Da América até Angola, onde aparece o escritório de Lisboa no caso do BCG?

A BCG admitiu um pagamento de milhões de euros em subornos através de escritório em Lisboa para negócios em Angola. Mas afinal o que está em causa neste caso e o que foi acordado com a justiça?

Quase 13 milhões de euros foi quanto a Boston Consulting Group (BCG) pagou à justiça norte-americana para arquivar uma investigação de subornos que passaram pelo escritório de Lisboa da consultora. Um acordo que foi revelado esta semana e que envolve milhões de euros. Mas afinal o que aconteceu? Vamos por partes.

Segundo explica o Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América (EUA), o processo começou com uma denúncia da própria consultora. Corria o ano de 2014, quando a BCG detetou um email interno suspeito de violar as regras do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) – em português, Lei sobre Práticas de Corrupção no Estrangeiro. Assim foi aberta uma investigação.

Várias foram as provas encontradas pelas autoridades norte-americanas que indicavam atos ilícitos. “A investigação do Governo encontrou provas de que, desde 2011 ou por volta dessa data até 2017, a BCG, através do seu escritório em Lisboa, Portugal, pagou ao seu agente em Angola o equivalente a aproximadamente 4,3 milhões de dólares [cerca de 3,9 milhões de euros] em comissões para ajudar o BCG a obter negócios com agências do Governo Angolano, em particular, o Ministério da Economia de Angola e o Banco Nacional de Angola”, lê-se na nota divulgada.

Ou seja, o escritório de Lisboa da BCG foi a “luva” dos subornos que levaram este caso à justiça norte-americana. Uma coisa é certa, as autoridades estão convictas de que alguns funcionários do escritório em Portugal tinham conhecimento de que o “agente tinha laços estreitos com funcionários do Governo angolano e membros do partido político no poder” na altura.

O agente da BCG enviou parte das comissões em moeda angolana aos funcionários do governo angolano associados ao Ministério da Economia de Angola,

Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América

Mas em que consistiam esses subornos? As autoridades dos EUA explicam que a BCG concordou em pagar ao agente 20% a 35% do valor de “quaisquer contratos públicos adjudicados” pelo governo e “enviou os fundos para três entidades offshore diferentes do agente”. “O agente da BCG enviou parte das comissões em moeda angolana aos funcionários do governo angolano associados ao Ministério da Economia de Angola”, lê-se. A identidade desse “agente” nunca é identificada pelas partes.

“Alguns funcionários da BCG em Portugal tomaram medidas para ocultar a natureza do trabalho do agente para a BCG quando surgiram questões internas, incluindo alterar datas de contratos e a falsificação do alegado produto do trabalho do agente”, referem.

No total, foram angariados pelo “agente” 11 contratos com o Ministério da Economia de Angola, na altura liderado por Abrahão Gourgel, e um com o Banco Nacional de Angola, que teve três diferentes governadores nesse período – José Lima Massano, José Pedro de Morais e Walter Filipe. O que garantiu à BCG uma faturação de 22,5 milhões de dólares, cerca de 20,2 milhões de euros, com lucros de 14,4 milhões de dólares, quase 13 milhões de euros.

Acordo de quase 13 milhões de euros

A investigação já dura há vários anos, mas só esta semana foi divulgado o ponto final, pelo menos em território americano. A justiça norte-americana e a BCG chegaram a um acordo: “Chegámos a esta conclusão apesar das provas de suborno cometido por funcionários ou agentes da empresa“, refere o Departamento de Justiça na nota divulgada. Mas que conclusão foi essa?

A consultora multinacional, presente em mais de 50 países e com mais de 32 mil trabalhadores, aceitou pagar 14,4 milhões de dólares, quase 13 milhões de euros. Este valor corresponde ao lucro estimado que a consultora teve com os subornos no mercado angolano.

Assim, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos não acusa a BCG pelas práticas de corrupção em Angola, entre 2011 e 2017. A razão, segundo a justiça norte-americana, prende-se com a “cooperação” da consultora e às medidas entretanto tomadas pela mesma.

As medidas a que se referem foi a posição da consultora assim que soube do sucedido. A BCG garante ter afastado os sócios envolvidos, com cortes no bónus e sem prémio de saída, e encerrado o escritório em Luanda. A consultora reforçou ainda os mecanismos de controlo interno.

“A auto-revelação voluntária e atempada da BCG da má conduta, que ocorreu depois de a BCG ter descoberto provas, sob a forma de um email de 2014, de uma potencial violação da FCPA e a cooperação total e proativa da BCG nesta matéria, incluindo o fornecimento de todos os factos relevantes conhecidos sobre a má conduta, incluindo sobre os indivíduos envolvidos”, foram algumas das justificações do acordo apresentadas pela justiça norte-americana.

A BCG teve durante vários anos um escritório em Luanda, que era liderado pelo Alexandre Gorito. Este sócio, segundo refere o Expresso, foi incumbido da supervisão do projeto Solange, onde a BCG prestou serviços à Wise Intelligent Solutions, empresa de Malta controlada por Isabel dos Santos, para desenhar a reestruturação da petrolífera Sonangol. Mas quando “explodiu” o Luanda Leaks, a consultora garantiu o fim das relações com Isabel dos Santos e o marido, Sindika Dokolo.

O ECO/Advocatus já questionou o Ministério Público se vai abrir uma investigação ao sucedido. Mas até ao momento não teve resposta.

Veja aqui o documento do acordo:

 

Da TAP ao Banco de Portugal

A BCG em Portugal tem 76 funcionários e em 2023 faturou 23,3 milhões de euros, revelam dados do relatório da Informa D&B avançados pelo Expresso. Cerca de 81% da faturação anual da BCG Portugal vem do mercado nacional e 19% de fora da União Europeia.

A BCG teve um papel na comissão parlamentar de inquérito sobre as rendas da energia em Portugal, entre junho de 2018 e maio de 2019. A sua participação deveu-se ao assunto das “portas giratórias” entre o Estado e o setor privado, uma vez que entre 2007 e 2008 cedeu um consultor, João Conceição, ao gabinete de Manuel Pinho, na altura ministro da Economia, ao mesmo tempo que tinha trabalhos na EDP.

A consultora teve também envolvida na realização do relatório que avaliou a supervisão feita por Carlos Costa, antigo governador do Banco de Portugal, ao Banco Espírito Santo (BES), mas não só. A BCG trabalhou ainda com a TAP, tendo recebido, segundo o Expresso, dezenas de milhões de euros pela prestação de consultoria à companhia aérea, de acordo com a comissão parlamentar de inquérito sobre a companhia aérea portuguesa.

Várias são as empresas do setor público que ao longo dos anos têm contratado os serviços da BCG. Segundo revela o Expresso, há 20 contratos desde 2008 e, ao todo, o preço dos contratos assinados ascende aos 3,5 milhões de euros.

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