Fisco não controla dívidas fiscais dos residentes não habituais

Falta de controlo permite continuar a beneficiar do regime. AT alega que este não é um benefício fiscal, mas Tribunal de Contas considera que gera tratamento desigual entre contribuintes.

O Fisco não controla as dívidas fiscais dos contribuintes abrangidos pelo Regime dos Residentes Não Habituais, pelo que há indivíduos sem a situação fiscal regularizada que mantêm o benefício. A Autoridade Tributária (AT) alega que o regime não é um benefício fiscal. O Tribunal de Contas (TdC) discorda e considera que gera um tratamento desigual entre os contribuintes.

A divergência de posições consta do parecer do Tribunal de Contas à conta geral do Estado de 2023, entregue na quarta-feira, no Parlamento. O benefício dos residentes não habituais custou ao Estado 1.297 milhões de euros em 2023, representando 62,8% da despesa fiscal em IRS, a segunda mais elevada e apenas ultrapassada pela despesa fiscal em sede de IVA. Face 2022, apesar do aumento de 54,4% do número de residentes não habituais inscritos no regime, a despesa fiscal caiu 4,7%.

No entanto, a entidade liderada por José Tavares revela que para estes contribuintes, a Autoridade Tributária “não controla a existência de dívidas fiscais, situação que daria origem à suspensão do benefício”. Neste sentido, contabiliza que no final de 2023, 93 contribuintes, num universo de 39.909, usufruíam do regime, apesar de terem dívidas fiscais no valor global de 17 milhões de euros.

Para o Tribunal de Contas, o regime aplicável aos residentes não habituais é um benefício fiscal. Dos mais de 90 contribuintes que continuam a beneficiar do regime, apesar dos processos de execução fiscal por dívida de impostos, 99,8% foram “declarados em falha por a AT ter considerado que não havia condições para cobrar a dívida“.

O Fisco justifica a ausência de controlo do benefício com o facto de considerar que “este regime não consubstancia” um benefício fiscal “no estrito sentido” previsto no Estatuto dos Benefícios Fiscais, alegando que a sua base jurídica assenta apenas no Código do IRS, invocando ainda o próprio regime em si. Ou seja, a “inscrição prévia como RNH e aquisição do direito à tributação por determinado regime durante 10 anos”.

Fisco justifica a ausência de controlo do benefício com o facto de considerar que “este regime não consubstancia” um benefício fiscal “no estrito sentido” previsto no Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Em sede de contraditório à posição do Tribunal, o Ministério das Finanças e a Autoridade Tributária reiteraram a interpretação de que o regime dos residentes não habituais “tem caráter especial e não excecional”, embora admita que possa comportar “uma vertente extrafiscal”.

Por seu lado, a instituição liderada por José Tavares destaca que a posição das Finanças e do Fisco confirmam, assim, que “as taxas especiais atualmente previstas no artigo 72.º do Código do IRS não têm sido consideradas pela AT como benefícios fiscais”, nos termos do artigo 2.º do Estatuto de Benefícios Fiscais.

“Porém, é este próprio artigo a configurar a excecionalidade como um desvio da tributação regra com fundamento em interesses públicos extrafiscais relevantes”, argumenta o Tribunal, acrescentando que “são estes que justificam o desagravamento da tributação dos RNH [Residentes Não Habituais] através da aplicação das referidas taxas do art. 72º”.

O Tribunal de Contas contrapõe ainda que a informação divulgada pelo Ministério das Finanças e pelo Fisco “tem classificado a redução das taxas aplicável” aos residentes não habituais como um benefício fiscal e que muitos outros benefícios estão apenas previstos no Código do IRS e não no Estatuto, “dos quais alguns têm um período de vigência que já ultrapassa os 10 anos”.

Tribunal de Contas argumenta que “diversos” benefícios fiscais previstos no Código do IRS e não no Estatuto “são objeto de controlo específico” pelo Fisco. do qual resulta a suspensão do benefício aquando da existência de dívidas fiscais.

