Exclusivo Venda da Unbabel por “valor relativamente baixo” gerou “perda total” para muitos investidores

Com perspetivas "pouco animadoras" e uma queda de 50% no volume de negócios, Unbabel foi vendida por "um valor relativamente baixo". Alguns investidores perderam tudo.

A Unbabel foi vendida em agosto à norte-americana TransPerfectD.R.

A venda da Unbabel à norte-americana TransPerfect foi justificada pelo seu fundador com a necessidade de “encontrar um parceiro” que permitisse à startup “escalar muito mais rápido”. A operação foi ainda apresentada como “um sucesso”, com Vasco Pedro a declarar-se “muito contente com o outcome”. No entanto, a transação ocorreu por “um valor relativamente baixo” e gerou uma “perda total” para alguns investidores, apurou o ECO junto de fontes familiarizadas com o negócio.

Pelo menos desde junho que as perspetivas da Unbabel eram vistas como “pouco animadoras”, depois de o volume de negócios da startup ter afundado quase 50% no espaço de um ano, segundo dados a que o ECO teve acesso. Apesar de ser vista publicamente como uma das startups tecnológicas mais promissoras do país, e de ter tido o mérito de ser a primeira startup a integrar a conceituada incubadora norte-americana Y Combinator, a Unbabel estava a perder clientes ao longo do último ano, substituída por “soluções de IA generativa sem intervenção humana” que, por esse mesmo motivo, são “muito mais baratas”, disse fonte conhecedora da situação.

Neste contexto, “nem todos perderam tudo”, mas, para muitos investidores, a venda da Unbabel à TransPerfect representou uma “perda total” dos montantes investidos. Foi o caso da Explorer Investments, que gere vários fundos que investiram um total de quatro milhões de euros na Unbabel desde 2023.

No passado dia 11 de setembro, António Rocha e Silva, partner da Explorer, enviou um email aos clientes, a que o ECO teve acesso, anunciando o write off dos investimentos aplicados na Unbabel: “Conforme temos vindo a mencionar, e também em virtude das notícias recentes relativamente à venda da Unbabel, gostaríamos de transmitir que, conforme já tinha sido antecipado desde maio, não tendo conseguido levantar a ronda de investimento necessária para cobrir as perdas, a empresa acabou por ser vendida à americana TransPerfect, mantendo assim grande parte dos postos de trabalho. Refira-se, contudo, que o valor da venda não permitiu qualquer encaixe a nenhum dos investidores.”

No mesmo email, o partner da Explorer recordou ainda que “a empresa era suportada” por fundos de capital de risco americanos, como Point72, Scale e Notion, entre outros. O gestor recordou também que este tipo de investimentos pressupõe um risco mais elevado para o capital investido do que empresas mais maduras e “com baixo risco”: “Relembramos que este investimento faz parte da estratégia de investimento em Venture Capital que tinha sido definida desde o início, que, apesar do maior risco inerente, tem um peso e impacto muito reduzidos”, tranquilizou o gestor.

Contactada pelo ECO, fonte oficial da Explorer Investments respondeu, já depois da publicação desta notícia, que “o investimento na Unbabel foi realizado numa fase de fulgor e crescimento da empresa, com a sua tecnologia a ser reconhecida globalmente como uma das líderes no setor de tradução”. “Apesar do momento positivo e das perspetivas favoráveis, a Explorer optou por manter uma exposição limitada à Unbabel, aproximadamente 2.5% por fundo, sendo um dos investidores menores na ronda, detendo menos de 3% da empresa, refletindo a nossa abordagem conservadora de gestão de risco”, avança.

“Este investimento integra a estratégia dos fundos Growth, que aloca uma parte reduzida do capital do Fundo a empresas de elevado potencial e risco. Assim, o impacto da Unbabel na performance geral do fundo será bastante reduzido, sendo esperado que seja amplamente compensado pelas valorizações observadas em outros investimentos”, sublinha também fonte oficial da Explorer Investments.

O ECO não conseguiu apurar o motivo pelo qual alguns investidores não terão sofrido perdas totais, o que poderá estar relacionado com diferentes classes de ações e o tipo de investimento realizado, de acordo com uma fonte. Apesar da tentativa através da agência de comunicação da Unbabel, a The Square, não foi possível chegar à fala com Vasco Pedro, fundador da empresa, que estará fora do país.

O valor da venda não permitiu qualquer encaixe a nenhum dos investidores.

António Rocha e Silva

Partner da Explorer Investments

Exit ou resgate?

Os principais indicadores financeiros da Unbabel expõem uma situação em que a venda se assemelha mais a um resgate do que ao exit anunciado — expressão normalmente usada no ecossistema quando os fundadores vendem uma empresa, encaixando somas avultadas. Mais ainda porque a empresa foi incapaz de fechar a ronda de capital que estava a preparar, após a desistência de um dos investidores, o que precipitou este desfecho: a absorção da Unbabel por um gigante mundial das traduções.

