Lei dos solos entra em vigor… a prestações

A lei dos solos entra em vigor esta quarta-feira, mas há propostas de alteração do PS que vão ser agora negociadas com o Governo. O resultado da negociação parlamentar será incluído posteriormente.

A lei dos solos entra em vigor esta quarta-feira, mas já se sabe que será alterada no Parlamento, em sede de comissão na especialidade, mudanças que serão introduzidas posteriormente na lei. Neste hiato temporal, os promotores poderão aproveitar para realizar operações urbanísticas antes de serem negociadas as mudanças legislativas que serão negociadas entre o Governo e o PS. Entre os especialistas ouvidos pelo ECO, uns antecipam uma “onda de operações”, mas outros consideram que “os momentos de instabilidade ou de incerteza legislativa tendem a contrair os operadores económicos”.

O Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, vulgarizado como lei dos solos, conseguiu escapar a uma revogação proposta pelo BE, PCP, Livre e PAN, porque o Governo aceitou acolher as propostas de alteração sugeridas pelo Partido Socialista. Mas não é certo quanto tempo este processo vai levar.

“Em geral, não há um prazo fixo para a conclusão da negociação destas alterações na especialidade, pois depende da complexidade do decreto-lei, do número de propostas de alteração e da urgência do assunto”, sublinhou Ana Borges. A associada sénior do departamento de Direito Imobiliário e Urbanismo da Antas da Cunha Ecija reconhece que não há nada na lei que impeça que haja várias operações antes que as alterações a ser negociadas entrem em vigor, mas considera que não há tempo útil para os promotores terem “uma situação jurídica dita ‘protegida’”.

“Da parte dos particulares, pode existir o “desejo” de aproveitar rapidamente este contexto da legislação. Contudo, como a mesma irá sofrer as alterações, já propostas/antecipadas pelo PS e aceites pelo PSD, muito provavelmente os autarcas – dependendo naturalmente do município e da parcela rústica que temos como objeto de apreciação – irão ponderar os pedidos e eventuais propostas que podem levar a apreciação da câmara para posterior submissão à Assembleia Municipal respetiva”, defende Ana Borges. “Por outro lado, o promotor/particular terá de ter especial atenção às necessidades de infraestruturação para poder construir posteriormente, bem como ao facto da exigência prévia de delimitação de uma Unidade e Execução”, acrescenta.

“Enquanto o Dec. Lei 117/2024 não for alterado na especialidade, abre-se uma janela de oportunidade para a realização de operações urbanísticas de acordo com os critérios já estabelecidos, o que motivará uma onda de operações”, diz taxativo Luís Couto, sócio fundador da SPCB Legal.

Enquanto o Dec. Lei 117/2024 não for alterado na especialidade, abre-se uma janela de oportunidade para a realização de operações urbanísticas de acordo com os critérios já estabelecidos, o que motivar uma onda de operações.

Luís Couto

Sócio fundador da SPCB Legal

Paulo de Jesus Correia, managing partner da Santiago Mediano, reconhece que o aproveitamento “é possível”, mas “o desconforto que isso iria gerar nas administrações municipais poderia ser muito contraproducente para novos projetos”. Além disso, o advogado recorda que é sabido como “o legislador vai regular a vacacio legis, ou seja, o momento da entrada em vigor das alterações, mas por razões legais mas também pela complexidade prática da instrução e submissão destes processos, não há grande margem para aproveitamento desta janela em que vai vigorar o regime original”.

“Os momentos de instabilidade ou de incerteza legislativa tendem a contrair os operadores económicos, que procurem estabilidade e previsibilidade nos seus investimentos”, acrescenta Bruno Sampaio. O associado sénior da Paxlegal reconhece contudo que “é natural que os promotores ou proprietários se antecipem na expectativa de evitarem restrições ou limitações que venham a ser aprovadas na especialidade, o que pode levar a um aumento operações nesta fase inicial”.

Os especialistas jurídicos ouvidos, apesar de aplaudirem o esforço de garantir transparência e fiscalização eficaz, alertam para o aumento da burocracia. “É crucial para evitar desvios ou abusos, como casos que têm vindo a público e têm gerado uma descrença neste tipo de medidas, por serem associadas a um aproveitamento económico ilícito para alguns agentes”, diz Bruno Sampaio. As suspeitas que recaem sobre Hernâni Dias apenas adensam o clima de suspeição.

O antigo autarca de Bragança, que estava a ser investigado pela Procuradoria Europeia e era suspeito de ter recebido contrapartidas, acabou por se demitir de secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território quando a estas suspeitas se somou a notícia de que criou duas empresas que podem vir a beneficiar com a nova lei dos solos, sendo que era o secretário de Estado do Ministério da Coesão encarregue destas alterações.