Aponta ainda que “diversos” benefícios fiscais previstos no Código do IRS e não no Estatuto “são objeto de controlo específico” pela Autoridade Tributária, “do qual resulta a suspensão dos seus efeitos aquando da existência de dívidas fiscais por parte dos respetivos beneficiários”. Como exemplo indica o “Programa Regressar”, “IRS Jovem” ou alguns concedidos a pessoas com deficiência.

Para o Tribunal de Contas a não aplicação destes procedimentos de controlo aos residentes não habituais “gera uma situação de tratamento desigual entre os contribuintes“. Neste sentido, recomenda a revisão dos “procedimentos de controlo, por forma a assegurar o cumprimento do que a lei estabelece quanto à não produção de efeitos” dos benefícios fiscais “dos contribuintes com dívidas fiscais”.

Fisco sem controlo da despesa de 101 benefícios fiscais

A conta geral do Estado de 2023 reporta uma despesa de 15.056 milhões de euros em benefícios fiscais, mas apenas relativo a 202 incentivos, “não apresentando o valor dos restantes 101 ativos”, denuncia o Tribunal de Contas.

Ou seja, 1/3 do custo com estas medidas não são controladas pela máquina tributária. “É o caso da despesa fiscal resultante de reduções da taxa autónoma de IRS aplicada a contratos de arrendamento para habitação permanente, da isenção de IVA de diversas atividades e do regime especial de isenção, da isenção da tributação autónoma em IRC dos veículos movidos exclusivamente a energia elétrica ou ainda da isenção do Imposto de Selo nos contratos enquadrados no programa de apoio ao arrendamento”, exemplifica.

Para além disso, o TdC alerta para as falhas no reporte público da despesa fiscal. “O reforço da transparência e da divulgação de informação especificamente relativa aos apoios, concedidos ao abrigo do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), tem sido um objetivo previsto em sede da própria Lei do Orçamento do Estado (LOE)”, sublinha o fiscalizador das contas públicas.

Neste sentido, o Tribunal nota que “tanto a LOE 2022 como a LOE 2023 (e também a LOE 2024) vieram dispor que o Governo criaria uma secção específica sobre esta matéria no Portal Mais Transparência, uma plataforma que visa permitir aos cidadãos consultarem a informação disponibilizada pelo Estado de uma forma mais acessível, não tendo esse objetivo sido ainda concretizado”.

No contraditório, a AT justifica-se com “a necessidade de implementação de soluções informáticas (que permitam efetuar a reliquidação do imposto) e a indisponibilidade de certa informação”.

“Ora, as boas práticas recomendam que aquando da criação de cada benefício fiscal deva estar, desde logo, salvaguardada a existência de metodologias que permitam quantificar e avaliar os respetivos impactos”, critica a entidade liderada por José Tavares.

O regime dos residentes não habituais (RNH) em território português teve um impacto orçamental, no ano passado, de 1.297 milhões de euros do lado da perda de receita em IRS.

“Cerca de outro quarto desta despesa [de um total de 15.056 milhões] pertence ao conjunto de incentivos ao investimento nas empresas e à investigação e desenvolvimento empresarial, nos quais se incluem designadamente o SIFIDE – Sistema de Incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (632 milhões de euros), o RFAI – Regime fiscal de apoio ao investimento (244 milhões de euros), o DLRR – Regime de Dedução por lucros retidos e reinvestidos (120 milhões de euros), o CFEI II – Crédito fiscal extraordinário ao investimento (79 milhões de euros) e o IFR – Incentivo Fiscal à Recuperação (63 milhões de euros), permitindo deduções em IRC e isenções em IS”, detalha o parecer.

No apoio às famílias, que representa 34,6% do custo com benefícios fiscais, destaca-se o impacto da isenção de Imposto de Selo nas heranças e outras transmissões entre cônjuges, unidos de facto, descendentes e ascendentes (630 milhões de euros), bem como a isenção de rendimentos e deduções à coleta em IRS das pessoas com deficiência (504 milhões de euros).

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