O que une e separa Governo e ANA no novo aeroporto em 8 pontos

O projeto agradou ao Governo, mas a forma de financiamento suscita "dúvidas substanciais". Veja onde as visões sobre o novo aeroporto de Lisboa coincidem e onde são dissonantes.

O Relatório Inicial da ANA sobre o novo aeroporto e a resposta do Governo expõem as primeiras diferenças entre as duas partes, as dúvidas que ficam por esclarecer, mas também os aspetos em que há concordância.

O documento da concessionária é ainda uma versão preliminar. Nos próximos meses estará em consulta pública, processo que ditará ajustes ao projeto, tal como a obrigatória Declaração de Impacto Ambiental. Até chegar à versão final, lá para 2029, haverá ainda um longo processo negocial com o Executivo.

Para já, são estes os pontos em que Governo e concessionária estão alinhados e onde não estão:

1. Layout do aeroporto

O Relatório Inicial dedica um grande número de páginas à explicação do projeto do futuro aeroporto Luís de Camões, que arrancará com duas pistas e capacidade para 45 milhões de passageiros por ano, podendo chegar a quatro pistas.

Na resposta enviada à ANA, o Governo não faz objeções e considera que “a concessionária deve avançar de acordo com a proposta preliminar de layout do aeroporto”, mas salvaguarda a faculdade de revisão do mesmo “caso as avaliações das entidades competentes assim o sugiram ou imponham”.

A concessionária sugere alterações face às “Especificações Mínimas” do novo aeroporto definidas no contrato de concessão, para as adequar à evolução significativa da indústria dos aeroportos e transporte aéreo. Na resposta, os ministérios das Infraestruturas e Finanças manifestam “disponibilidade para discutir as Especificações Mínimas”.

Plano diretor na fase de abertura.

A concessionária estima um prazo de construção de seis anos, de forma faseada, que é bem acolhido pelo Executivo. Ambos concordam com a necessidade de trabalhar para abreviar o prazo previsto para os procedimentos anteriores à construção. A data prevista para a abertura varia entre o final de 2036 e o segundo semestre de 2037.

2. Investimento necessário

A ANA estima que o desenvolvimento do projeto do novo aeroporto e a sua construção signifiquem um investimento de 8,5 mil milhões de euros, a preços de 2024.

O Governo considera que é necessário reduzir o valor total do investimento e critica a falta de informação a este respeito. “No que respeita à estimativa de custos, nomeadamente (mas não apenas) no que diz respeito ao detalhe do custo da infraestrutura e respetivos pressupostos, da sua calendarização e das necessidades de investimento ao longo do período de Concessão, o Concedente nota que a informação apresentada pela Concessionária é manifestamente insuficiente para permitir uma análise detalhada e obter conclusões informadas sobre a validade da referida estimativa“.

Faz também questão de deixar claro que, “em momento, algum se compromete com o valor de CAPEX total do projeto apresentado no Relatório Inicial e com os prazos associados”.

3. Quem paga o quê?

A ANA considera que a desminagem e descontaminação dos terrenos do Campo de Tiro de Alcochete deve ser suportada pelo Estado. O Governo concorda e garante que “entregará os terrenos livres de encargos relacionados com quaisquer trabalhos de desminagem e/ou descontaminação que se vislumbrem necessários“. A construção das infraestruturas e equipamentos da NAV – Navegação Aérea de Portugal e da Força Aérea também serão suportados pelo Estado.

Há, no entanto, também discordâncias, nomeadamente sobre quem deve assumir o custo de vários riscos, nomeadamente ambientais, como seja a adoção de medidas de mitigação. A concessionária considera que devem ficar do lado do Estado, mas o Governo contesta. “No que diz respeito ao risco e incertezas do projeto, notamos que a proposta de alocação dos riscos apresentada no Relatório Inicial se afigura desequilibrada a favor da Concessionária, não sendo clara a diferença entre risco e incerteza, nesta avaliação e alocação do risco”, diz a resposta à ANA.