É crucial para evitar desvios ou abusos, como casos que têm vindo a público e têm gerado uma descrença neste tipo de medidas, por serem associadas a um aproveitamento económico ilícito para alguns agentes.

Bruno Sampaio

Associado sénior da Paxlegal

A passagem de um solo rústico a urbano é decidia pelo autarca da região em causa, mas também pela assembleia municipal. Um passo que o Executivo considera ser garante de independência na decisão. Ainda assim, uma das propostas de alteração do PS tem por objetivo introduzir “mais um nível de avaliação e escrutínio, com parecer da CCDR nos projetos em solo que não seja exclusivamente público”. E eliminar a possibilidade de a mudança ser “fundamentada num parecer técnico de uma entidade contratada com competência técnica” e ser assegurada apenas com um parecer técnico dos serviços municipais.

“Este tipo de instrumentos, na prática, representa riscos de burocracia acrescida que podem atrasar ainda mais a aprovação de novos projetos, principalmente quando contendam com instrumentos de gestão territorial”, frisa Bruno Sampaio.

“Temos dúvidas sobre a introdução de nova burocracia e de novos pareceres como elemento deste processo. Esta nova alocação de solos corre o risco de acabar encalhada na administração pública que tem uma dificuldade extrema em tomar decisões em tempo útil”, corrobora Paulo de Jesus Correia.

Esta nova alocação de solos corre o risco de acabar encalhada na administração pública que tem uma dificuldade extrema em tomar decisões em tempo útil.

Paulo de Jesus Correia

Managing partner da Santiago Mediano e Associados

A grande alteração do diploma é, contudo, a substituição do conceito a preços moderados por preços controlados ou arrendamento acessível. Todos os especialistas são unânimes em reconhecer que a solução proposta pelo PS é a “mais eficiente na contenção dos preços da habitação”, porque tem em conta os custos dos promotores e os rendimentos dos cidadãos.

A definição de habitação a custos controlados está estabelecida por Portaria. Essa definição é realizada por recurso a vários critérios objetivos como a área bruta, custos de construção e coeficientes regionais. O conceito de valor moderado recorre a critérios de mercados, designadamente a “mediania de preço de venda por metro quadrado”, o que, além de determinar custo final dos imóveis mais altos, face a inflação do mercado, introduz alguma subjetividade da sua determinação”, explica Luís Couto.

“A habitação a custos controlados possui custos de construção e preços de venda que são determinados por portaria, muitas vezes acompanhados de apoios públicos e/ou benefícios fiscais. Parece-me ser uma forma de fixação de preço mais certa e acessível que o recurso à fixação do valor por m2 com base na mediana nacional, limitado a 125% da mediana do concelho, até um máximo de 225% da mediana nacional”, corrobora Ana Borges.

A habitação a custos controlados possui custos de construção e preços de venda que são determinados por portaria, muitas vezes acompanhados de apoios públicos e/ou benefícios fiscais, parece-me ser uma forma de fixação de preço mais certa e acessível.

Ana Borges

Associada sénior do departamento de Direito Imobiliário e Urbanismo da Antas da Cunha Ecija

Na mesa das negociações está ainda a introdução de um limite temporal à lei de três anos, para traduzir o caráter excecional do diploma, que podem ser prorrogados depois de avaliados os efeitos da lei. Mas também a obrigatoriedade de que as obras sejam feitas no máximo em três anos e não cinco como está prevista na redação atual. E, se for necessário prorrogar, o prazo seja até quatro anos e meio.

O PS quer ainda assegurar a “contiguidade” e evitar o desordenamento do território. O Governo entendia que era difícil definir o que é contiguidade de um solo urbano. “Na casa ao lado, do outro lado da rua, a 100 metros?”, questionava Castro Almeida no Parlamento. A opção foi retirar o termo e usar “um conceito mais urbanístico: assegurar a consolidação da aglomeração urbana, com coerência”. Ou seja, “evitar a pulverização”.

Mas o PS quer a expressão de volta e quer ainda que a reconversão seja apenas possível quando o solo seja destinado a habitação ou “usos complementares” e não à construção de infraestruturas “conexas à finalidade habitacional”. Castro Almeida explicou que nesta categoria caberia a farmácia, a lavandaria ou a mercearia.

“Os dois partidos, PS e PSD, curiosamente têm razão nas suas posições, o que não deixa de ser curioso”, avalia Paulo de Jesus Correia. “É verdade, como diz o PS, que as alterações preconizadas pelo Governo, em teoria descuram temas de urbanismo e facilitam processos menos claros. Mas foram as medidas que durante anos procuraram fazer um micro controlo da construção que nos conduziram à situação dramática em que nos encontramos. Simplesmente não é possível a um casal de classe media comprar casa ou viver na sua cidade. Temos de decidir e priorizar o que queremos”, conclui.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Lei dos solos entra em vigor… a prestações

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião