Trabalhadores abrangidos por despedimentos coletivos duplicam no arranque do ano

Mais de milhar e meio de trabalhadores foram abrangidos por despedimentos coletivos até março, quase o dobro do registado no trimestre homólogo de 2023. Abrandamento da economia ajuda a explicar.

O número de trabalhadores abrangidos por despedimentos coletivos até ao final de março aumentou quase 98% face ao registado há um ano. Em causa estão mais de milhar e meio de pessoas, de acordo com os dados mais recentes. No total, nos primeiros três meses do ano, foram comunicados 125 processos de despedimentos coletivos.

Segundo os números da Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho, só em março foram comunicados 35 processos de despedimento coletivo, mais do que há um ano (um aumento de três processos) e do que há dois anos (uma subida de dez processos). Ou seja, é preciso recuar até 2021 para encontrar um mês de março com um número semelhante de processos comunicados.

Já considerando a totalidade do primeiro trimestre, é de notar que deram entrada 125 processos de despedimento coletivo, mais 22 do que no primeiro trimestre do ano passado, o equivalente a um aumento de 21,4%, de acordo com as contas do ECO.

É preciso recuar a 2015 para encontrar um primeiro trimestre com um número mais elevado de despedimentos coletivos.

Há nove anos que primeiro trimestre não trazia tantos despedimentos coletivos

Fonte: DGERT

Desse total, 58 dizem respeito a pequenas empresas, 33 a microempresas, 21 a médias empresas e 13 a grandes empresas, detalham os dados conhecidos recentemente. Ademais, do total de despedimentos coletivos comunicados, mais de metade são relativos a Lisboa e Vale do Tejo (68 dos tais 125).

Tendo por base estes processos, o número de trabalhadores a despedir totalizou 1.549 nos primeiros três meses de 2024. Em comparação, no primeiro trimestre de 2023, 784 tinham estado nessa situação.

Número de trabalhadores a despedir agravou-se

Fonte: DGERT

Contas feitas, está em causa um aumento homólogo de cerca de 98%, ou seja, o número de trabalhadores a despedir, no âmbito de processos de despedimento coletivo, quase duplicou no arranque deste ano. E também em cadeia houve uma subida, ainda que mais ligeira: neste caso, o avanço foi de cerca de 28%, de 1.213 trabalhadores a despedir para os tais 1.549.

É de referir que, desse total, 1.396 já foram efetivamente despedidos, de acordo com a DGERT. Os dados disponíveis, para já, não permitem perceber em que setores houve maior incidência de despedimentos nos primeiros três meses do ano. Mas, olhando só para março, o comércio e a indústria transformadora destacam-se.

Também considerando apenas março é possível verificar que uma parte relevante dos despedimentos teve como causa o encerramento de uma ou várias secções da empresa (44%), seguindo-se a redução de pessoal (29%) e o encerramento definitivo (18%). Já a insolvência foi responsável “somente” por 9% dos trabalhadores efetivamente despedidos.

Nem todos os setores estão a enfrentar da mesma forma o momento atual

Apesar de a taxa de desemprego estar, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), relativamente estável há vários meses, nem todos os setores do mercado de trabalho têm vivido os últimos tempos da mesma forma.

Os economistas ouvidos pelo ECO apontam o abrandamento da atividade económica em Portugal e na União Europeia como uma das justificações possíveis para esta evolução dos despedimentos coletivos. Outra poderá ser, indicam, a política monetária do Banco Central Europeu (BCE), que tem vindo a contribuir para uma diminuição do consumo e do investimento privado.

Além disso, já no final de janeiro, o professor João Cerejeira, da Universidade do Minho, alertava ao ECO para o abrandamento das exportações de alguns setores (nomeadamente na indústria transformadora) como uma das potenciais razões para o agravamento dos despedimentos coletivos que já se começava a sentir.

Para já, os economistas têm mantido que não há razões para alarme quanto ao mercado de trabalho, uma vez que se espera que a economia reanime nos próximos meses, o que deverá dar um novo gás ao mercado laboral.

Convém explicar que o trabalhador que seja abrangido por um processo de despedimento coletivo tem direito a uma compensação que é equivalente a 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.

No entanto, na primavera do ano passado, entraram em vigor alterações ao Código do Trabalho que elevaram para 14 dias essas compensações, ainda que com efeitos apenas a partir de 1 de maio.

Por outro lado, a nova legislação dita que as empresas que efetuaram despedimentos coletivos ficam impedidas de recorrer a contratação externa (outsourcing) durante 12 meses para satisfazer necessidades que eram asseguradas pelos trabalhadores despedidos.

Ora, as confederações patronais consideram que essa medida viola a Constituição e a Provedora de Justiça também reconhece esse risco, pelo que pediu aos juízes do Palácio Ratton que a avaliem. O pedido foi feito em outubro e até agora não houve uma decisão. Conforme escreveu o ECO, o Tribunal Constitucional não tem prazo para a tomar.

Entretanto, o novo Governo já mostrou abertura para “revisitar” as mudanças que foram feitas no ano passado à lei do trabalho e os empresários querem que essa seja uma das normas a debater, segundo adiantou ao ECO o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), João Vieira Lopes, em entrevista em meados de abril

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