Feira têxtil volta à Exponor sem Serrão e com “headhunter” árabe
Associação empresarial junta-se à Spormex para assegurar continuidade do Modtíssimo, que era organizado por Manuel Serrão. Esperados 3.000 compradores, incluindo árabes “à caça” de fornecedores.
Meio ano depois de rebentar o escândalo relacionado com um alegado esquema de fraude de 40 milhões na obtenção de fundos europeus, que tem o “feirante” têxtil Manuel Serrão como o “principal mentor”, segundo o Ministério Público, o Modtíssimo, considerado o único salão internacional português da fileira têxtil e o mais antigo da Península Ibérica, que era promovido pela Associação Selectiva Moda (ASM) liderada pelo empresário do Porto, está de regresso à Exponor. A organização está agora a cargo da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), em conjunto com a Spormex.
“Apesar de alguns constrangimentos, o objetivo para esta edição sempre foi tentar manter a feira nos mesmos moldes das edições anteriores. O momento, conjunturalmente, é desafiante, mas acreditamos no valor desta feira e no seu potencial, sendo que queremos fazê-la crescer para que se torne uma referência europeia para as marcas que procuram produção sustentável”, refere ao ECO a diretora-geral da ATP, Ana Paula Dinis.
Segundo a porta-voz da associação empresarial sediada em Vila Nova de Famalicão, que em abril já tinha assumido o jornal que era dirigido por Serrão, a 64ª edição do Modtissimo, que arranca esta quinta-feira em Matosinhos, conta com “cerca de 150 coleções em exposição, número semelhante à edição” de setembro de 2023. Este evento de dois dias, que tem também uma edição em fevereiro de cada ano, ocupa 7.000 metros quadrados no Hall 5 da Exponor e junta toda a fileira têxtil nacional, desde produtores de fio a confecionadores de vestuário.
Apesar de alguns constrangimentos, o objetivo para esta edição sempre foi tentar manter a feira nos mesmos moldes das edições anteriores. O momento, conjunturalmente, é desafiante, mas acreditamos no valor desta feira e no seu potencial.
Na véspera do arranque, Ana Paula Dinis contabilizou que “embora não sendo obrigatório o registo prévio, [estão] registados cerca de 3.000 visitantes”, que por se tratar de uma feira profissional são “potenciais compradores”. Um número que ainda “poderá crescer” durante o evento, que nas últimas três décadas recebeu 280 mil visitantes e acolheu 10.195 expositores. Faria da Costa, Consifex, José Magalhães & Filhos, Círculo e Viemil são algumas das estreias nesta edição. A primeira sem Manuel Serrão, entretanto constituído arguido na Operação Maestro, que tem uma rede de “implicados” que vai da moda aos fundos europeus.
A Operação Maestro, que a Polícia Judiciária disse envolver “fortes suspeitas da prática dos crimes de fraude na obtenção de subsídio, fraude fiscal qualificada, branqueamento e abuso de poder”, paralisou a atividade da ASM e, por outro lado, deixou as empresas do setor têxtil português sem apoios para a participação em feiras e campanhas de promoção internacional. Uma situação que está a trazer prejuízos financeiros “gravíssimos” e que pode tirar centenas de milhões de euros às exportações do setor, como alertou ao ECO o presidente da ATP, Mário Jorge Machado.
No entanto, as empresas que integraram as missões promovidas pela ASM, que estão a ser alvo de investigação, não terão de devolver os apoios recebidos, mesmo que se venha a ser confirmada fraude na sua utilização. “As despesas apresentadas nos projetos constituem despesas indivisíveis (da própria ASM) e distribuíveis (suportadas pela própria associação, cujos custos são repartidos pelas empresas). Neste contexto, a recuperação das verbas será efetuada junto da entidade promotora, não das PME, por via das propostas de rescisão em curso”, explicou ao ECO fonte oficial do Compete.
Árabes “à caça” de fornecedores portugueses
No que toca aos compradores, a principal novidade na edição deste ano é a participação da MAAB Consulting, com quem a ATP assinou recentemente uma parceria para promover e potenciar oportunidades de negócio para a indústria portuguesa do têxtil e vestuário nos mercados árabes. Chegou a ser equacionada a vinda de uma delegação, adiada para 2025, mas a consultora vai participar no Modtíssimo em representação desses empresários na busca de empresas de confeção e de matérias-primas.
