Montenegro e Pedro Nuno extremam posições sobre Orçamento do Estado para segurar eleitorado
Tanto no cenário de acordo para viabilizar o OE como noutro em que Governo e PS não se entendem, havendo o risco de crise política, analistas veem os líderes a tentar justificar-se perante eleitores.
Trincheiras cavadas, muros desfeitos. E, agora, o “nervosismo” no âmbito das negociações para o Orçamento do Estado para 2025 (OE2025) volta a forçar o braço de ferro entre o primeiro-ministro e o secretário-geral do PS num atirar de culpas para ver quem se livra da responsabilidade de um chumbo da proposta orçamental e de uma crise política, segurando assim o seu eleitorado em caso de eleições antecipadas. A análise é dos politólogos consultados pelo ECO.
Por outro lado, se houver um acordo para a viabilização do OE, Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos têm de se justificar perante os seus eleitores. Mostrando-se sempre combativos, ainda que, no final, acabem por firmar um pacto, consideram os especialistas Marina Costa Lobo, Paula Espírito Santo e José Adelino Maltez.
Mas o que perturbou a espuma dos dias nestes últimos dois dias? Timings para a marcação de reuniões; a condição imposta por Pedro Nuno Santos de tornar previamente público esse encontro, o que Luís Montenegro rejeitou; e ainda os encontros “discretos” desta segunda-feira com André Ventura e Rui Rocha. Resultado: em vez de ter recebido o líder do PS a 18 de setembro, o chefe do Governo só irá reunir-se com Pedro Nuno Santos na próxima sexta-feira, dia 27. Quatro dias depois de Montenegro já ter recebido, em S. Bento, os presidentes do Chega e da Iniciativa Liberal.
A troca de comunicados iniciada no domingo à noite e que se prolongou esta segunda-feira escancarou o “nervosismo” dos dois lados, nota Marina Costa Lobo, doutorada em Ciência Política e investigadora principal do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL). “Há uma sucessão de casos e episódios que demonstram algum nervosismo de parte a parte. Nenhum quer o namoro, mas precisam dele porque nenhum quer eleições”, conclui a politóloga.
Depois de uma primeira nota do PS a informar que estava disponível para reunir no passado dia 18, o gabinete do primeiro-ministro reagiu: “A reunião chegou a estar agendada para o passado dia 18, tendo o primeiro-ministro reiterado disponibilidade para manter a reunião, não obstante ter cancelado todos os outros compromissos na agenda durante esta semana, devido ao foco necessário para acompanhar a situação dos incêndios. No entanto, o Secretário-Geral do Partido Socialista desmarcou essa reunião”, segundo o comunicado do gabinete do primeiro-ministro, emitido no domingo à noite.
Na mesma missiva, o Governo criticou a “indisponibilidade recorrente do secretário-geral do PS” para reunir, revelando que está desde 4 de setembro a tentar agendar um encontro.
Esta explicação visa terminar com especulações e esclarecer devidamente os portugueses que se interrogam acerca do impasse em que se encontra o diálogo entre o Governo e o principal partido da oposição.
No final da mesma nota, Luís Montenegro fez questão ainda de sublinhar que “esta explicação visa terminar com especulações e esclarecer devidamente os portugueses que se interrogam acerca do impasse em que se encontra o diálogo entre o Governo e o principal partido da oposição, esperando que ele se ultrapasse o mais cedo que for possível.
No contra-ataque, o gabinete do PS desmentiu o primeiro-ministro, revelando que foi “o Governo que recuou na marcação da reunião quando o PS exigiu que da mesma fosse dada conhecimento público prévio”. “O PS não está disponível para continuar a alimentar estas discussões infantis e estéreis de gestão de agendas na praça pública, quando os portugueses se debatem diariamente com problemas graves que continuam por resolver. Era nisso que um Governo adulto e responsável deveria estar concentrado neste momento”, rematou.
