assim, existe uma mudança na forma como se olha para este indicador.
Uma das grandes novidades é a adoção de uma “abordagem diferenciada em relação a cada Estado-membro, para ter em conta a heterogeneidade das posições orçamentais, da dívida pública e dos desafios económicos em toda a UE”, como explica o Conselho. Assim, o novo quadro vai permitir “trajetórias orçamentais plurianuais específicas de cada país para cada Estado-membro, assegurando ao mesmo tempo uma supervisão multilateral eficaz e respeitando o princípio da igualdade de tratamento”.
Os planos de médio prazo vão abranger quatro ou cinco anos e contemplam compromissos para uma trajetória orçamental, bem como com investimentos públicos e reformas que, em conjunto, “garantam a redução sustentada e gradual da dívida e o crescimento sustentável e inclusivo”.
Olivier Blanchard, ex-economista chefe do FMI, defende que o foco deve estar na sustentabilidade da dívida e não tanto na redução. “Receio que as novas regras orçamentais europeias, centradas na redução da dívida, possam ser demasiado rigorosas”, escreveu no X (ex-Twitter). Tal poderá levar “alguns países a infringi-las e a destruir a credibilidade das regras, ou a satisfazê-las à custa de uma atividade reduzida e de uma defesa e de investimento verdes insuficientes”, acrescenta.
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O economista Ricardo Reis também considera que o caminho a seguir deve ser centrado numa análise de sustentabilidade da dívida pública. Com “as mudanças nas taxas, a análise tem de ser condicional e probabilística”, avaliando o que “devem ser sinais de alarme”, ao invés de “regras preto e branco”, indica, ao ECO.
Neste processo de reforma, “a ambição era de fazer diferente mas parece que vai ficar na mesma”, opina Ricardo Reis. Para o economista, a regra dos 60% do PIB para a dívida “não faz sentido”, até porque existem vários países acima desse limite neste momento. Na junção de regras antigas e novas “há uma combinação entre as diferentes partes que neste momento é uma manta de retalhos”, aponta.
A proposta final dita que a trajetória técnica deve assegurar que o rácio da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto diminua num ritmo médio anual mínimo de um ponto percentual do PIB perante um endividamento superior a 90% e 0,5 pontos percentuais do PIB face a um endividamento entre 60% e 90%. As regras aplicadas a Portugal devem ser então aquelas previstas para uma dívida acima de 90% do PIB.
Já o procedimento por défice excessivo obrigará a reduzir as despesas em 0,5% do PIB por ano. Mas, numa concessão de última hora obtida pela França, os países sujeitos a tal procedimento podem descontar os custos dos juros da dívida no período 2025-2027, reduzindo os cortes de despesa.
Numa análise às novas regras, a Goldman Sachs sublinha que “o compromisso de reduzir a dívida em 1,0 pp, em média, ao longo de vários anos é um passo no sentido de corrigir a pró-ciclicidade que assola as atuais regras orçamentais do Pacto de Estabilidade e Crescimento”. No entanto, as novas regras irão “provavelmente impedir a despesa de operar livremente e não conseguem captar plenamente os diferentes aspetos dos cenários macroeconómicos em todos os países.”
“Além disso, o período de ajustamento acrescenta complexidade e a aplicação continuará baseada em penalidades”, lê-se, na nota.
Fernando Medina reconheceu, em declarações em Bruxelas, que existe um risco de, ao procurar simplificar as regras orçamentais, estas acabarem por se tornar mais complexas. “É algo que creio que devíamos evitar neste processo”, realçou, ressalvando, no entanto, que não acredita que o processo possa terminar “com regras mais difíceis”.
Estas regras foram discutidas no seio do Ecofin, onde têm assento os ministros das Finanças dos países da União Europeia. Foi marcada uma reunião a 20 de dezembro para tentar resolver o assunto antes do final do ano e lá foi possível chegar a consenso, sendo que os timings são apertados até para o processo ter seguimento nos colegisladores – Parlamento Europeu e Conselho – porque o mandato dos eurodeputados termina em 2024, sendo que há eleições europeias em junho.
Agora ainda vão decorrer negociações com o Parlamento Europeu sobre algumas questões do novo quadro, o que deverá começar em janeiro, para que possam ser aprovadas ainda neste mandato. Mas devido a este processo legislativo, as novas regras apenas devem entrar em vigor em 2025, sinalizou Fernando Medina. “Estas regras entrarão em vigor, no melhor dos cenários, em 2025, e pode até acontecer que só entrem em 2026 e é a partir daí que vamos ver como funcionam”, disse o ministro das Finanças na semana passada.
A discussão tem por base uma proposta da Comissão Europeia, divulgada em abril passado, para regras orçamentais baseadas no risco, com uma trajetória técnica e personalizada para países endividados da UE, como Portugal, dando-lhes mais tempo para reduzir o défice e a dívida.
Esta proposta prevê planos estruturais de médio prazo, num horizonte de quatro anos, bem como um caminho específico para cada país de despesa. Existem salvaguardas comuns e cláusulas de “escape”. Como estas regras representam uma flexibilização, está ainda previsto uma aplicação mais rigorosa do plano.
Portugal terá um excedente em 2023 e um saldo neutro em 2024, pelo que não deverá ter problemas nesse campo. Quanto à dívida, apesar de se manter acima da meta, tem tido um ritmo de redução acima do que está previsto na proposta da Comissão Europeia.
Tudo dependerá, no entanto, das opções políticas que tomar o Governo que resultar das eleições de 10 de março. O Conselho das Finanças Públicas já sinalizou que num cenário base o rácio da dívida desce para 87,2% do PIB, mas se existir um corte com a atual política de redução, a dívida pode chegar próximo dos 110% do PIB.
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