Campo de Tiro da Força Aérea, em Alcochete, 06 de dezembro de 2023. ANTÓNIO COTRIM/LUSAANTÓNIO COTRIM/LUSA

4. Ausência de contribuição do Orçamento do Estado

A proposta de financiamento formulada pela ANA não inclui dinheiros públicos, indo ao encontro do que tem sido afirmado pelo Governo. “Notamos e saudamos a apresentação de uma proposta de financiamento que não prevê contribuição direta do Orçamento do Estado, demonstrando alinhamento com o Concedente a este respeito”, refere a resposta dos ministérios das Infraestruturas e Finanças.

5. Extensão da concessão e taxas

Para conseguir pagar a construção do novo aeroporto e manter a rentabilidade da concessão, a ANA propõe alargar a concessão por mais 30 anos, até 2092, e aumentar de forma significativa as taxas aeroportuárias anos longos dos próximos anos, começando já em 2026.

Além de notar a “total ausência de informação financeira detalhada” sobre a proposta apresentada pela ANA, o Governo respondeu que tem “dúvidas substanciais” sobre “os pressupostos subjacentes à necessidade de extensão da duração da Concessão por mais 30 anos” e o modelo de alteração das taxas aeroportuárias.

O Governo afirma que é sua intenção “minimizar o aumento de taxas e a extensão do prazo da concessão“.

6. Corporate finance ou project finance?

A ANA afirma no Relatório Inicial que o investimento de 8,5 mil milhões no novo aeroporto será financiado em 1,5 mil milhões de euros através de recursos próprios e 7 mil milhões com dívida bancária e nos mercados de capitais, numa lógica de financiamento da própria concessionária (corporate finance) e não de projeto (project finance), onde os prazos são mais longos.

O Governo quer saber o motivo desta opção. “Importará, rapidamente, esclarecer e fundamentar a utilização de um modelo corporate finance como modelo de financiamento deste projeto (…). Considerando a duração prevista do novo aeroporto (e da Concessão), e a necessidade de alinhar expetativas de custos e de receitas, não é possível retirar suficientes motivos para a exclusão de um modelo de project finance, que é a solução standard neste tipo de projetos”.

A Ponte 25 de Abril terá a “companhia” de uma nova travessia rodoferroviária.MIGUEL A. LOPES/LUSA

7. Acessibilidades

A ANA considera que o novo aeroporto “é um projeto de grande escala, cuja viabilidade depende de um programa alargado de infraestruturas que assegure a sua acessibilidade“. Nelas incluem-se a Terceira Travessia do Tejo, que envolve a Lusoponte, detida em 49,5% pela Vinci; um acesso ferroviário de alta velocidade e convencional; e uma rede rodoviária com ligação à autoestrada.

O Governo responde à ANA que “é de conhecimento público a existência de vários projetos que permitirão assegurar a acessibilidade (multimodal) ao novo aeroporto, os quais estão a ser desenvolvidos pelo concedente e outros parceiros (incluindo a concessionária)”.

A obrigação de construir as acessibilidades ao novo aeroporto está plasmada no contrato de concessão e o Governo assegura que irá cumprir e está disponível para “discutir com a concessionária a melhor forma de articular os referidos projetos, com o projeto do novo aeroporto”.

8. Articulação com a Comissão Europeia

Para garantir a segurança jurídica do desenvolvimento do novo aeroporto, a ANA pede ao Governo a “obtenção de uma decisão da Comissão Europeia que confirme que eventuais contrapartidas concedidas à ANA pela execução do novo aeroporto de Lisboa não constituem auxílios de estado nos termos da legislação europeia ou constituem auxílios de estado compatíveis”. Defende mesmo que a notificação a Bruxelas, mesmo não sendo considerada obrigatória, seja feita a título voluntário.

O Executivo está alinhado com a ANA, concordando com “a necessidade de assegurar articulação com a Comissão Europeia, em matéria de concorrência e auxílios de Estado”. Reforça ainda a necessidade do “estrito cumprimento com a
legislação ambiental”, em particular, no que toca ao regime da avaliação de impacto ambiental.

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