Entre junho de 2024 e junho de 2025, o volume de negócios da Unbabel afundou 45,6%, para 8,541 milhões de euros, depois de vários clientes terem prescindo dos produtos da startup por ferramentas de tradução mais simples alavancadas em inteligência artificial (IA).

Além disso, há pelo menos quatro trimestres que a Unbabel mantinha um resultado operacional (EBITDA) negativo, que chegou a ser superior a 12,5 milhões de euros no último trimestre de 2024, tendo-se desagravado para -4,341 milhões no final de junho deste ano, depois de um processo de reestruturação levado a cabo no início do ano, segundo informações obtidas pelo ECO.

Vasco Pedro, fundador e CEO da Unbabel, em entrevista ao ECO - 15NOV23
Vasco Pedro, fundador e CEO da Unbabel, deverá continuar na empresa durante um período de transiçãoHugo Amaral/ECO

Perante estes dados, a situação da Unbabel já estava a fazer soar os alarmes dos investidores pelo menos desde junho. Num relatório confidencial da Explorer Investments, datado do final desse mês, lê-se que o ano estava a ser “particularmente desafiante para a empresa, uma vez que a revolução da inteligência artificial continua a ganhar ritmo, levando alguns clientes a prescindirem dos produtos da Unbabel por ferramentas de IA para traduções mais simples”. “Esta tendência tem impactado diretamente o volume de negócios da Unbabel, sobretudo em segmentos onde a empresa tem maior exposição, como o de Customer Support”, explica o documento.

Mais: numa parte dedicada às “perspetivas futuras” para a empresa, o desfecho negativo para os investidores era pré-anunciado: “As perspetivas de médio e longo prazo para a empresa são, nesta fase, pouco animadoras. A Unbabel enfrenta um momento particularmente desafiante, com o seu modelo de negócio a ser profundamente impactado por uma das revoluções tecnológicas de adoção mais rápida da história. Esta transformação tem gerado desafios operacionais relevantes e dificultado a concretização da ronda de investimento prevista para este ano”, apontava a Explorer.

Em causa estaria uma ronda de capital falhada onde iria participar, segundo avançou o Jornal Económico em julho, a Iberis Capital, que detinha então 10% da Unbabel. Na altura, a startup reagiu, afirmando estar “com um processo de aquisição em curso” e “em negociações avançadas com várias partes”. “Um investidor optou por se afastar à última hora. Essa decisão não alterou o nosso foco”, assegurou. O ECO questionou a Iberis sobre se também sofreu perdas com a venda da Unbabel, mas a empresa não quis fazer nenhum comentário sobre a situação.

Dados e perspetivas da Unbabel, segundo documento da Explorer Investments (carregue para ampliar)

Questionada sobre se a venda da Unbabel se enquadra no conceito de exit ou de resgate, fonte próxima da situação, que pediu o anonimato para falar abertamente sobre este tema, explicou que “não é bem um resgate, é uma venda a um grupo maior a um valor relativamente baixo. Não diria um exit. Mas sinceramente a maioria dos exits em Portugal são deste tipo”, comentou.

Dito isto, a mesma fonte acrescentou: “Estamos sempre a dizer que não podemos penalizar e estigmatizar os erros e quando as coisas não correm bem, portanto também não vale a pena dar pancada quando não corre bem. Senão continua a cultura de aversão ao risco. Faz parte.”

A TransPerfect, que tem vindo a adquirir muitas empresas nos últimos anos, ainda não explicou publicamente o rumo que pretende dar à Unbabel. No entanto, para a startup tecnológica fundada em 2013 em Lisboa, atualmente com escritórios em São Francisco, Nova Iorque, Londres e Tóquio — e que, além de reconhecida como uma empresa portuguesa inovadora na área da IA, era tida como um potencial futuro “unicórnio” –, esta transação representou um dos capítulos mais importantes da sua história, cujo futuro ainda está por escrever.

Entretanto, pelo menos dois projetos inovadores que nasceram no seio da Unbabel vão continuar a seguir o seu percurso em Portugal. Um deles é o Halo, uma tecnologia inovadora de IA para ajudar doentes com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), que foi alvo de um spinoff e que prossegue como startup independente, liderada por Paulo Dimas, até recentemente o vice-presidente de inovação de produto da Unbabel, e que anunciou a sua saída da startup este mês. O outro projeto é o Center for Responsible AI, também liderado por Paulo Dimas, que derivou de um consórcio que a Unbabel candidatou às agendas mobilizadoras do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), e que, em maio deste ano, se tornou numa Organização Não-Governamental (ONG) independente.

Quanto à Unbabel detida pela TransPerfect, “a empresa agora integra um grupo maior e poderá agora renascer dentro de um grupo maior”, lembra uma fonte ouvida pelo ECO. “Portanto nessa perspetiva continua e gera valor para a sociedade.”

(Notícia atualizada às 21h06 com resposta de fonte oficial da Explorer Investments)

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