Para Marina Costa Lobo, “a pressão do Presidente para forçar a um acordo entre os líderes” também tem sido determinante para este “nervosismo”. “Marcelo Rebelo de Sousa convocou eleições em 2022, aquando da não aprovação de um orçamento do Governo do PS. O resultado foi que os portugueses castigaram” sobretudo quem ficou com o ónus de “ter contribuído mais para a instabilidade, nomeadamente o BE e o PCP”, aponta. A investigadora considera que “esse castigo eleitoral está presente na cabeça dos líderes que tentam “ficar bem na fotografia” e eximir-se de responsabilidades, seja numa eventual eleição, seja num acordo à direita, que é preciso legitimar, culpando o PS por falta de vontade negocial”.
O PS não está disponível para continuar a alimentar estas discussões infantis e estéreis de gestão de agendas na praça pública, quando os portugueses se debatem diariamente com problemas graves que continuam por resolver.
Mais do que “um choque de personalidades”, Paula Espírito Santo considera que as “posições muito reativas de um lado e do outro” são demonstrativas de “um difícil equilíbrio de forças na Assembleia da República”. “Trata-se, sobretudo, de uma estratégia para dar a ideia de força aos seus eleitores. O PS precisa dessa prova de vida e o primeiro-ministro, com as rédeas do Executivo, não pode deixar de ter uma posição de preponderância”, analisa a investigadora do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP).
Por esse motivo, Luís Montenegro “não está disposto a ceder a argumentos como o do PS, que queria que a reunião fosse previamente anunciada”, sublinha. Por outro lado, “o Governo tem tido, desde o início, uma posição de pouca humildade, embora tenha sempre defendido a abertura para o diálogo, mas depois não há concretização”, ressalva.
Para José Adelino Maltez, trata-se de “um jogo quase infantil”. “Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos sabem o que querem, mas não dizem e depois fazem estas demonstrações de picardia para despertar a atenção do seu eleitorado”, sustenta o especialista doutorado em Ciência Política.
Maltez olha para “este jogo ou esta estratégia” como um teste ao seu eleitorado. “Governo e PS fazem sondagens internas e sabem para que lado pendem os eleitores e, com base nessa informação, vão desenhando táticas diferentes”, salienta.
Apesar do braço de ferro entre Montenegro e Pedro Nuno Santos, ambos continuam a reiterar total disponibilidade para negociar o OE2025. O primeiro-ministro e líder do PSD reiterou esta segunda-feira à noite, no conselho nacional social-democrata, que “o PSD e Governo estarão sempre de portas abertas” para negociar.
Já no final do discurso deu respaldo às pressões do Presidente da República: “Parece-me absolutamente incontornável que a interpretação do interesse nacional e do interesse coletivo deve conduzir mesmo à aprovação do OE para 2025. E, exprimo, em jeito de conclusão, um pensamento que o Presidente tem deixado muito claro à sociedade portuguesa. Estamos confiantes na aprovação do OE porque estamos conscientes que os duodécimos não são solução”.
O filme dos últimos dois dias
- Domingo, dia 22, 19h43: O gabinete do PS emite uma nota repudiando as declarações do ministro da Presidência e argumentando que o partido e o Governo ainda não se reuniram, no âmbito das negociações para o Orçamento do Estado, porque “as agendas de ambos não permitiram ainda esse agendamento”. “Uma reunião marcada para a semana passada foi cancelada pelo Governo, depois do PS ter exigido que da mesma fosse dado conhecimento público prévio. O PS aguarda a disponibilidade para reunir com o Governo e, nesse quadro, apresentar as suas propostas e leitura do quadro orçamental partilhado pelo Governo, tal como combinado na última reunião entre as delegações do PS e do Governo”, lê-se na mesma missiva.
- Domingo, dia 22, 19h55: O gabinete do primeiro-ministro envia um comunicado de imprensa, informando que o Governo está a ter dificuldades em marcar uma reunião com Pedro Nuno Santos, desde 4 de setembro. “Até agora isso não aconteceu devido à indisponibilidade recorrente do secretário-geral do PS”, de acordo com a mesma nota. Na mesma missiva, é revelado que “a reunião chegou a estar agendada para o passado dia 18 […]. No entanto, o secretário-geral do PS desmarcou essa reunião”. O gabinete de Luís Montenegro indicou ainda que Pedro Nuno Santos mostrou apenas disponibilidade para reunir a partir do dia 27, 23 dias depois do pedido de reunião da iniciativa do primeiro-ministro”.
