Ministra da Saúde assume “total responsabilidade pelo que correu menos bem” e promete “refundar” o INEM
Ministra da Saúde lamenta as mortes provocadas pelos atrasos no socorro, revelando que a 4 de novembro "houve duas greves e, pelo menos, um dos turnos de oito horas não cumpriu os serviços mínimos".
“Assumo total responsabilidade pelo que correu menos bem e comprometo-me a refundar o INEM”, afirmou esta terça-feira a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, no Parlamento, no âmbito da apreciação na especialidade do Orçamento do Estado para 2025 (OE2025). A governante indicou que “a 4 de novembro, houve em simultâneo duas greves e, pelo menos, um dos turnos de oito horas não cumpriu os serviços mínimos por falta de recursos humanos”.
“Lamento profundamente a situação que muitas famílias viveram, os concidadãos para quem houve um desfecho fatal. Para as suas famílias, vai a nossa expressão de pesar pelas perdas sentida e a promessa solene que tudo faremos e em tudo colaboraremos para determinar se houve uma relação entre estes acontecimentos fatais e a falta ou atraso de meios de socorro e de emergência”, declarou, durante uma audição na Comissão de Orçamento e Administração Pública (COFAP) da Assembleia da República.
Ana Paula Martins espera que “os inquéritos em curso possam clarificar estas dúvidas”. Para além disso, “foi aberta uma inspeção pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), porque é muito importante que haja uma avaliação aprofundada, tendo em conta a gravidade da situação, sobre se os serviços mínimos foram ou não cumpridos, foram ou não convocados em tempo útil e se todos os procedimentos aconteceram”, sinalizou. Para a governante, “esta dúvida não pode subsistir, porque poderia indiciar negligência dos trabalhadores ou do INEM”. Da informação de que dispõe, e, tendo em conta “a muito falta de profissionais no CODU, é difícil garantir os serviços mínimos, que são 80%, sobretudo quando duas greves se juntam, mesmo mobilizando todos os técnicos para o CODU”, reconhece.
Uma vez quem um turno corresponde a oito horas, “basta um não cumprir os serviços mínimos para criar muitíssimas dificuldades e ter impactos muito sérios”, sublinhou. A mesma responsável referiu ainda que, “durante os turnos”, é possível “monitorizar as chamadas do ponto de vista digital”. Assim, “toda esta investigação vai ser feita para saber se houve um padrão assimétrico nesses dias”, destacou.
Responsabilizando o anterior Executivo, de António Costa, pela degradação do INEM, a ministra diz que o instituto “esteve praticamente abandonado” nos últimos anos, a ministra indicou que “o número de chamadas diárias tem aumentado, sendo hoje quatro mil por dia e o número de técnicos do INEM no CODU [Centros de Orientação de Doentes Urgentes] tem diminuído. Temos hoje menos 483 técnicos face ao previsto, que deviam ser 1.341″, assinalou. Para colmatar a falta de recursos humanos, a ministra afirmou que vão ser contratados 200 técnicos e será aberto “um segundo concurso, no início do ano,” para recrutar mais 200 funcionários. A governante explicou ainda que “não é possível integrar” no imediato os 400 técnicos, porque não é possível formar todos os profissionais ao mesmo tempo, uma vez que essa competência é exclusiva do próprio do INEM.
Para além disso, “os tempos de atendimento das chamadas tem aumentado”, sinalizou. Em 2022, eram 12 segundos, em 2023 passou para 36 segundos e, em 2024, aumentou para 68 segundos.
Reconhecendo que são “necessários investimentos fundamentais”, a governante sublinhou que, “no dia 7 de novembro, foi assinado o primeiro acordo de sempre de negociação com o Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-hospitalar”. “No próximo dia 22, está marcada uma reunião para dar início às negociações, começando pela grelha salarial para que se devolva a paz ao INEM e as condições de vida a todos os trabalhadores que fazem este instituto funcionar”, acrescentou.
Ana Paula Martins prefere “continuar a trabalhar para resolver o que está mal”. E rejeita demitir-se do seu cargo: “Não fujo, não minto, não me escondo. Continuarei o trajeto que estamos a fazer, de resultado em resultados. Saberei sempre interpretar a minha capacidade de liderar este processo”. No entanto, a governante sublinhou que saberá “interpretar os resultados” dos inquéritos que foram instaurados às mortes provocadas pelos atrasos no socorro durante a greve às horas extraordinárias do INEM.
Não dependo deste lugar para sobreviver e para viver. Se houver responsabilidades que a ministra da Saúde entenda que podia ter evitado, pode ter a certeza que saberei interpretar esses resultados.
