Macron pisca olho a republicanos próximos de Le Pen para evitar vitória da extrema-direita

Macron apelou a uma aliança democrática-republicana contra a extrema-direita, com o apoio da esquerda, na segunda volta, mas proximidade de Ciotte a Le Pen poderá ser entrave.

Foi um tiro que saiu pela culatra para Emmanuel Macron que sentiu a necessidade de “clarificar” os resultados das eleições europeias, há três semanas. Depois de uma derrota amarga e dolorosa, no domingo, o presidente francês, que está a poucos dias da segunda volta das eleições legislativas em França, está igualmente entre a espada e a parede, obrigado a fazer uma escolha difícil: retirar os seus candidatos para tentar travar a extrema-direita de Marine Le Pen ou tentar salvar o que resta do seu movimento liberal (outrora dominante).

Apesar de a jogada não ter corrido bem para Macron, clarificou, efetivamente, uma tendência que já se tinha verificado no dia 9 de junho. A extrema-direita está em ascensão também em França. O Rassemblement National (RN) de Marine Le Pen voltou a ser o partido de eleição para os franceses. No domingo passado, o RN teve um resultado histórico face há dois anos: conseguiu 34% dos votos juntamente com os seus aliados, superando os socialistas, a esquerda radical e os ecologistas que se uniram sob o nome de Frente Popular (28%) e (mais surpreendentemente) a Renascença liberal de Macron que acumulou apenas 20,3% dos votos. Foram as eleições mais participadas desde 1997.

Os resultados colocam o partido de Le Pen muito próximo da maioria absoluta – a única condição sobre a qual Jordan Bardella governaria caso fosse eleito primeiro-ministro pelo partido. De acordo com o instituto Ipsos, num parlamento composto por 577 círculos uninominais, o partido de Le Pen poderá obter entre 230 e 280 deputados. A esquerda ficaria com 125-165, os liberais de Macron com 70-100 lugares, e os republicanos (direita tradicional) com 41-61. Para o controlo da câmara são necessários 289 deputados.

Se [o RN] conseguir 289 votos, a política em França vai ser uma e se não atingirem esse número a política vai ser outra, e a diferença entre um cenário e outro vai ser radical“, alerta Paulo Sande, sublinhando que muitas propostas eleitorais do RN irão por à prova a constituição francesa.

As sondagens admitem que tal cenário pode vir a concretizar-se no próximo domingo, dia 7 de julho, em favor do RN, e portanto os restantes partidos serão obrigados a mexer nas peças do jogo. Afinal de contas, em França, as eleições disputam-se em duas rondas: caso um candidato não obtenha maioria absoluta num círculo eleitoral, passa à segunda volta não apenas contra o segundo mais votado, mas contra cada candidato daquele círculo que tenha obtido mais de 12,5% dos votos.

Por estas eleições terem sido das mais participadas, registou-se uma fragmentação do voto: em vários círculos eleitorais franceses são várias as situações em que se assiste a uma “triangulação” de candidatos, ou seja, existe um número sem precedentes de círculos eleitorais em que três candidatos irão à segunda volta. Segundo as primeiras estimativas, isto deverá suceder-se entre 285 a 315 círculos eleitorais. Em 2022, esta situação verificou-se em apenas oito.

A situação deixa os liberais e a esquerda num dilema: devem ser concentrados esforços e retirar os candidatos com menos hipóteses nos círculos em que o RN pode vencer, para impedir uma vitória da extrema-direita? Os candidatos qualificados para a segunda volta têm até esta terça-feira à noite, 2 de julho, para decidir se abandonam a corrida ou se continuam, e muitos já olham para os republicanos como um possível aliado para a vitória contra a extrema-direita. Os Les Républicains (LR) conseguiram 6,57% na primeira volta, tendo conseguindo eleger pelo menos um deputado.

É um dilema que será respondido ao longo da semana. Os apelos têm sido variados. Do lado dos liberais, o presidente francês defendeu uma “aliança ampla, claramente democrática e republicana” contra o partido de Marine Le Pen, enquanto o primeiro-ministro “macronista” argumentou que o objetivo dos liberais é “claro: impedir que o RN obtenha a maioria absoluta e governe o país com o projeto desastroso que tem em mente“.

Nem um único voto deve ir para o RN, é nosso dever moral evitar que o pior aconteça“, pediu Gabriel Attal, este domingo.

O primeiro-ministro em funções Gabriel Attal.EPA/LUDOVIC MARIN / POOL MAXPPP OUT

Já Jean-Luc Mélenchon, figura emblemática da esquerda em França e chefe da Frente Popular, anunciou a retirada de todos os candidatos da coligação de esquerda que tenham ficado em terceiro lugar, atrás do RN e de um partido do campo democrático: “As nossas instruções são claras: nem mais um voto para o RN”, anunciou no domingo.

Mas nenhum ainda deu instruções claras ao seu eleitorado como prosseguir no próximo domingo. Os republicanos, por seu turno, foram rápidos a declarar que não dariam orientação de voto para a segunda volta e que manteriam a abordagem “nem um nem outro”.

“Convidamos solenemente todos aqueles que se recusam a ficar reféns de uma escolha forçada a votar nos candidatos de Les Républicains na segunda volta. Quando não estamos presentes na segunda volta, considerando que os eleitores são livres de fazer as suas próprias escolhas, não damos qualquer instrução nacional e deixamos ao povo francês a possibilidade de exprimir a sua consciência”, comunicou o partido liderado por Éric Ciotti.

Ainda assim, tanto a extrema-direita como a esquerda e os liberais tentarão a sua sorte, ainda que a proximidade entre o líder republicano e Marine Le Pen seja já conhecida.

Antes das eleições, Ciotti chegou mesmo a admitir que se aliaria ao RN para as legislativas, notícia que caiu como uma bomba dentro do próprio partido. No mesmo dia, os republicanos anunciaram a expulsão de Ciotti, mas duas semanas mais tarde a decisão foi anulada, não tendo sido, porém, esquecida.

O líder do partido da oposição de direita Les Republicains (LR), Eric Ciotti e Marine Le Pen participam na conferência de imprensa do partido de extrema-direita francês Rassemblement National (RN, Frente Nacional) antes das eleições legislativas, Paris, França, 24 de junho de 2024. EPA/MOHAMMED BADRA

“Vamos ver como os eleitores vão reagir a isto”, diz ainda Paulo Sande, alertando que Jean-Luc Mélenchon, líder da Frente Popular que junta os partidos de esquerda, é uma “figura que desencoraja muita gente” no momento de votar.

Caso a extrema-direita saia derrotada no próximo domingo, Macron poderá respirar de alívio… mas não por muito tempo. Os problemas serão outros, e virão mais tarde.

“Não estou a ver um Governo formado pelo partido de Macron, com a esquerda e com os republicanos. Seria completamente impossível, ingovernável. E se Bardella aceitar governar com uma maioria simples, quando as coisas se complicarem vai fazer um jogo de vitimização. E [neste cenário] Macron estará numa situação de coabitação difícil“, diz Pedro Sande.

Não se espera uma mudança dos vencedores da primeira para a segunda volta. Pelo menos, historicamente, nunca foi esse o caso. Mas em sentido contrário, nunca antes um partido (muito menos de extrema-direita) conseguiu tantos votos numa primeira ronda. A taxa de participação na primeira volta das eleições francesas foi de 67% na França continental, segundo o Ministério do Interior. Trata-se de uma progressão histórica da afluência às urnas.

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