Presidência, Congresso e Supremo. Trump regressa à Casa Branca com poder absoluto

O 47º presidente dos EUA toma posse a 20 de janeiro e prepara um regresso "confortável" à Casa Branca. Próximos dois anos serão chave para a execução da agenda de Trump.

Não se antecipava que um regresso de Donald Trump à Casa Branca, quatro anos depois, coincidisse com um Supremo e um Congresso controlado pelos republicanos. Se por um lado, não estão previstos entraves no campo judicial, por outro, o controle na Câmara de Representantes e no Congresso – a chamada ‘trifecta governamental’ vai permitir que Donald Trump execute a sua agenda política sem espinhas durante pelo menos dois anos. Isto é, até às próximas eleições intercalares.

É uma situação extraordinária, e quase perigosa”, aponta Francisco Seixas da Costa ao ECO. “2025 vai ser um ano essencial. Quando chegarmos novembro já teremos visto muita coisa a acontecer”, diz ainda. Donald Trump toma posse a 20 de janeiro como o 47º presidente dos Estados Unidos.

Desde de que o sistema partidário moderno foi criado, em 1857, o governo dos EUA esteve unificado, isto é, sob a governação de um partido, só 48 vezes – 23 vezes sob o comando dos democratas e 25 sob o comando dos republicanos, segundo os dados oficiais.

As ‘trifectas’ podem ser a chave para o partido poder concretizar a sua agenda política de forma rápida e eficaz, e sem oposição. E com a ala democrata fragilizada, sem nenhum líder renovado à vista, não se espera que os primeiros dias de Trump na Casa Branca sejam complicados.

“O presidente vai ter uma margem muito forte de decisão que se vai expressar muito rapidamente num conjunto de ordens executivas, tal como Trump fez no seu primeiro mandato”, continua o embaixador em declarações ao ECO, realçando que estas serão visíveis sobretudo em questões políticas e económicas internas. “Vão cair em catadupa a partir do dia 20 [de janeiro]. E ao que tudo indica terão como objetivo reverter tanto quanto isso seja viável à luz da legislação aquilo que foi decidido por Joe Biden nos últimos quatro anos”, frisa.

Em sentido contrário, o controle republicano nos três poderes também pode desmascarar fragilidades caso os membros do partido não estejam alinhados com as vontades do presidente e não consigam aprovar medidas no Congresso. Sobretudo no que diz respeito ao papel dos Estados Unidos no mundo.

Já percebemos que muitos dos que foram eleitos para o Congresso não seguem, necessariamente, a mesma cartilha relativamente a Trump. Podem estar sintonizados com ele mas podem ter determinadas orientações e perspetivas diferentes”, diz Seixas da Costa.

Poderá ser o caso do novo líder republicano no Senado dos EUA, que foi reeleito mas não contou com o apoio de Trump. Ainda assim, e apesar de não ter tido o aval do presidente norte-americano, John Thune comprometeu-se a não dificultar a passagem das medidas mais emblemáticas, incluindo uma nova redução dos impostos e o financiamento da construção de um muro anti-imigração na fronteira com o México.

E mesmo que o Congresso consiga ir abrindo caminho para concretizar as promessas de Trump, sujeitam-se a ir contra a vontade do eleitorado, o que, consequentemente, aumenta as chances de uma reação negativa nas eleições intercalares seguintes.

“Em 2025, vão estar todos confortáveis. Só em 2026 é que podem começar a surgir sinais de um Senado ou Câmara de Representantes em rutura com o presidente devido ao calendário das eleições intercalares”, prevê Seixas da Costa.

O mesmo conforto será sentido no tribunal federal. O Supremo Tribunal dos Estados Unidos, responsável por avaliar as leis criadas pelo Congresso, é composto por nove juízes, dos quais seis são conservadores nomeados por republicanos e três deles por Donald Trump — Brett Kavanaugh, Amy Coney Barrett e Neil Gorsuch.

Os juízes têm mandato vitalício, o que significa que só podem ser destituídos por impeachment — o que nunca aconteceu. O mais comum é um juiz interromper o mandato por querer desfrutar da reforma o que permitiria ao presidente em funções nomear um substituto. Dos membros atuais do Supremo Tribunal, os dois mais velhos são ambos conversadores — Clarence Thomas e Samuel Alito -, nomeados por George Bush pai e filho, respetivamente.

Mas mesmo que a composição se mantenha, Trump não terá problemas no tribunal federal, sobretudo nos temas mais sociais. “Tudo o que diga respeito à agenda cultural, problemas de género, armamento, aborto — todas essas questões que podem ser julgadas e decididas em tribunal mas Trump está confortável também aí“, refere Seixas da Costa.

