Quebra de preços deixa cortiça nas árvores. Exportações estão a cair 7%
Cerca de 10% da cortiça ficou por extrair na campanha de 2024 na sequência da descida de 15% no preço médio pago à produção. Industriais alegam que “não foi suficiente para recuperar rentabilidade".
A campanha de extração da cortiça em 2024 resultou numa produção estimada na ordem de 4,5 milhões de arrobas em Portugal e de 3 milhões de arrobas em Espanha – como quase toda a cortiça do país vizinho é laborada em Portugal, entra também nas contas do aprovisionamento à indústria nacional. Este volume total próximo de 112.500 toneladas ficou em linha com a quantidade que tinha sido obtida no ano passado. No entanto, “por motivos de conjuntura de mercado”, adverte a Filcork, “algumas cortiças tiveram a extração adiada para 2025”.
O presidente da associação interprofissional desta fileira, adianta ao ECO que este ano ficou por extrair cerca de 10% da cortiça que estava disponível na árvore (só gera rendimento de nove em nove anos, a idade mínima para extração) devido à redução de 15% no preço médio pago à produção face ao ano anterior, em que tinha subido à volta de 20%. “Havendo um preço em quebra, algumas extrações foram adiadas na expectativa dos produtores de que para o ano as condições de mercado serão mais interessantes”, refere António Gonçalves Ferreira. Lembra que a cortiça na árvore não é perecível e, deixada mais um ano, até valoriza em termos de qualidade.
Havendo um preço em quebra, algumas extrações foram adiadas na expectativa dos produtores de que para o ano as condições de mercado serão mais interessantes.
“Havia a expectativa de manter o nível de crescimento da retoma pós-Covid, mas que este ano não se verificou ao mesmo ritmo. Isso levou a que a indústria resfriasse de algum modo a sua pressão no mercado. Como houve menos procura do que era expectável, isso teve como consequência uma redução do preço”, resume o porta-voz da estrutura que junta seis organizações de agricultores e produtores florestais, e a associação da indústria transformadora (APCOR). Porém, salvaguarda que “houve a extração necessária para as necessidades da indústria”.
Sobre o impacto dessa decisão nos produtores de cortiça – há cerca de 15 a 16 mil em Portugal, embora muitos deles se dediquem também a outras atividades de exploração –, António Gonçalves Ferreira assegura que “não ficou nenhuma cortiça por extrair de um produtor que não quisesse extrair”. “Fê-lo por razões particulares, fê-lo por não haver um patamar de preço em que estivesse disponível para vender. Para quem quis ir, o mercado absorveu. Não temos indicação de que ficou cortiça por vender por não haver procura pela indústria. Não atingiu foi o patamar de preço para a perceção que tinham”, enquadra o líder da Filcork.
Indústria afasta descida do preço final dos produtos
Espalhado um pouco por todo o território nacional, mas com o volume principal concentrado no eixo Beira Interior, Ribatejo, Alentejo e até ao Algarve, onde há zonas com grande produção de cortiça, o montado de sobro ocupa uma área superior a 700 mil hectares, o que equivale a mais de 20% da floresta nacional. No que toca aos custos de extração em 2024, a campanha, que decorreu entre meados de maio e meados de agosto deste ano, manteve a tendência das anteriores, impactada pela inflação e pelo aumento dos salários médios.
Já a queda nos preços decorreu de uma “procura abaixo das expectativas do mercado a jusante, do mercado final das rolhas e dos vedantes, que é o destino final de uma parte muito substancial da cortiça e também de grande parte do valor acrescentado que a fileira consegue gerar”, pormenoriza António Gonçalves Ferreira, em entrevista ao ECO.
A pressão de margens continua a fazer-se sentir. O movimento de descida de preço da cortiça em 2024 não foi suficiente para recuperar a rentabilidade da indústria.
Os preços médios caíram de 30 a 50 euros para uma amplitude de 25 a 40 euros por arroba, pressionados “essencialmente por uma menor procura pelas chamadas cortiças delgadas, que eram destinadas aos discos de champanhe e das rolhas técnicas, com um valor mais alto, [sendo] agora grande parte destinadas à granulação”. “Uma parte muito substancial da descida do preço tem a ver com esse fenómeno da aglomerização”, conclui.
Porém, esta descida não terá reflexos no bolso dos clientes das fábricas nacionais. Em declarações ao ECO, Paulo Américo Oliveira, presidente da Associação Portuguesa da Cortiça (APCOR), calcula que o preço médio tinha subido perto de 45% no acumulado das duas campanhas anteriores (2022 e 2023) e “na medida em que não foi possível aumentar os preços de venda dos produtos finais em igual dimensão, a pressão de margens na indústria continua a fazer-se sentir”. “O movimento de descida de preço da cortiça em 2024 não foi suficiente para recuperar a rentabilidade da indústria. Nesse sentido não antevemos redução do preço final dos produtos”, atesta o porta-voz da indústria.
“Encruzilhada” no vinho esvazia exportações
De acordo com os dados oficiais definitivos, este setor composto por mais de 800 empresas e que assegura cerca de 8.500 empregos diretos fechou o ano de 2023 com um valor de exportações de 1.211 milhões de euros, uma taxa de crescimento em valor quase nulo (0,1%). E este ano, até setembro, os números provisórios já libertados pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE) mostram um recuo de 7% nas vendas ao exterior face aos primeiros nove meses do ano passado, para 867 milhões de euros.
“Estes números são resultantes da atual conjuntura internacional complexa e de instabilidade política e económica, que impacta os consumos a nível global e as exportações de uma forma transversal a todos os setores. Para um setor que exporta mais de 90% da sua produção, os efeitos dessa instabilidade acabam por ser mais evidentes, ainda mais quando o mercado vinícola, nosso principal cliente, se encontra numa encruzilhada. (…) Menos vinho para engarrafar e comercializar equivale sempre a uma menor necessidade de rolhas, produto que representa mais de 70% das nossas exportações”, justifica Paulo Américo Oliveira.
E uma análise à tipologia de produto mostra precisamente que a quebra em valor está a ser mais significativa no segmento de rolhas, com valores próximos dos 9%, do que nas restantes aplicações da cortiça, em que as reduções de vendas rondam os 5%. Pela negativa, o também CEO da Amorim Florestal constata as perdas de “maior relevância” nos Estados Unidos e Espanha, ao passo que França e Itália deram “sinais de recuperação” no terceiro trimestre, ao caírem menos do que durante a primeira metade do ano (-4%) e a Alemanha a manter uma tendência de crescimento que se tem vindo a acentuar desde o primeiro trimestre do ano.
É neste cenário de perdas menos acentuadas face ao primeiro semestre que, a poucas semanas do fecho do exercício, assenta “alguma esperança” do sucessor do atual secretário de Estado da Economia, João Rui Ferreira, no cargo de presidente da APCOR. Espera que “a reta final do ano possa vir a abrir caminho para que 2025 marque a recuperação do ritmo de crescimento das exportações reportadas ao longo dos últimos anos”.
“Embora a situação menos auspiciosa no mundo dos vinhos continue claramente a afetar as nossas exportações, acreditamos que a cortiça continua a ser o vedante técnico por excelência e, simultaneamente, responde a todos os desafios que a sociedade e os consumidores dos nossos principais mercados valorizam cada vez mais, exigindo produtos verdadeiramente sustentáveis e ecologicamente eficientes”, confia Paulo Américo Oliveira.
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