Concurso da rede elétrica que chega às casas está “sob tensão”
As opiniões sobre os moldes em que o concurso para a rede de baixa tensão – a que chega às casas – se irá realizar dividem-se, mas as críticas são uma constante.
O anterior Governo lançou as bases para um concurso que abre a porta a novos operadores que queiram gerir a rede nacional de baixa tensão, aquela que leva a eletricidade às casas. As bases já lançadas são criticadas, tanto pelo atual gestor da rede como por especialistas, e as opiniões sobre o caminho a seguir divergem.
O território português está ligado por quase 150 mil quilómetros de rede de baixa tensão. A rede elétrica nacional, que ainda conta 85 mil quilómetros de rede de alta tensão, é tão densa que, se se quisesse representar num mapa “numa escala razoável”, ver-se-ia uma mancha contínua, ilustra a E-Redes. A rede está dividida em 278 concessões, uma por cada concelho de Portugal continental, mas estão todas na mão do mesmo operador, a E-Redes (antiga EDP Distribuição). Algo que pode alterar-se em breve com o concurso.
O CEO do grupo EDP, Miguel Stilwell, do qual faz parte a E-Redes, já veio criticar os termos que foram avançados, considerando que não permitem que a atividade de distribuição seja viável economicamente. “Não percebemos como é que o modelo que está em cima da mesa possa ser atrativo para as empresas”, afirmou, em entrevista ao Jornal de Negócios.
De acordo com a E-Redes, “o modelo de concurso proposto parece incongruente” já que prevê custos extra que não poderão ser recuperados pelo operador. Atualmente, o regulador calcula quanto deve cobrar aos consumidores na fatura da luz (os chamados “proveitos permitidos”) para, por um lado, remunerar os municípios (as “rendas de concessão”) e, por outro lado, remunerar o operador da rede (a “atividade de distribuição”). Esta última parcela destina-se a cobrir custos operacionais, custos de investimento e a remuneração do capital investido.
"“O Governo está a analisar esta questão e a acompanhar em proximidade o processo juntamente com os intervenientes, de forma a que, no que dependa de si, sejam cumpridos os prazos.”
As rendas de concessão têm-se mantido relativamente estáveis, entregando uma média de 260 milhões de euros anualmente, desde 2013. Já o custo com a atividade de distribuição tem vindo a diminuir – uma quebra de 25% nos últimos dez anos – “refletindo os ganhos de eficiência alcançados pela E-Redes nesse período, que em grande medida resultam da possibilidade de exploração integrada das diversas concessões, com benefício para a sustentabilidade das tarifas e os consumidores de eletricidade”, defende a empresa. Um concurso envolvendo só a rede de baixa tensão “não faz sentido nem técnico nem de gestão”, defende António Vidigal, consultor da área de Energia e antigo líder da EDP Inovação.
Por seu lado, Nuno Ribeiro da Silva, consultor na mesma área e ex-CEO da Endesa Portugal, acredita que a divisão por zonas faria sentido, diminuindo o risco para novos operadores. Sugere a divisão em “três ou quatro” blocos. O mesmo observa que um concurso global é “muito limitativo”, porque “a E-Redes tem uma vantagem comparativa enorme, por ter sido desde sempre o responsável”.
“É evidente que a E-Redes vai continuar a ser o grande player ou mesmo o único”, vaticina Ribeiro da Silva, mas partilha a visão de que seria importante que houvesse uma zona, mesmo que menos populosa, que pudesse ser operada por um novo ator, de forma a criar alguma dinâmica e termo de comparação no futuro. Tendo em conta os novos desafios que as redes irão atravessar, considera benéfico ter mais operadores a colmatá-los.
O modelo previsto para o concurso indica que será valorizado o pagamento de uma renda anual pelo concessionário aos municípios, somado às rendas de concessão já hoje pagas. A cargo do operador fica ainda a apresentação de um plano estratégico. Este distingue-se do plano de investimentos pois não está focado na expansão e reforço da rede, mas sim em dar novas capacidades à mesma, como, por exemplo, a recolha de dados que alimentem as cidades inteligentes, ou a integração de carregamento de veículos elétricos e produção renovável. Nem os custos com a renda extra aos municípios nem o plano estratégico vão ser reembolsados aos operadores através da rubrica “atividade de distribuição”, pelo que “o operador de rede não tem meio de recuperar [estes pagamentos] através das suas receitas reguladas”, aponta a E-Redes.
No final de 2023, o contrato de concessão de 268 das 278 concessões de baixa tensão já havia expirado, sendo que os restantes contratos terminam entre 2026 e 2027.
António Vidigal sublinha que “as autarquias já recebem cerca de 300 milhões de euros anuais pelas concessões, o que não acontece em Espanha”. O consultor critica também a porta aberta às elétricas espanholas, uma vez que os operadores espanhóis têm concessões vitalícias, logo as empresas portuguesas não podem competir no país vizinho.
Filipe de Vasconcelos Fernandes, especialista em Economia e Fiscalidade da Energia, vê como vantagem a introdução da figura do plano estratégico, mas põe do lado das desvantagens “o modelo de equilíbrio económico-financeiro, em especial ao nível das obrigações de investimento do concessionário, que são relativamente elevadas”. Ribeiro da Silva, por seu turno, considera que o modelo atual “muito dificilmente vai encontrar interesse por parte de potenciais candidatos”.
No final de 2023, o contrato de concessão de 268 das 278 concessões de baixa tensão já havia expirado, sendo que os restantes contratos terminam entre 2026 e 2027. Todos têm a duração de 20 anos, mas foram assinados em momentos diferentes. Contudo, “tendo em conta a necessidade de garantir a continuidade da atividade e do serviço prestado aos clientes”, estes contratos encontram-se prorrogados até à entrada em operação do vencedor do futuro concurso.
“O Governo está a analisar esta questão e a acompanhar em proximidade o processo juntamente com os intervenientes, de forma a que, no que dependa de si, sejam cumpridos os prazos”, indica fonte oficial do ministério do Ambiente. Junho do próximo ano está marcado como o mês limite para o lançamento dos concursos.
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