“Representaremos dezenas de empresas e grupos árabes do setor que nos consultam diariamente para adquirir novos parceiros europeus com o propósito de expandir os seus portefólios. Em especial num período em que passam a ter a capacidade de incluir designs mais inovadores e de grande qualidade. A partir dessas necessidades, vamos recolher informações detalhadas sobre as empresas portuguesas e os seus produtos, para garantir que correspondem às exigências específicas que nos são pedidas, à semelhança de headhunters”, explica Isabela Bastos.
Vamos recolher informações detalhadas sobre as empresas portuguesas e dos seus produtos, para garantir que correspondem às exigências específicas que nos são pedidas, à semelhança de headhunters.
Em declarações ao ECO, a account manager da MAAB Consulting refere que os principais interessados têm origem nos países do Golfo Pérsico, especialmente da Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Qatar, Kuwait e Omã. Uma região em que estão a surgir marcas de vestuário premium que “reconhecem o valor agregado do produto têxtil português”. Já no Norte da África, onde há uma indústria de confeção mais madura, completa, também há “oportunidades para fornecedores de matérias-primas, à medida que aumenta a valorização de produtos de alta qualidade e eco-friendly”.
“O interesse deles na indústria têxtil portuguesa é sustentado por vários fatores. Primeiro, o reconhecimento do elevado nível de inovação e tecnologia aplicada na produção têxtil em Portugal, algo que lhes oferece soluções competitivas e de alta qualidade. Em segundo lugar, a capacidade das empresas portuguesas de aliar essa inovação a um profundo conhecimento do setor do luxo, com uma atenção rigorosa ao detalhe e à sustentabilidade, o que vai ao encontro das preferências de muitos consumidores árabes, que valorizam produtos de excelência. Por fim, a flexibilidade e capacidade de resposta das empresas portuguesas são também cruciais, especialmente num mercado tão exigente e em constante evolução como o árabe”, resume.
Isabela Bastos, que vai estar estes dois dias na Exponor acompanhada do diretor da MAAB, Pedro Garcia, identifica igualmente um “interesse particular por parte de diretores criativos de marcas de vestuário, frequentemente acompanhados pelos seus diretores de procurement / sourcing”. “São marcas que estão a crescer e com isso começam a ter a capacidade de contratar fornecedores que lhes garantam mais qualidade, modelagens mais inovadoras, certificações de sustentabilidade, e que tenham o know-how para apoiá-los a ultrapassar os limites que encontram na concretização das suas ideias”, ilustra a consultora.
Também a Advantage Austria, câmara de comércio federal austríaca para a promoção comercial, confirmou esta semana a presença na abertura da feira, através de Günther Schabhüttl. O novo conselheiro comercial vai reunir-se com a ATP para “estreitar laços entre as duas entidades e ver a possibilidade de colaborações futuras”, aponta a associação empresarial. Para sexta-feira, o segundo e último dia da feira, está prevista a visita do secretário de Estado da Economia, João Rui Ferreira, às empresas expositoras.
“Palco” à formação, sustentabilidade e tendências
Considerado o principal ponto de encontro do ecossistema têxtil português, o Modtíssimo servirá também de palco a várias iniciativas paralelas, como um fórum de tendências com curadoria da unidade de moda e design do centro tecnológico do setor (CITEVE). No campo da sustentabilidade, além do desafio lançado pela organização para os expositores partilharem dados relativos ao Passaporte Digital de Produto, imposto pela legislação europeia, o iTechStyle Green Circle será a principal montra das criações das empresas que estão a inovar ao nível dos materiais, dos acabamentos e dos processos industriais.
Num evento em que o centro de formação profissional do setor (Modatex) vai divulgar a nova oferta formativa orientada para as empresas, a organização vai aproveitar para divulgar “projetos mobilizadores” como o Be@t (Bioeconomia na Têxtil), o Texpact (Pacto de Inovação para a Digitalização do Têxtil e Vestuário), o Giatex (Gestão Inteligente da Água na Indústria Têxtil e Vestuário), o RDC (Roteiro para a Descarbonização da Indústria Têxtil e do Vestuário) e o Digi4Fashion (Disseminação e Adoção de Tecnologias Digitais Avançadas).
Com origem num consórcio liderado pelo Conselho Provincial de Cáceres (Espanha) e que conta com a participação portuguesa da ATP, do CITEVE, da Modatex e das câmaras municipais da Covilhã e do Fundão, vai ser também promovido o projeto “Resotex: Repensar o Setor Têxtil e a Moda Sustentável”, que visa disseminar o empreendedorismo e a diversificação económica em territórios transfronteiriços através da promoção do setor têxtil e do vestuário, com foco na sustentabilidade e na economia circular.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Feira têxtil volta à Exponor sem Serrão e com “headhunter” árabe
{{ noCommentsLabel }}