PGR quer dados dos processos crime sob a sua alçada e não do Governo

Amadeu Guerra estreou-se como PGR na abertura do ano judicial e pediu uma revisão urgente para que os dados dos inquéritos do DCIAP e do DIAP deixem de estar na alçada do Ministério da Justiça.

“Coloquem-se à disposição do Ministério Público e dos órgãos de Polícia Criminal, que nos coadjuvam, todos os meios humanos, equipamentos, software de tratamento e análise de prova digital, meios técnicos, periciais (internos e externos) e, depois, peçam-nos responsabilidades.” As palavras são de Amadeu Guerra, Procurador-Geral da República desde outubro, que, esta segunda-feira, se estreou na abertura do ano judicial.

Hugo Amaral/ECO

Num discurso ‘fora da caixa’ e menos institucional face às suas antecessoras (Joana Marques Vidal e Lucília Gago), o novo titular da investigação criminal (e não só) falou da necessidade de uma Justiça mais célere e mais próxima dos cidadãos. Mas também pediu uma maior mobilização do Ministério Público no combate aos novos tipos de criminalidade, bem como a preservação do segredo de Justiça. E não deixou de referir “preocupação” pelos crimes de homicídio em contexto de violência doméstica, branqueamento de capitais, cibercriminalidade, criminalidade de gangues e a praticada por menores de 16 anos, assim como os crimes de terrorismo, tráfico de pessoas, auxílio à imigração ilegal e a criminalidade praticada contra pessoas vulneráveis, em particular os idosos e menores.

Mas Amadeu Guerra escolheu o que chamou de quatro “temas estruturantes”. São eles: a necessidade da autonomia dos meios financeiros da PGR, a situação dos dados dos inquéritos do DCIAP e dos vários DIAP estarem na alçada do Ministério da Justiça, a falta de magistrados e oficiais de Justiça e a estratégia do Ministério Público para o confisco de bens adquiridos como resultado de crimes.

Autonomia Financeira da Procuradoria-Geral da República

Amadeu Guerra começou por relembrar que Portugal é um país de poucos recursos e que já se foi habituando ao discurso de “fazer melhor com os recursos disponíveis”. “Ao sermos sempre confrontados com os atrasos e o pedido de responsabilidades – às quais não queremos fugir – dá-nos vontade de utilizar o discurso dos países ricos: coloquem-se à disposição do Ministério Público e dos Órgãos de Polícia Criminal, que nos coadjuvam, todos os meios humanos, equipamentos, software de tratamento e análise de prova digital, meios técnicos, periciais (internos e externos) e, depois, peçam-nos responsabilidades”, disse.

Referindo-se aos fundos recebidos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o líder do Ministério Público garantiu que “a Procuradoria-Geral da República não obteve ganhos significativos ao nível das tecnologias e sistemas de informação, dos quais está carenciada, não dispondo, sequer, de verba para assegurar a interoperabilidade dos seus sistemas com o CITIUS”.

Por isso, fez o alerta: “Dependemos da boa vontade dessas entidades, tuteladas pelo Ministério da Justiça, para podermos ter autonomia e calendarizar os nossos projetos. Ora é este estado de coisas que, em parte, afeta a autonomia dos tribunais que – não recebendo os meios destas entidades governamentais – ficam condicionados na concretização dos seus projetos, sem possibilidade de reverter as dificuldades que, sem razão aparente, lhe são colocadas.”

A autonomia financeira da Procuradoria-Geral da República está consagrada no Estatuto do Ministério Publico desde 2019, mas a concretização prática ainda não aconteceu. Apontando como exemplo o Conselho Superior da Magistratura (CSM) — dos juízes — Amadeu Guerra pediu que esta concretização da autonomia financeira da Procuradoria-Geral da República aconteça em 2026. Para permitir “ao Ministério Público gerir, de forma mais criteriosa, as verbas disponibilizadas, sem aumento de encargos para o erário público.

Hugo Amaral /ECO

Tratamento de dados pessoais dos inquéritos

O titular da investigação criminal queixou-se da falta de atenção do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ) — o organismo tutelado pelo Ministério da Justiça que trata dos sistemas informáticos dos tribunais: “Não tem demonstrado disponibilidade para integrar, no sistema CITIUS, qualquer aplicação vocacionada para o inquérito.”

