Exclusivo Ideia que aeroporto de Lisboa “será um hub intercontinental é ridícula” para a Ryanair
Comissão responsável pelo relatório do novo aeroporto chumbou o Montijo por não ter capacidade para ser um hub intercontinental. A Ryanair considera que aeroporto de Lisboa nunca o poderá ser.
A Ryanair considera que um novo aeroporto de Lisboa nunca será um hub internacional, ao contrário do que preconiza o estudo para o reforço da capacidade aeroportuária na região da capital. Na resposta ao relatório preliminar da Comissão Técnica Independente, a que o ECO teve acesso, a companhia contesta os pressupostos usados e volta a defender a opção pelo Montijo. O administrador com o pelouro comercial afirma que se a escolha for outra, nunca chegará a avançar ou será um “elefante branco”. A transportadora irlandesa quer ainda um novo concurso para criar um concorrente à ANA.
“A ideia de que o novo aeroporto será um hub intercontinental é absolutamente ridícula. Os hubs europeus já existem; são Londres, Paris, Madrid, Frankfurt”, afirma Jason McGuinness, chief commercial officer da Ryanair, em declarações ao ECO.
A Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) pedida pelo Governo pede uma solução que permita ao novo aeroporto evoluir para um hub internacional, ou seja, que sirva de plataforma alimentadora de voos de longo curso. Uma ideia defendida no relatório preliminar da Comissão Técnica Independente, onde se sustenta que “a posição geográfica de Portugal favorece o desenvolvimento de um hub intercontinental e, assim, da conectividade no Atlântico e noutras zonas do globo”. Um modelo que “não funciona com eficiência em espaços subdimensionados”. O limite à expansão foi, de resto, a principal razão para chumbar a base aérea do Montijo como opção para o novo aeroporto.
A Ryanair, que há muito defende a opção pelo Montijo, considera que Lisboa não tem condições para assumir esse papel. “Os resultados da avaliação das opções pela AAE é muito influenciada pelo desejo de construir um hub intercontinental. Há dois requisitos centrais para o desenvolvimento de um grande hub intercontinental: uma grande companhia área que alimente o hub e a localização geográfica correta para múltiplos fluxos de procura intercontinental. Lisboa simplesmente não tem estas características“, aponta a resposta da companhia irlandesa à consulta pública, a que o ECO teve acesso.
Para Jason McGuinness, sozinha a TAP não terá capacidade para alimentar um hub internacional e um futuro comprador da companhia portuguesa também não o fará.
O mais provável é a TAP ir parar às mãos do grupo IAG. A IAG tem um grande hub internacional em Londres. Não vão aumentar a capacidade internacional em Lisboa. Vão enviar as pessoas de Lisboa para Heathrow.
“O mais provável é a TAP ir parar às mãos do grupo IAG. Há a hipótese de ser a Lufthansa ou a Air France, mas o mais provável é o IAG. A IAG tem um grande hub internacional em Londres. Não vão aumentar a capacidade internacional em Lisboa. Nunca vai acontecer. Vão enviar as pessoas de Lisboa para Heathrow”, afirma o chief commercial officer. “Acha que a IAG vai comprar uma frota de longo curso para a TAP? Não”, acrescenta.
A Ryanair também contesta o cenário de crescimento da procura usado pela Comissão Técnica Independente, que diz ser “viciado” e “sem credibilidade”, condicionando os resultados da análise. O relatório parte de uma taxa de crescimento anual de 3,8%, com o número de passageiros a passar dos atuais 34 milhões para 84,7 milhões em 2050, tendo por base previsões das organizações internacionais. Uma capacidade que o Montijo já não suportaria.
A companhia irlandesa defende que a projeção não se coaduna com “um mercado desenvolvido e relativamente maduro, numa indústria que precisa de responder aos custos da descarbonização e em que as transportadoras low cost já têm uma presença significativa”. Pelas suas contas, que usam a previsão da OCDE para o crescimento do PIB português a longo prazo, Lisboa chegaria a 55 milhões de passageiros por ano em 2050.
Montijo ou “elefantes brancos”
A solução defendida é a Base Aérea n.º 6, na margem direita do estuário do Tejo. “Há três questões principais. Lisboa precisa de mais capacidade? Acho que toda a gente concorda que a resposta é sim. Quando precisa dessa capacidade? Agora. Qual a forma mais rápida e mais eficiente em termos de custo-benefício? É o Montijo“, dispara Jason McGuinness.
A resposta da Ryanair à consulta pública cita um estudo da Ernst & Young (EY) que concluiu que a economia de Lisboa perde 3,5 mil milhões de euros em receitas do turismo por cada ano em que a capacidade aeroportuária continua esgotada devido à saturação do Humberto Delgado. Uma perda que será ainda maior caso a opção recaia na construção de um aeroporto novo de raiz nas restantes localizações — Alcochete, Vendas Novas ou Santarém (esta também rejeitada pela CTI) — podendo atingir os 38,5 mil milhões.
“É possível ter o aeroporto no Montijo a funcionar em dois ou três anos e com um custo entre os 500 milhões e os mil milhões de euros. As outras opções custarão mais de 10 mil milhões e demoram mais de 15 anos”, afirma o chief commercial officer da Ryanair. O relatório da CTI apontam para prazos mais curtos, a começar nos oito anos, para a entrada em funcionamento de uma primeira pista.
Os contribuintes vão ficar com um enorme elefante branco nas mãos. Vai custar demasiado dinheiro e ninguém vai querer usá-lo. A Ryanair não usará estes aeroportos.
O elevado custo leva mesmo Jason Mcguinness a afirmar que as alternativas ao Montijo “nunca serão construídas, porque não fazem sentido económico”. “Os contribuintes vão ficar com um enorme elefante branco nas mãos. Vai custar demasiado dinheiro e ninguém vai querer usá-lo. A Ryanair não usará estes aeroportos”, acrescenta.
O caso de Berlim
“Os grandes projetos de raiz, como os localizados fora de Lisboa, estão repletos de riscos e os prazos de execução são longos”, aponta a resposta à consulta pública, dando como exemplo o aeroporto de Berlim-Brandemburgo.
Segundo a Ryanair, o aeroporto abriu com nove anos de atraso, em 2020, e custou 6,6 mil milhões de euros, mais 240% do que tinha sido originalmente orçamentado. “O aeroporto está agora paralisado pela sua situação financeira, o que o torna pouco competitivo, com taxas aeroportuárias substancialmente superiores às dos seus concorrentes”, refere a resposta, acrescentando que as companhias aéreas o estão a abandonar. Desde 2019, Berlim perdeu 16 milhões de lugares anuais (-36%), 100 mil voos (-39%) e 35 rotas (-17%), contabiliza. “Estes são os resultados de uma estratégia de hub mal concebida e mal pensada”.
A resposta da companhia irlandesa à consulta pública considera ainda que a avaliação ambiental deu grande peso ao impacto do ruído e da operação da infraestrutura no Montijo, mas desvalorizou o provocado pela construção de uma pista de raiz nas restantes localizações. Defende também que o benefício económico do aeroporto do Montijo para o distrito de Setúbal não foi devidamente considerado.
Jason McGuinness lamenta que a Agência Portuguesa do Ambiente tenha chumbado a extensão da Declaração de Impacte Ambiental do projeto da ANA para o Montijo, que a concessionária contestou. “O que faz é tornar o processo mais demorado e quem perde é a economia portuguesa. Na nossa opinião não houve alteração de circunstâncias ambientais, apenas o ruído criado pelas múltiplas opções admitidas pela Comissão Técnica Independente”, diz o chief commercial officer.
O desenvolvimento do Montijo como aeroporto independente de descongestionamento oferece a possibilidade de introduzir uma verdadeira concorrência no mercado, com mais capacidade e, potencialmente, um operador diferente. Este elemento de concorrência só pode ser alcançado através de
um novo concurso para a concessão da exploração dos aeroportos.
Se a Ryanair e a ANA estão alinhadas na preferência pelo Montijo, a companhia irlandesa não deixa de ser muito crítica da concessionária. Na resposta à consulta pública defende que se aproveite a construção do novo aeroporto para introduzir concorrência: “O desenvolvimento do Montijo como aeroporto independente de descongestionamento oferece a possibilidade de introduzir uma verdadeira concorrência no mercado, com mais capacidade e, potencialmente, um operador diferente. Este elemento de concorrência só pode ser alcançado através de
um novo concurso para a concessão da exploração dos aeroportos”.
“É necessário um operador independente que tenha um foco além do interesse dos acionistas franceses. É um cenário bizarro que um concessionário francês decida a estratégia aeroportuária do país”, atira Jason McGuinness. “Vamos falar com o novo Governo quando for eleito, tal como falámos recentemente com o chefe do Governo espanhol”, garante.
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