Costa assume presidência do Conselho Europeu com desafio de unir os 27

Passagem de testemunho entre Charles Michel e António Costa decorre esta sexta-feira em Bruxelas, numa altura em que dentro e fora das fronteiras europeias inicia-se um novo ciclo político.

EPA/OLIVIER MATTHYS

Charles Michel e António Costa estarão esta sexta-feira em Bruxelas para a passagem de testemunho na presidência do Conselho Europeu. A mudança de poderes entre o belga e o português acontece dias depois de a nova Comissão ter sido votada no Parlamento, estando agora as três principais instituições europeias em condições de iniciar o novo ciclo político, dentro e fora de fronteiras europeias.

O mandato do ex-primeiro-ministro — conhecido entre os parceiros europeus como o “mestre do consenso” — não será fácil, mas o caminho tem sido trilhado desde 1 de setembro, com uma pequena equipa de transição que inclui seis portugueses. Nessa altura, Costa visitou cada um dos Estados-membros, incluindo Portugal, para moldar a estratégia dos próximos dois anos e meio à frente da principal instituição onde têm assento os 27 Estados-membros.

António Costa vai ter um desafio que é gerir 27 sensibilidades políticas distintas, no momento em que a Europa está dividida, com dificuldades e, encontrar consensos.

Paulo Sande

Especialista em Assuntos Europeus

“Vai ser muito difícil”, prevê Paulo Sande, especialista em assuntos europeus e ex-conselheiro do Presidente da República, em declarações ao ECO. “António Costa vai ter um desafio que é gerir 27 sensibilidades políticas distintas, no momento em que a Europa está dividida, com dificuldades e, encontrar consenso“, sobretudo numa altura em que o bloco europeu precisa “cada vez mais de estar unido”, aponta o especialista em assuntos europeus. “A habilidade de Costa vai ser testada ao limite“, define.

As dificuldades serão sentidas dentro e fora de fronteiras. Por um lado, assistiu-se a uma viragem à direita, sobretudo mais radical e conservadora, nas eleições europeias, resultando agora num Parlamento Europeu mais fragmentado — uma realidade que reflete a tendência europeia e que testa a estabilidade política de “dois pilares europeus”: França e Alemanha.

Aos olhos de Paulo Sande, o cenário de “ingovernabilidade” nestes dois Estados-membros fragiliza o poder de decisão do bloco europeu, mas acarreta consequência adicionais para o Conselho Europeu que se arrisca a ficar com um socialista a menos na mesa redonda dos 27 chefes de Estado e de Governo — isto caso seja retirada a confiança a Olaf Scholz em dezembro e perca as eleições para os cristão-democratas em fevereiro.

“São fatores de risco, sobretudo com a [Alemanha] a viver uma situação económica desafiante”, refere o especialista em assuntos europeus, notando ainda que “Dificilmente não terá impacto na Europa.”

Riscos externos com que Costa terá de lidar

Por outro, Donald Trump prepara-se para regressar à Casa Branca após ter ameaçado a União Europeia com uma guerra comercial e numa altura em que as tensões geopolíticas no Médio Oriente e na Ucrânia sobem de tom. Embora António Costa tenha desvalorizado as ameaças numa entrevista ao Financial Times, Sande não se deixa convencer.

“A entrevista foi no tom dele. As coisas resolvem-se falando. Mas julgo que no caso de Trump não sejam assim”, alerta, sublinhando que “Trump não tem uma visão consolatória” e “de busca de consensos”, à semelhança de António Costa.

“Dificilmente é consolidável com a diplomacia europeia que se baseia muito nos compromissos e trade offs”, diz ainda. “Não vai ser fácil e basta saber ainda que importância Trump vai-lhe atribuir”, atira, fazendo referência ao seu antecessor e à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Nos últimos cinco anos, Charles Michel e Ursula von der Leyen tiveram sucessivos embates políticos, sobretudo em contexto internacional. “Um dos problemas de von der Leyen, no último mandato, foi que sempre que quis estar à frente da política internacional foi muito criticada por extravasar competências“, diz o especialista em assuntos europeus, recordando as críticas de “excesso de poder” feitas à presidente da Comissão Europeia. “Os Estados são representados no Conselho Europeu“, frisou.

António Costa é conhecido como alguém capaz de forjar compromissos, mas a tarefa será difícil e Ursula von der Leyen desempenhará um papel importante.

Almut Möller

Politóloga no European Policy Institute

O peso de von de Leyen nas relações internas e externas e o eventual conflito com o próximo presidente do Conselho Europeu também é destacado por Almut Möller, politóloga no European Policy Institute. “António Costa é conhecido como alguém capaz de forjar compromissos, mas a tarefa será difícil e Ursula von der Leyen desempenhará um papel importante“, diz.

No entanto, a politóloga rejeita que haja conflitos, uma vez que ambos já se conhecem há vários anos e “compreendem a importância de uma liderança unificada da UE neste momento crítico para a União”.

“A meu ver, a relação de trabalho [entre os dois] será definida em grande medida pela necessidade de reforçar a segurança europeia. A Comissão tomará medidas para reforçar o papel da UE, incluindo a própria Comissão”, adianta a politóloga alemã ao ECO, reforçando que “Costa não irá necessariamente contestar isso, mas terá de criar um consenso entre os poderosos Estados-Membros neste domínio”.

Certo é que ambos os líderes iniciarão funções ao mesmo tempo, a 1 de dezembro. Von der Leyen prometeu pôr em curso um plano estratégico para os próximos cinco anos a partir do primeiro dia, e apresentar nos primeiros 100 dias um conjunto de estratégias que visam recuperar a competitividade europeia.

Já António Costa estará em condições para pôr em prática o feedback que obteve dos 27 Estados-membros. A primeira reunião que vai presidir é o Conselho Europeu de 19 e 20 de dezembro, em Bruxelas.

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