Maioria dos presidentes beneficiou de ‘trifecta’ governamental

Desde 1857, os três poderes dos Estados Unidos estiveram divididos apenas 38 vezes. Isto significa que a maioria dos governos eleitos beneficiou das três instituições controladas pelo próprio partido, pelo menos metade do mandato presidencial. O democrata Jimmy Carter foi o único presidente que conseguiu assegurar e manter o controlo do Congresso durante os quatro anos de mandato, entre 1977 a 1981.

Trump já beneficiou desta unificação na primeira metade dos seus quatro anos na Casa Branca. E agora, seis anos depois, volta a tirar partido desta composição, algo que facilitará o plano de ação nos primeiros 100 dias do mandato. Seja para avançar com a deportação em massa dos imigrantes não documentados – medida resultante de um controlo mais acérrimo da fronteira entre os Estados Unidos com o México; a retirada dos Estados Unidos de instituições internacionais como a Organização Mundial de Saúde ou da NATO; ou a anulação das políticas ambientais de Joe Biden, nomeadamente, os apoios fiscais ou o fim da exploração de combustíveis fósseis, que permitiria, em alternativa, alargar a aposta nas energias renováveis.

E, mesmo que a ‘trifecta’ se mantenha apenas por dois anos, é tempo suficiente para avançar com medidas significativas.

Por exemplo, em 2010, o antigo presidente Barack Obama adotou um dos maiores estímulos de emergência da história dos Estados Unidos, e fê-lo com um Senado unificado. Foram mais de 787 mil milhões de dólares com o objetivo de salvar a economia americana em queda. No ano seguinte, promulgou o Affordable Care Act, e depois disso o Senado deixou de ser unificado.

No caso de Trump, em 2017, o presidente promulgou uma revisão fiscal de 1,5 biliões de dólares, considerado pelo próprio como o “maior corte fiscal de sempre” nos Estados Unidos (rapidamente negado pelos fiscalistas) e promoveu uma reforma ao sistema penal e de justiça do país (First Step Act).

Já Joe Biden, que assumiu a presidência no pico da pandemia, em 2021, conseguiu ainda assim promulgar uma bazuca de 1,9 biliões de dólares para mitigar os impactos provocados pela crise da Covid-19. E no ano seguinte o Inflation Reduction Act, um diploma que autoriza 738 mil milhões de dólares em despesa e apoios de 391 mil milhões para a transição energética e climática.

Existe uma noção de que toda a ação de Trump no plano interno vai concentrar-se nestes dois anos. Até porque vai ter um impacto num ponto essencial da vida americana: o orçamento que é decidido no segundo semestre deste ano. Trump vai ter a vida facilitada mas não significa que a prazo as coisas não possam assumir contornos limitativos”, reforça Seixas da Costa.

E os democratas?

A derrota presidencial do passado dia 6 de novembro foi uma machadada para o partido democrata.

Depois de terem perdido o controlo do Senado e da Câmara dos Representantes, as hipóteses de um democrata renovar a liderança na Casa Branca foram enfraquecendo. E com um eleitorado cada vez mais extremado, nem a agenda do partido, ou a ideia de ter Kamala Harris como presidente, pareceu ser suficientemente atrativa.

“Os democratas têm de se reinventar”, recomenda Seixas da Costa, sublinhando que a orientação política do partido sofreu por tabela com os efeitos da globalização, “dentro e fora dos Estados Unidos”, diz.

As guerras culturais e de género – o chamado wokeismo – afastaram muitos eleitores e setores. A própria agenda Biden fez várias concessões a nível dos costumes e agenda cultural que afastou muita gente dos meios mais moderados”, sublinha. “Neste momento, ninguém lidera o partido. Há um vazio no campo democrático e tem de haver uma revisão da agenda política para se ultrapassar a derrota”, explica.

Com os poderes na mão e uma oposição fragilizada, Trump regressa à Casa Branca com caminho livre para se fazer ouvir, sem contestação política, legislativa ou judicial, uma realidade que pode pôr em causa a estabilidade da democracia no país que se diz ser o centro do mundo e a “terra dos livres”.

Aos olhos de Seixas da Costa, “Trump está a pôr em causa a matriz da força moral dos EUA: a ordem regulada, que deu origem às Nações Unidas”, não só pelo discurso que leva a cabo mas também pelo próprio perfil: além de ser o primeiro presidente condenado em tribunal, foi também um dos incitadores do ataque ao Capitólio, a 6 de janeiro de 2022. “Mas já ninguém se lembra disso”, lamenta o embaixador.

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