“Desejo profundamente que estes inquéritos apurem o mais depressa possível as responsabilidades que ocorreram por falta de meios socorro ou que chegaram tarde ou que foram inadequados para que fique claro o sacar de responsabilidades. Não dependo deste lugar para sobreviver e para viver. Se houver responsabilidades que a ministra da Saúde entenda que podia ter evitado, pode ter a certeza que saberei interpretar esses resultados“, afirmou em resposta ao deputado do CDS, João Almeida.
Questionada pelo deputado socialista, João Paulo Correio, por que razão não tentou evitar a paralisação às horas extraordinárias, a ministra da Saúde indicou que, “desde junho”, a tutela estava a trabalhar para “iniciar uma negociação sindical”. “Não reunimos antes com os técnicos por uma razão: precisávamos de uma tabela salarial absolutamente sólida para propormos ao sindicato”, esclareceu. E voltou mostrar-se surpreendida com “as duas greves em simultâneo no mesmo dia”. Além da paralisação dos técnicos superiores de emergência pré-hospitalar às horas extraordinárias, “houve também uma greve da Administração Pública a 4 de novembro e não era suposto ter impacto no INEM”, anotou.
Ana Paula Martins explicou ainda que o INEM “tem receitas próprias, não vive de verbas do Orçamento do Estado e esse orçamento que foi dedicado ao INEM vive dos seguros rodoviários e do seguros de vida têm que ser investidos no INEM”. “Desde o momento que entramos, estamos a procurar fazer duas coisas: a transição de saldos de 2023 que pertencem ao INEM e que não foram transitados e a possibilidade de custear tudo o que estamos a fazer este ano”, afirmou.
A governante referiu ainda que o Governo espera poder “usar os certificados de dívida pública que foram comprados anteriormente com dinheiro do INEM e que foram retirados ao INEM nas suas capacidades de investimento em meios humanos”. “É nossa prioridade que o orçamento do INEM esteja disponível, porque nunca o esteve”, acrescentou.
Deputados acusam ministra de “esconder” a conta do SNS
As deputadas do PS, Mariana Vieira da Silva, e do PCP, Paula Santos, criticaram ainda o envio tardio da nota explicativa do Orçamento do Estado para Saúde, pelas 19h desta segunda-feira, e a ausência da conta consolidada do SNS no mesmo documento.
“A equipa governativa que lidera já não tem qualquer credibilidade. Pela primeira vez, a nota explicativa não tem uma estimativa da conta para o SNS, ninguém sabe quanto vai crescer o investimento, o Parlamento não sabe nada, toda a informação foi escondida. Vamos ter acesso à conta consolidada do SNS? E qual a despesa prevista para a portaria das convenções [com os privados]? Não sabemos quanto custa e é uma inversão na política de internalização”, criticou a antiga ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva.
Na resposta, a ministra da Saúde garantiu que “aquilo que possa faltar será enviado antes do final do dia aos deputados”. “Não há nenhuma intenção de esconder coisa nenhuma”, sublinhou. Ana Paula Martins anotou ainda que “o Orçamento do Estado para a Saúde, em 2025, é o maior de sempre, é de 16,8 mil milhões de euros”. Trata-se de um aumento de 9% face a 2024.
Entretanto, pelas 11h30, o Ministério da Saúde já enviou aos deputados o quadro em falta na nota explicativa sobre o orçamento do SNS.
A deputada do BE, Marisa Matias, questionou a governante se, na Saúde, também será aplicada a regra de um para um, no que diz respeito à contratação de funcionários públicos, isto é, se haverá também um congelamento no recrutamento tal como o Governo prevê para o resto da Administração Pública em 2025. Ana Paula Martins respondeu que, as últimas projeções da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), e que “entram em linha de conta com as reformas”, apontam para 3.300 novas contratações podendo ir até sete mil, até 2026″, sendo que poderão ir até “13 mil”. “Só no caso dos médicos, desde que entrámos, já foram contratados 886 médicos especialistas. No caso dos enfermeiros, temos espaço para a contratação de enfermeiros para as ULS [Unidades Locais de Saúde], porque o inverno é muito duro para manter os serviços de urgências e camas abertas”, declarou.
Governo promete rever a carreira dos técnicos de diagnóstico e terapêutica
Tal como o Governo avançou com a revisão da carreira dos técnicos de emergência pré-hospitalar, que irá aumentar salários, também os técnicos superiores de diagnóstica e terapêutica (TSDT) serão incluídos neste “plano de motivação dos profissionais de saúde”, revelou a ministra da Saúde.
“Os TSDT são carreiras com enorme importância, são o cimento dentro da saúde, porque são profissões com enorme diferenciação, em todo o ciclo, desde a prevenção até à reabilitação e até mesmo nos cuidados paliativos. Os TSDT não deixarão de ser incluídos nas conversas e negociações que o Ministério da Saúde vai continuar a ter e isto liga-se ao plano de motivação das profissões de saúde”, indicou Ana Paula Martins.