- Domingo, dia 22, 21h04: Em reação, o secretário-geral do PS torna pública uma nova nota, lamentado “o comunicado incompreensível e inaceitável enviado pelo primeiro-ministro relativamente ao processo negocial do Orçamento do Estado para 2025”. “Trata-se de uma provocação e é uma atitude difícil de entender no quadro de boa-fé negocial e do sentido de Estado que se exige de todos os intervenientes”, lê-se na mesma missiva. O PS desmente o Executivo e insiste que foi o Governo que recuou na marcação da reunião” de 18 de setembro, “quando o PS exigiu que da mesma fosse dada conhecimento público prévio”. Entretanto, “o PS propôs a data de 27 de setembro na passada sexta-feira, tendo o Governo aceitado a data e proposto o horário das 15 horas, que o PS aceitou”, segundo a nota.
- Segunda-feira, dia 23, 9h-10h: O primeiro-ministro recebe os líderes da IL, Rui Rocha, e do Chega, na residência oficial, em S. Bento, no âmbito das negociações para o Orçamento do Estado para 2025. Estes encontros “discretos” não foram previamente anunciados pelo Executivo.
- Segunda-feira, dia 23, 12h35: O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, avisa que se não houver Orçamento do Estado “há uma crise política e económica”, mas não desfaz o tabu sobre se dissolve o Parlamento e convoca eleições antecipadas caso a proposta orçamental seja rejeitada. O Chefe de Estado destacou que “qualquer solução que não seja passar o Orçamento é má” e que, ao contrário de Espanha, o Executivo não é maioritário, o que dificulta governar com duodécimos. Ainda assim, disse que continua “fisgado” que vai haver Orçamento.
- Segunda-feira, dia 23, 15h06: Depois de terem sido noticiadas as reuniões de Luís Montenegro com os líderes do Chega e da IL, o gabinete do primeiro-ministro emite um comunicado, esclarecendo que “não há reuniões secretas na Residência Oficial do primeiro-ministro”. “Há encontros com entidades e personalidades de várias áreas, incluindo líderes políticos, sobre temas de interesse nacional, que ocorrem muitas vezes com discrição e sem a presença da comunicação social”, lê-se na mesma nota.
- Segunda-feira, dia 23, 17h: Assim que tomou conhecimento das reuniões “discretas” que o primeiro-ministro teve com os presidentes do Chega e da IL, Pedro Nuno Santos acusou o Governo de não ter “uma vontade séria” para negociar o OE, apesar de manter que o partido continua a ter “a mesma disponibilidade” para viabilizar o Orçamento do Estado. Para o líder dos socialistas, “a conclusão que se pode retirar de um conjunto de declarações e ações do Governo é que o Governo não está interessado em negociar nem em criar um bom ambiente negocial”. “Toda a ação do Governo parece indiciar a vontade de provocar umas eleições antecipadas”, atirou.
- Segunda-feira, dia 23, 17h36: À margem de uma conferência de imprensa sobre incêndios, Luís Montenegro desvalorizou a polémica em torno de tais encontros, referindo que as reuniões em S. Bento, sem conhecimento prévios dos jornalistas, “é um traço de normalidade e de maturidade democrática que tem tradição na democracia portuguesa há varias décadas e que se deve manter”. E voltou a garantir que “o Governo vai esgotar de forma paciente, de forma empenhada, de forma aberta, de forma dialogante todas as possibilidades para que, na Assembleia da República, a proposta não seja inviabilizada”. “Tudo o que pudermos fazer para dialogar com os partidos políticos, fá-lo-emos, nos formatos que forem mais adequados em cada ocasião”, acrescentou.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Montenegro e Pedro Nuno extremam posições sobre Orçamento do Estado para segurar eleitorado
{{ noCommentsLabel }}