Trabalha por conta própria? É isto que pode mudar com a reforma da lei laboral
Governo quer que só trabalhadores independentes com 80% da sua atividade numa única entidade sejam considerados economicamente dependentes. Neste momento, fasquia está nos 50%.
A reforma da lei do trabalho proposta pelo Governo não vai ter impacto apenas na vida de quem é trabalhador por conta de outrem. Há também mudanças na calha no que diz respeito ao trabalho independente, nomeadamente a subida da fasquia a partir da qual se considera que há dependência económica.
Em declarações ao ECO, o presidente da Associação Nacional de Profissionais Liberais (ANPL), João Ascenso, defende que há que aproveitar esta reforma para criar um estatuto próprio para este tipo de profissionais e alerta que se está a perder a oportunidade de discutir também a proteção social de quem trabalha por conta própria.

Comecemos pelas mudanças que estão à espreita. Em julho, o Governo aprovou em Conselho de Ministros e apresentou na Concertação Social um anteprojeto que procede a mais de 100 alterações ao Código do Trabalho.
Nas quase 60 páginas que a ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, partilhou com as confederações empresariais e as centrais sindicais, um dos primeiros temas a ser abordado é o trabalho independente, com o Governo a querer fazer subir a fasquia a partir da qual se considera haver dependência económica.
Hoje, está estabelecido que um trabalhador independente só é considerado economicamente dependente quando, pelo menos, 50% da sua atividade está ligada a um único beneficiário. O anteprojeto em discussão prevê, contudo, que se passe a considerar que há dependência económica sempre que o prestador de trabalhado obtenha 80% do seu rendimento anual de um único beneficiário.
Esta mudança merece atenção porque: por um lado, reduz o universo de falsos recibos verdes a que a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) está potencialmente atenta; Por outro, só os trabalhadores economicamente dependentes têm direito a representação por associações sindicais; E ainda, por outro lado, só os trabalhadores em dependência económica têm acesso, por exemplo, ao subsídio por cessação de atividade.
O anteprojeto apresentado na Concertação Social põe em cima da mesa também mudanças na calha no que diz respeito à representação e negociação coletiva dos trabalhadores independentes.
Continua a estar previsto que os trabalhadores em situação de dependência económica têm direito à representação dos seus interesses socioprofissionais por uma associação sindical, incluindo a negociação de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, mas simplifica-se a redação.
Além disso, o Governo propõe que a aplicação do regime de trabalhadores independentes com dependência económica depende não apenas de comunicação dirigida pelo prestador ao beneficiário da atividade (como já hoje acontece), mas de comunicação ao serviço competente da Segurança Social.
Profissionais sociais em “desproteção social”

Confrontado com estas várias mudanças, o presidente da Associação Nacional de Profissionais Liberais salienta que “é infeliz” avançar com esta reforma, sem fazer, a par, um debate sobre a proteção social dos trabalhadores independentes.
“Os profissionais liberais estão em situação de desproteção social. Na prática, têm muita dificuldade em aceder a esses direitos, porque foram feitos a pensar num contrato de trabalho”, argumenta.
Em conversa com o ECO, João Ascenso afirma que é preciso que estes trabalhadores sintam que as suas contribuições têm reflexo na sua proteção social.
O responsável defende que seja criado um estatuto específico para os profissionais liberais, que deixe claro a separação entre quem passa recibos verdes por apreciar a flexibilidade e autonomia e quem está na situação de falso recibo verde.
É que hoje o critério central dessa separação é a atividade prestada ao beneficiário (a tal fasquia já menciona), mas o presidente da ANPL sugere que seja tida em conta também o nível de qualificação do prestador, o seu rendimento e o histórico profissional.
Faz-se uma reforma sem pensar nas várias formas de trabalho. Pensa-se muito nos trabalhadores dependentes, sendo certo que há vínculos muito diferentes, como é o caso dos prestadores de serviços.
“A situação dos falsos recibos verdes e da precariedade é algo que tem de ser combatido“, assegura. Mas frisa que há também que deixar espaço para quem quer ser, por livre escolha, trabalhador independente.
“Faz-se uma reforma sem pensar nas várias formas de trabalho. Pensa-se muito nos trabalhadores dependentes, sendo certo que há vínculos muito diferentes, como é o caso dos prestadores de serviços“, acrescenta ainda João Ascenso.
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