Tal como ECO noticiou, o presidente do Sindicato Nacional dos Técnicos Superiores de Diagnóstico e Terapêutica (STSS), Luís Dupont, espera que, “até ao final do mês de novembro, o Ministério da Saúde arranque com as negociações para a valorização da carreira à semelhança do que já fez para outras carreiras especiais como a dos enfermeiros”. Caso contrário, o dirigente sindical admite “novas formas de luta, incluindo manifestações e greves”.
Apesar desta carreira ter sido revista em 2022, através de uma iniciativa do Parlamento, “a tabela remuneratória encontra-se desatualizada comparativamente com a de técnico superior da carreira geral e com a de enfermeiro”, refere Dupont. O salário de entrada de um técnico superior de diagnóstico começa no nível 15, o que corresponde a um vencimento mensal ilíquido de 1.333,35 euros, enquanto o ordenado mínimo de um técnico superior da carreira geral arranca no patamar 16, o que dá 1.385,99 euros por mês, de acordo com o sistema remuneratório da Administração Pública para 2024.
Os enfermeiros também estavam no nível remuneratório 15, mas a recente assinatura de acordo para a valorização da carreira permitiu elevar esse patamar, já com efeitos em novembro, para o número 18 da Tabela Remuneratória Única (TRU), o que fez crescer a base salarial desta profissão em 157,9 euros para 1.491,25 euros face aos 1.333,35 euros que estavam em vigor. Nos próximo anos e até ao final da legislatura, a carreira de enfermagem terá novas valorizações, de forma faseada, até o ordenado de entrada desta profissão atingir o nível 21, isto é, os 1.649,15 euros da TRU atual.
O STSS exige “uma atualização da tabela remuneratória da nossa carreira à luz dos princípios das carreiras especiais da saúde, nomeadamente a dos enfermeiros”. Mas o objetivo não é ficar nos 1.649,15 euros (nível remuneratório 21) para o salário de entrada, mas sim “chegar ao nível 23”, o que se traduz num vencimento de 1.754,41 euros, “tal como reivindicaram os enfermeiros”, salienta Luís Dupont. “Vamos ver até onde conseguimos nas negociações”, assinalou.
Para além da valorização salarial, “o plano de motivação” integra ainda matérias relacionadas com “progressões, reorganização dos modelos de trabalho e revisão dos modelos de avaliação”, referiu a governante. “Nós, enquanto Estado, não conseguimos acompanhar a modernidade que estas profissões necessitam. Deparamo-nos com modelos de avaliação para os médicos, técnicos de diagnóstica e terapêutica, enfermeiros, técnicos de emergência médica que não são iguais aos dos professores ou polícias”, destacou. Ou seja, a ministra admite também rever o modelo de avaliação destes profissionais, consoante as suas especificidades, distinguindo-o do sistema de avaliação geral dos funcionários da Administração Pública (SIADAP).
Aliás, outra das matérias que o sindicato dos técnicos de diagnóstico e terapêutica pretende ver “rapidamente resolvida” é “a correta contagem dos pontos para avaliação de desempenho dos técnicos pelas várias instituições do Serviço Nacional de Saúde e do setor empresarial do Estado, designadamente os hospitais”.
Em 2018, quando houve o descongelamento das carreiras da Função Pública, “o Ministério das Finanças e a DGAEP – Direção-Geral da Administração e do Emprego Público consideraram que o sistema de avaliação dos técnicos superiores de diagnóstico, que dá 1,5 pontos com satisfaz e -1 com não satisfaz, tinha caducado”, relata o sindicalista. “Desde então, várias instituições não têm dado o ponto e meio a quem teria direito, atribuindo só um ponto ou nenhum”, denuncia, exigindo que, no âmbito das negociações com a tutela, “esta matéria seja clarificada”. “Temos inclusivamente vários tribunais a dar razão aos trabalhadores, por isso, queremos que todos os pontos sejam contados com efeitos retroativos a 2018″, sublinha.
Mas o sindicato quer passar a ser “avaliado pelo novo SIADAP, porque é muito mais vantajoso”. Enquanto o regime dos técnicos de diagnóstico é trianual, exige 10 pontos para progredir na carreira e apenas tem duas menções (satisfaz que dá 1,5 pontos e não satisfaz que dá -1), o novo sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública (SIADAP) é anual, requer oito pontos para subir uma posição remuneratória e tem cinco classificações: excelente que dá três pontos; muito bom que atribui dois; bom com 1,5 pontos; regular com um ponto; e, na menção adequado, o trabalhador tem zero pontos, deixando de existir pontos negativos.
(Notícia atualizada às 14h58)
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