Pelo contrário, “tem criado dificuldades que, neste momento, se traduzem numa situação, no mínimo, insólita: os inquéritos do DCIAP anteriores a junho de 2023 estão registados na aplicação que o DCIAP sempre utilizou (ainda instalada em servidor da PGR) e os inquéritos posteriores a junho de 2023 estão registados no CITIUS, sem qualquer controlo efetivo dos acessos aos dados ou auditoria técnica, por parte da PGR, relativamente ao acesso à informação registada”, denunciou.

Por isso, o PGR quer que os inquéritos do DCIAP e dos vários DIAP – com informação sensível e mediática – estejam sob o seu controlo e não sob o controlo do Ministério da Justiça. “É uma questão de princípio e não implica qualquer desconfiança concreta em relação às pessoas que ocupam cargos no Ministério da Justiça ou no IGFEJ”, adiantou.

Dirigindo-se em concreto ao Presidente da República — que vetou, em 26 de julho de 2019, o Decreto da Assembleia da República por considerar que a solução legal prevista não garantia a “não interferência nas áreas específicas de natureza jurisdicional e do Ministério Público, no exercício das suas funções e competências processuais” –, Amadeu Guerra diz esperar que o Governo garanta que é a Justiça (PGR, CSMP e CSM) que cabe a gestão destes dados, já que “nos termos da legislação de proteção de dados é o responsável pelo tratamento que define as formas de tratamento e não um mero subcontratante que, por acaso, está sob a dependência Governo”.

Não nos podemos conformar com a situação atual e queremos que os inquéritos do DCIAP e dos DIAP – com informação sensível e mediática – estejam sob o nosso controlo e não sob o controlo do IGFEJ, entidade dependente do Ministério da Justiça. É uma questão de princípio e não implica qualquer desconfiança concreta em relação às pessoas que ocupam cargos no Ministério da Justiça ou no IGFEJ.

Amadeu Guerra

Procurador-Geral da República

Carência de Magistrados e de Oficiais de Justiça

Há falta de magistrados – em particular para os próximos anos – onde se prevê um número elevado de jubilações mas há ainda um maior constrangimento que é “a carência de oficiais de Justiça, a falta de motivação destes, bem como a não aprovação e publicação de um Estatuto dos Oficiais de Justiça que contribua para melhorar o seu estatuto profissional e que, em particular, estabeleça mecanismos que permitam tornar a carreira mais aliciante e atrativa”, diz o PGR.

Que concretiza, dizendo que se verificou “ao nível dos inquéritos em geral e nos inquéritos de violência doméstica em particular – que, em alguns tribunais, havia uma quantidade significativa de inquéritos por autuar ou de despachos para cumprir”.

Mas “o mais preocupante é que nem o recente concurso de oficiais de justiça – que pretende colocar nos tribunais 750 pessoas – contribui para colmatar, ao nível do Ministério Público, as insuficiências sentidas”.

Desta feita, com a entrada de 750 oficiais de Justiça, mesmo que não haja desistências, faltam ainda “na Procuradoria-Geral Regional de Coimbra – 81 oficiais de Justiça e nas Procuradorias-Gerais Regionais de Évora e de Lisboa – 123 oficiais em cada uma e na Procuradoria-Geral Regional do Porto, 155 oficiais de justiça”.

Estratégia de Recuperação de Ativos

O PGR não deixou de falar na recentemente divulgada estratégia do Ministério Público em matéria de recuperação de ativos.

“Todos os magistrados do Ministério Público interiorizam a indispensabilidade de realizar uma investigação patrimonial e financeira tendente a confiscar, aos criminosos, as vantagens que obtiveram com a prática do crime. Só deste modo conseguiremos intervir, eficazmente, numa das principais (senão a principal) causas da corrupção e crimes conexos”, disse.

Amadeu Guerra conta com o apoio do diretor nacional da Polícia Judiciária, Luís Neves, “que se mostrou disponível e entusiasmado com a vontade de assegurar outra dinâmica ao GRA”, referindo-se ao Gabinete de Recuperação de Ativos.

Nomeadamente, dotá-lo de outros meios capazes de identificar, localizar, apreender e devolver aos cofres públicos, através do confisco, todos os benefícios económicos que os agentes do crime obtiveram. Mas não deixa de fazer o alerta: “Porém, para que este projeto tenha os resultados esperados é necessário reformular e conferir maior agilidade ao GAB. Volvidos mais de dez anos desde a criação destas entidades, será, eventualmente, este o momento certo para que se promova uma reflexão tendente a avaliar a necessidade de medidas estruturantes no domínio da organização e funcionamento destes gabinetes. Espera-se que o ano de 2025 seja a concretização destas nossas propostas, em benefício da boa administração Justiça e dos seus destinatários – os cidadãos”.

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