Excedente dá margem ao Governo para furar teto de despesa imposto por Bruxelas
O regulamento final com as novas regras de disciplina orçamental europeias vai ser ratificado pelo Parlamento Europeu a 23 de abril e Portugal terá de entregar o plano de ajustamento em setembro.
O Governo de Luís Montenegro já vai ter de cumprir as novas regras de disciplina orçamental europeias, que determinam um teto para o crescimento da despesa primária, no plano de ajustamento a quatro ou sete anos que tem de enviar a Bruxelas até 20 de setembro. Mas vai ter uma benesse. O excedente de 0,3% do PIB que o Executivo estima para 2025, e que consta do Programa de Estabilidade, dá margem para furar aquele limite imposto pela Comissão Europeia sem qualquer sanção, pelo menos enquanto o país conseguir mantiver o saldo positivo ou próximo do equilíbrio orçamental.
Caso Portugal infrinja o limite para a taxa de variação anual da despesa primária líquida, que engloba o valor da despesa pública total, excluindo gastos com juros, custos extraordinários e relacionados com cofinanciamento de fundos europeus, não irá sofrer represália alguma, porque tem excedente orçamental, ou seja, está distante do teto para o défice de 3% do PIB, apurou o ECO junto do Parlamento Europeu. No entanto, se o saldo positivo se transformar em défice, entre 0,1 e 3%, mantendo-se o incumprimento daquele indicador, Bruxelas deverá abrir um relatório para analisar as razões do desvio, fazendo uma chamada de atenção ao Governo, ainda assim, sem qualquer tipo de castigo. Caso o défice ultrapasse o teto de 3% do PIB, então será aberto um procedimento por défice excessivo.
“Portugal está numa situação privilegiada, quando negociar com a Comissão Europeia o teto de despesa, porque tem superávite”, revelou ao ECO a eurodeputada socialista Margarida Marques, lembrando o excedente de 1,2% do PIB que o Governo herdou do anterior ministro das Finanças, Fernando medina. Ou seja, a equipa das Finanças de Joaquim Miranda Sarmento parte agora em vantagem, mas o que conta efetivamente é o saldo para 2025, que se mantém positivo, nos 0,3%.
A também correlatora para a revisão das regras de governação económicas salientou que o regulamento com as novas diretrizes comunitárias “vai ser ratificado pelo Parlamento Europeu já no próximo dia 23 à tarde, entrando em vigor em maio, depois de ser publicado no Jornal Oficial da União Europeia”. Recorde-se que, por causa da pandemia e da inflação, os tetos de 60% do PIB para a dívida pública e de 3% do PIB para o défice estão suspensos desde 2020, mas regressam agora com o novo regulamento comunitário.
Os 27 Estados-membros terão de continuar a respeitar os limites para a dívida e défice, mas de uma forma mais flexível. Ou seja, no novo Programa Nacional Orçamental Estrutural de Médio Prazo, que vai substituir o Programa de Estabilidade, a Comissão Europeia vai ter em conta sobretudo a trajetória do crescimento da despesa primária líquida. O teto para a evolução deste indicador será calculado tendo por base uma redução média anual da dívida pública.
Países com o rácio acima de 90% do PIB, como é o caso de Portugal (99,1%), ficam obrigados a reduzir o excesso de dívida em um ponto percentual (p.p.) por ano, durante a vigência do seu plano de quatro anos, que pode ser alargado para sete, se o Governo negociar com Bruxelas as reformas e os investimentos que se compromete a realizar. Estados-membros com dívida entre 60% e 90% terão de diminuir o rácio em 0,5 p.p., em média, por ano, de acordo com o regulamento.
Portugal está numa situação privilegiada, quando negociar com a Comissão Europeia o teto de despesa, porque tem superávite.
“No dia 21 de junho, a Comissão Europeia vai apresentar aos Estados-membros a estratégia de referência para a preparação dos planos de ajustamento nacionais, depois de ouvir aqueles que queiram ser ouvidos”, indicou Margarida Marques. Ou seja, daqui por dois meses, Bruxelas vai informar os países dos tetos para o aumento de despesa que devem respeitar.
Depois da fase de negociação, “os Estados-membros têm de apresentar o programa de ajustamento para quatro ou sete anos até 20 de setembro”, sublinhou a eurodeputada do PS.
“Portugal poderá prolongar o plano de ajustamento por mais três anos, isto é, para sete anos, caso o Governo faça investimentos especiais nas quatro prioridades da Comissão Europeia: transição climática, transição digital, defesa e pilar europeu dos direitos sociais“, esclarece Margarida Marques.
