Braço de ferro de Centeno com os bancos em cinco gráficos
Juros baixos nos depósitos a prazo geram tensão entre governador do Banco de Portugal e os banqueiros nacionais. Conheça os argumentos de Mário Centeno e dos bancos que sustentam a situação atual.
Os banqueiros levaram um novo puxão de orelhas do governador do Banco de Portugal por causa da baixa remuneração dos depósitos. Mário Centeno considera que a “diferença significativa” entre os juros que os bancos recebem do banco central e os juros que pagam aos depositantes “não é muito compreensível” e que isso põe em causa o “contrato social” da banca com os portugueses.
Os bancos tinham 33 mil milhões de euros depositados junto do Banco de Portugal em fevereiro a renderem uma taxa de juro de 2,75%, mas só ofereciam cerca de 2% pelos novos depósitos das famílias. Estes cinco gráficos ajudam a perceber o “braço de ferro” entre Centeno e os bancos.
Inércia das famílias fomenta fraca competitividade dos depósitos
Os portugueses são muitas vezes acusados de inércia no que se refere à gestão do seu dinheiro. Porém, a evolução dos depósitos ao longo dos últimos 20 anos até ao início do ano de 2024, prova justamente o contrário.
Segundo dados do Banco de Portugal, sempre que as taxas de remuneração dos depósitos aumentaram, também se assistiu a um crescimento do montante de novos depósitos. Essa reação foi também assistida com o movimento inverso, com o volume dos novos depósitos a cair sempre que os bancos cortaram a taxa de remuneração dos depósitos.
Porém, essa máxima foi interrompida no final de 2023, com o volume dos novos depósitos a aumentar, apesar da taxa de remuneração dos depósitos estar em queda. Essa realidade foi particularmente notada em abril de 2024, quando a taxa média de remuneração dos depósitos caiu pelo quarto mês consecutivo para 2,75%, e o montante dos novos depósitos disparou 38,3%. A mesma reação voltou a notar-se em julho, com a taxa de juro média dos depósitos a acumular o sétimo mês de queda, e os novos montantes de depósitos a subir 25%.
Este comportamento dos aforradores nacionais ao longo do último ano mostra que o volume aplicado em depósitos a prazo apresenta pouca ou nenhuma elasticidade face à evolução da taxa de juro, com os novos montantes aplicados a crescerem numa base quase mensal apesar das taxas de juro continuarem a cair. A leitura que os bancos retiram deste comportamento é que não têm qualquer razão comercial para elevarem a remuneração dos depósitos porque os depósitos continuam a subir, mesmo com a banca a pagar cada vez menos pelas poupanças das famílias.
Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir o gráfico.
Bancos têm margem para subir juros dos depósitos?
A situação atrás descrita levou a um disparo na margem financeira dos bancos nos últimos anos. Entre os juros cobrados nos empréstimos e os juros pagos nos depósitos, os principais bancos em Portugal obtiveram receitas na ordem dos 10 mil milhões de euros por ano nos últimos dois anos, mais do dobro do que conseguiam gerar nos anos anteriores.
Estes números refletem não só o impacto da subida galopante das Euribor nos contratos de empréstimo à habitação, que se traduziu num agravamento acentuado da prestação da casa para milhares de famílias, mas também a moderação (muito criticada pelo governador do Banco de Portugal) com que os bancos remuneraram os depósitos. Tinham margem para oferecer mais aos depositantes?
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Lentidão a subir taxas e rapidez em cortar na remuneração
Os bancos nacionais têm mostrado uma política comercial distinta na remuneração dos depósitos bancários, consoante a evolução da política monetária do Banco Central Europeu (BCE). Isso é particularmente visível nos últimos três anos, um período marcado por uma subida rompante das taxas do BCE para valores históricos, e desde junho num movimento inverso.
Além de há largos anos a banca nacional pagar menos pelas poupanças das famílias que a média da banca europeia, nos últimos três anos tem-se assistido a um comportamento sui generis. Desde 2022 que os bancos nacionais se têm mostrado mais lentos e mais regrados a subir as taxas dos depósitos em comparação com a média dos bancos da Zona Euro em períodos de subida das taxas Euribor e das taxas do BCE, mas mais lentos e mais agressivos a cortar a remuneração dos depósitos que os seus pares europeus quando o BCE decide cortar a taxa de juro de facilidade de depósitos.
Este comportamento esbate no movimento oposto verificado entre 2010 e 2014, marcado pela presença da troika em Portugal e por um período particularmente complicado para a banca.
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Abundância de liquidez tira incentivo aos bancos
Os banqueiros defendem-se das críticas argumentando, entre outros pontos, que dispõem de uma elevada liquidez, não precisam de captar mais depósitos para o negócio que têm atualmente e, nesse sentido, não têm incentivos para melhorar a remuneração das poupanças. E os números dão-lhes razão neste aspeto.
O rácio de transformação de depósitos em crédito encontra-se no valor mais baixo desde que há registos, tendo atingido os 75% em setembro do ano passado. Isto significa que por cada 100 euros de depósitos, os bancos só emprestam 75 euros, sendo que 25 euros não estão a ser aplicados na economia.
Durante a crise da dívida de 2011 o setor vivia um cenário diferente: o rácio de transformação superava os 150%, o que forçou os bancos a oferecer taxas de juro aos depositantes mais interessantes do que atualmente.
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Depósitos sem concorrência à altura
O mercado nacional está longe de oferecer alternativas viáveis aos depósitos a prazo. Isso é visível pela contínua subida do stock de depósitos, apesar da taxa de remuneração estar em queda. Mas não só.
A falta de concorrência aos depósitos tornou-se ainda mais evidente a partir de junho de 2023, quando o Governo decidiu extinguir a anterior série de Certificados de Aforro (Série E), que tinha uma taxa base de 3,5%, e colocou no mercado uma nova série menos rentável (Série F), que tem uma taxa base de 2,5%.
Essa situação fez-me imediatamente sentir no mercado, com as famílias a voltarem a apostar nos depósitos a prazo em função dos Certificados de Aforro, invertendo assim um movimento contrário que era notado desde maio de 2022. Esta situação retirou ainda mais a pressão aos bancos para remunerarem melhor os depósitos, porque desde então a concorrência esmoreceu significativamente.
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