Seis desafios do próximo governador do Banco de Portugal
Com o sistema financeiro normalizado, o mandato do sucessor de Mário Centeno poderá ser o mais tranquilo desde a crise financeira. Mas o próximo governador terá desafios pela frente.
O mandato do próximo governador do Banco de Portugal poderá ser o mais tranquilo desde a crise do subprime, em 2008. Ainda assim, não se espera uma vida fácil para o sucessor de Mário Centeno — que tomou posse há cinco anos, termina formalmente este sábado o seu mandato, e está agora de saída. Ainda não se sabe qual será a escolha do primeiro-ministro, sabe-se que Ricardo Reis e Vítor Gaspar declinaram os convites, mas é possível identificar o que aí vem. Dos riscos da baixa inflação à guerra comercial, estes são os principais trabalhos que o novo líder do supervisor financeiro terá pela frente.
Baixa inflação volta a ameaçar
Após a escalada dos preços nos últimos anos, a Zona Euro está novamente sob a ameaça da baixa inflação que pairou sob a região na década passada. E o discurso no seio do Banco Central Europeu (BCE), onde o governador do Banco de Portugal tem assento, já está a mudar.
O próprio Mário Centeno já deixou os avisos. “Se o crescimento económico for fraco nos próximos dois trimestres, se o investimento não aumentar e se a inflação se mantiver próxima de 1%, teremos de fazer alguma coisa”, disse o governador português, sinalizando que o banco central poderá acelerar o ritmo de cortes nas taxas de juro se a economia não mostrar sinais de recuperação.
Centeno não está sozinho. Olli Rehn, governador do Banco Central da Finlândia e colega do português no conselho do BCE, também advertiu para o risco de a “inflação ficar abaixo da meta por um período prolongado”.
A inflação na Zona Euro fixou-se nos 2% em junho, segundo dados do Eurostat publicados esta quinta-feira. O BCE está a projetar uma redução para 1,6% em 2026, antes de regressar aos 2% em 2027. Ainda assim, a inflação subjacente — a que o banco central tem particularmente em conta — deverá permanecer abaixo dos 2% nos próximos dois anos. E a economia da região, embora acelerando ligeiramente, não irá além de taxas de crescimento de 1,1% e 1,3% em 2026 e 2027.
Riscos financeiros aumentaram com guerras, incluindo comercial
Uma guerra às portas da Europa com a agressão russa à Ucrânia sem fim à vista. Forte instabilidade no Médio Oriente com os ataques de Israel na Faixa de Gaza e a relação tensa com o Irão. Trump a ameaçar constantemente os seus parceiros comerciais com tarifas que poderão colocar um travão na economia global.
Este ‘cocktail’ levou o Fundo Monetário Internacional (FMI) a considerar que os riscos para a estabilidade financeira “aumentaram significativamente” nos últimos meses. Para o Fundo, o clima de enorme incerteza geopolítica está a provocar uma forte volatilidade nos mercados financeiros — como se observou em abril, quando o Presidente dos EUA anunciou as tarifas recíprocas — e o risco de correção dos preços dos ativos pode deixar as instituições financeiras sob enorme stress.
Neste quadro, o FMI recomendou um reforço da vigilância da parte das autoridades, incluindo com responsabilidade de supervisão prudencial, para mitigar os riscos.
Quando é que o Banco de Portugal volta aos lucros?
A política monetária do BCE teve impacto nas contas do Banco de Portugal (e dos outros bancos centrais) nos últimos anos. Em 2023 e 2024, a instituição registou prejuízos operacionais de mais de 2 mil milhões de euros, obrigando a utilizar as reservas para evitar resultados líquidos negativos. O banco ainda conta com uma almofada financeira de 1,7 mil milhões de euros, que deverão ser suficientes para cobrir perdas no futuro.
Centeno já avisou o Governo para não esperar dividendos tão cedo — como aconteceu no passado. Em 2025 os resultados ainda vão continuar sob pressão, mas deverão regressar a terreno positivo em 2026. O Banco de Portugal vai querer repor a sua reserva que antes dos prejuízos estava nos 3,9 mil milhões.
Juros baixos começam a tirar lucros à banca
Depois de um período de resultados elevados, por conta da subida das taxas de juro, a inversão da política monetária do BCE iniciada no verão passado já está a condicionar os lucros dos bancos. E a expectativa é a de que nos próximos anos a rentabilidade das instituições financeiras continue em queda perante a contração da margem financeira.
O Banco de Portugal já avisou os banqueiros que devem ser inteligentes na forma como vão investir os resultados obtidos nos tempos de bonança. Pediu ainda aos bancos para reforçarem as suas almofadas financeiras para fazerem face a eventuais dificuldades no futuro.
O setor está a contar com o ajustamento realizado nos últimos anos para manter os custos controlados e esperam que o aumento da procura de crédito ajude mitigar o impacto da redução dos juros na margem financeira.
Consolidação na banca portuguesa ainda não acabou
O Abanca comprou o Eurobic a Isabel dos Santos e outros acionistas angolanos. O Novobanco foi finalmente vendido pela Lone Star aos franceses do Groupe BPCE. O setor financeiro entrou definitivamente numa nova era de normalização, depois da última década trágica, mas o processo de consolidação na banca não terminou. Há várias mudanças em perspetiva nas instituições mais pequenas.
O Banco de Portugal ainda tem de decidir se os chineses do VCredit podem comprar o Banco Português de Gestão (BPG), num negócio avaliado em cerca de 30 milhões de euros. Ou se a fintech francesa Rauva pode adquirir a licença bancária do BEM ao Banco Montepio.
Outros bancos também estão à procura de novos donos, como o Banco Carregosa e o BNI Europa. E não se sabe se o movimento de consolidação na Europa — que o BCE deseja — poderá voltar a Portugal.
Como ficam os criptoativos?
A entrada em vigor do MiCA deixou o setor dos criptoativos ‘órfão’ de uma autoridade em Portugal para autorizar novos operadores. Desde o início do ano, o Banco de Portugal deixou de estar habilitado a receber e apreciar pedidos para o exercício de atividade por falta de um diploma nacional de execução do novo regulamento europeu.
Esse diploma está nas mãos do Ministério das Finanças e está pronto a ir a Conselho de Ministros. Não se perspetivam mudanças no que toca à autoridade responsável pelas licenças aos chamados VASPs (prestador de serviços de ativos virtuais). Ao que tudo indica, o Banco de Portugal deverá manter essa função.
Falta ainda atribuir as responsabilidades de supervisão. Quem fica com a supervisão prudencial? E comportamental? Também aqui não deverá haver surpresas, prevendo-se que se mantenha a atual lógica da supervisão financeira.
Certo é que as regras europeias tardam em chegar a um mercado que está a ter um forte impulso do outro lado do Atlântico.
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