Depois de os Estados-membros submeterem o novo Programa Nacional Orçamental Estrutural de Médio Prazo, “a Comissão Europeia tem um mês e meio, no máximo dois, para aprovar”. Isto é, em novembro os documentos deverão ter luz verde de Bruxelas, sendo que as medidas de política, as metas orçamentais e o cenário macroeconómico do plano “terão de estar já refletidas na proposta do Orçamento do Estado para 2025”, acrescenta.
Programa de Estabilidade aponta para redução da despesa primária para 39,6% do PIB em 2028
Analisando o cenário macroeconómico que o Governo inscreveu no Programa de Estabilidade (PE) 2024-2028 e que terá de ser entregue à Comissão Europeia até ao final deste mês, verifica-se que o peso da despesa primária no PIB vai crescer 0,3 p.p., de 41,7% para 42% do PIB, de 2024 para 2025. Para 2026 e 2027, o Executivo de Montenegro estima agora uma descida da despesa para 41,9% e 39,4%, respetivamente, projetando-se depois uma subida para 39,6% do PIB, em 2028. Nos quatro anos da legislatura, o Governo indica que vai conseguir reduzir este indicador em 2,2 p.p..
Do lado da receita, os cofres públicos vão arrecadar menos dinheiro. De 2024 para 2025, o PE ainda prevê uma ligeira subida de 0,3 p.p., de 44,3% para 44,6% do PIB, mas depois a trajetória será descendente, com o indicador a recuar para 44,3%, em 2026, 42,4%, em 2027, e para 42,3%, em 2028. No conjunto dos quatro anos da legislatura, a receita vai baixar 2 p.p..
A partir do próximo ano, o novo plano de ajustamento terá de ser entregue até ao final de abril e vai substituir o Programa de Estabilidade. Transitoriamente, este ano, o Governo ainda teve de apresentar o PE, mas Bruxelas dará diminuta relevância ao plano, não exigindo detalhe nas medidas de política nem no cenário macro.
“A Comissão sinalizou aos Estados-membros que o cumprimento da entrega do Programa de Estabilidade em abril de 2024 seria apenas formal e sobretudo centrado no preenchimento, pelos Estados-membros, das tabelas anexas”, segundo o documento. “Perante isto, este Programa de Estabilidade é apresentado num cenário de políticas invariantes, isto é, com ausência de novas opções de política. Ou seja, as perspetivas macroeconómicas e orçamentais constantes deste documento não têm ainda em consideração as políticas económicas que o XXIV Governo virá a implementar”, lê-se no Programa de Estabilidade.
Fatura para o Estado pode chegar aos 9.740 milhões de euros
Se o Governo de Montenegro implementar as várias medidas que prometeu na campanha eleitoral, como o aumento do complemento solidário para idosos (CSI) ou o descongelamento faseado da carreira dos professores, dos cofres do Estado terão de sair 2.240 milhões de euros em despesa durante os próximos quatro anos.
Para além disso, é preciso acomodar outro tipo de despesa permanente como o aumento das pensões, das prestações sociais e dos salários da Função Pública.
“A aplicação das fórmulas legais de atualização de pensões e outras prestações exigirá mais de 1,5 mil milhões de euros em despesa em 2025; e os aumentos salariais vertidos no acordo de rendimentos exigirão também um valor superior a mil milhões de euros ao Orçamento. A estes montantes junta-se o efeito das renegociações de contratos de despesa nos vários níveis da Administração Pública decorrentes do aumento de inflação”, revelou o anterior ministro das Finanças, Fernando Medina, aquando da apresentação do saldo orçamental para 2023 de 1,2% do PIB.
Ou seja, só em pensões, subsídios e salários há já um custo estimado, para 2025, de 2,5 mil milhões de euros, que é quase 80% do excedente de 3,2 mil milhões de euros alcançado em 2023.
Depois é preciso contabilizar medidas que possam encolher a receita. O programa eleitoral da AD inscreve menos cinco mil milhões de euros na arrecadação de impostos, ao longo dos próximos quatro anos, com vista a redução de IRS, IRC, do IVA para 6% para a construção e eliminação do IMT e do Imposto de Selo na compra da primeira habitação própria e permanente para jovens até aos 35 anos que não pertençam ao último escalão de IRS, isto é, que não aufiram mais de 81.199 euros por ano ou 5.799,9 euros mensais.
Somando tudo, entre despesa permanente, novas medidas e redução de impostos, a fatura para o Estado pode chegar aos 9.740 milhões de euros, dos quais 2,5 mil milhões, relativos a salários e pensões, terão um impacto numa base anual e os restantes 7.240 milhões serão repartidos ao longo da legislatura, até 2028.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Excedente dá margem ao Governo para furar teto de despesa imposto por Bruxelas
{{ noCommentsLabel }}