Exclusivo Defesa de Salgado invoca caso de ex-banqueiro alemão para impedir julgamento

Em 24 de Junho de 2024, o tribunal alemão considerou que o ex-banqueiro de 82 anos, Christian Olearius, não podia ser sujeito a um julgamento penal, em razão do seu débil estado de saúde.

Do ponto de vista técnico-jurídico, alguém na posição de Ricardo Salgado, ex-homem forte do BES, é considerado “unfit to stand trial”. Ou seja: não se encontra em condições de ser sujeito a julgamento. Esta é a posição da defesa do arguido que enfrenta, a 15 de outubro, a primeira sessão de julgamento do processo BES. Ricardo Salgado está acusado de 65 crimes, entre os quais associação criminosa, corrupção ativa, falsificação de documento, burla qualificada e branqueamento.

Na contestação – a que o ECO/Advocatus teve acesso – enviada pelos advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squillace ao tribunal, é referido o exemplo de um dos casos judiciais mais mediáticos da Alemanha, conhecido como o processo Cum-Exem, que o ex-banqueiro Christian Olearius, ex-Presidente e CEO do banco alemão M.M. Warburg com 82 anos, foi acusado no maior caso de suposta fraude fiscal perante a Justiça alemã de cerca de 280 milhões de euros.

“Em 24 de Junho de 2024, o tribunal alemão considerou que o arguido Christian Olearius não podia ser sujeito a um julgamento penal, em razão do seu débil estado de saúde. E, acrescente-se, esta decisão foi proferida pelo Tribunal de Bona não apenas na sequência de um requerimento da defesa nesse processo (conhecido como o processo “Cum-Ex”), mas também na sequência de uma promoção do próprio Ministério Público no sentido da decisão judicial que veio a ser proferida”, pode ler-se no documento de quase 900 páginas.

“Note-se que esta decisão foi, precisamente, proferida por um Tribunal alemão à luz da lei penal alemã, que é, precisamente, que a lei que contém os pilares da lei penal portuguesa e na qual a lei portuguesa está baseada”, dizem os advogados. Em particular, na referida decisão de 24 de Junho de 2024, o Tribunal Regional de Bona considerou que o arguido Christian Olearius não podia continuar a ser sujeito a julgamento, em razão do seu estado de saúde, por força do artigo 206 do Código de Processo Penal alemão que prevê que o Tribunal não deve prosseguir o julgamento caso se verifique algum impedimento ou obstáculo processual. “56. Ora, entre os obstáculos ou impedimentos processuais, deve incluir-se, precisamente, o facto de o estado de saúde débil do arguido não lhe permitir enfrentar o julgamento, nomeadamente atendendo à sua duração e complexidade, conforme foi atestado por perícia médica realizada ao arguido Christian Olearius. A solução legal à luz do direito português é, exatamente, a mesma, até, repita-se, porque o sistema penal português está baseado no Direito Alemão”.

O ex-chefe do banco privado alemão MM Warburg, acusado de 15 crimes de evasão fiscal grave, acabou por ver as acusações contra si retiradas devido a questões de saúde. Em causa transferências de ações num curto espaço de tempo – aproveitando uma lacuna na lei – entre as partes na altura do pagamento dos dividendos, a fim de receberem reembolsos de impostos que não tinham efetivamente pago. Acredita-se que as perdas do Tesouro alemão tenham sido na ordem de 280 milhões de euros (300 milhões de dólares), durante o período 2006-2011. Em 2021, o tribunal federal alemão decidiu que estes métodos constituíam uma infração penal.

Salgado e a doença de Alzheimer

Ricardo Salgado sofre de Alzheimer, estando atualmente no segundo grau mais grave da doença, com “dependência de terceiros para algumas atividades básicas”. Depois desta fase, passará para a “dependência total”. O relatório médico, a que o ECO/Advocatus teve acesso, foi assinado por um psiquiatra, neurologista e neuropsicólogo, peritos independentes nomeados exclusivamente pelo INML.

Assim, a perícia confirmou o que, até agora, foi alegado pela defesa de Ricardo Salgado nos diversos processos pendentes – como a Operação Marquês, caso BES e o processo EDP – e conclui que as declarações que Salgado possa fazer em tribunal estão comprometidas. A avaliação “neuropsicológica realizada no examinando é compatível e concorda com a que nos foi facultada e está enquanto prova documental junto aos autos”, dizem os peritos, referindo-se ao relatório feito pelo neurologista de Salgado, Joaquim Ferreira, pedido pela defesa e que foi junto aos vários processos do arguido.

A defesa do banqueiro tem vindo a insistir que, nos últimos dois anos, ao longo dos vários processos que envolvem o seu cliente – BES/GES, Marquês e caso EDP – que fosse pedida uma perícia médica independente ao INML, de forma a que se confirmasse a doença que foi diagnosticada pelo neurologista do ex-banqueiro. Os advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce já tinham juntado aos autos o parecer do neurologista Joaquim Ferreira, que atestou “um diagnóstico final e definitivo”, confirmando que o antigo líder do Grupo Espírito Santo (GES) tem Doença de Alzheimer apresentando “um agravamento progressivo das limitações cognitivas e motoras”.

A equipa dos advogados de defesa invocam ainda um caso de janeiro de 2024, em que o Tribunal do Wisconsin extinguiu o
processo-crime contra o antigo Cardeal Theodore McCarrick, precisamente porque considerou que este arguido era “unfit to stand trial”, em virtude da sua doença de demência, que o impediu assistir na sua própria defesa e exercer a sua defesa.

O julgamento do processo BES/GES vai começar no próximo dia 15 de outubro, no Campus da Justiça, segundo um despacho da juíza Helena Susano, que agendou ainda uma reunião preparatória com os advogados para 25 de setembro.

O julgamento do processo-crime Universo Espírito Santo vai arrancar mais de uma década após o colapso do Grupo Espírito Santo (GES), em agosto de 2014, e tem como principal arguido o ex-presidente do BES Ricardo Salgado, que foi acusado de 65 crimes, entre os quais associação criminosa, corrupção ativa, falsificação de documento, burla qualificada e branqueamento.

Considerado um dos maiores processos da história da justiça portuguesa, este caso agrega no processo principal 242 inquéritos, que foram sendo apensados, e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro.

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