Das farpas a Centeno à crise da habitação: a audição de Álvaro Santos Pereira em sete pontos
O próximo governador do Banco de Portugal considera que Mário Centeno não deve ficar nos quadros do supervisor, mas "cada um faz o que quer". E sobre a nova sede, atirou: "Quem não deve, não teme".
Álvaro Santos Pereira defende que “é preciso manter a disciplina orçamental”, uma vez que a dívida pública “ainda está acima dos 95% do PIB”, afirmou esta quarta-feira numa audição Parlamento, passo obrigatório para tomar posse como governador do Banco de Portugal (BdP), onde liderará a supervisão bancária e intervirá no BCE em decisões como taxas de juro.
O ainda economista-chefe da OCDE (e ex-ministro da Economia de Passos Coelho) salientou a sua “independência” como o princípio basilar do mandato face “ao poder político e aos supervisionados” e elencou vários riscos para a economia mundial e nacional, desde logo o aumento dos preços do mercado imobiliário. E, neste ponto, atirou: “Não há margem para complacências”. Reconheceu as relações tensas entre Mário Centeno e o Governo e deixou farpas ao ainda atual governador do Bando de Portugal: “Nunca ficaria nos quadros do BdP, depois de ser governador mas cada um faz o que quer”. E sobre as polémicas em torno da nova sede foi perentório: “Quem não deve, não teme”.

“Disciplina orçamental é essencial” face a riscos
O governador indigitado começou por dar alguns conselhos ao Governo de Luís Montenegro, alertando para as várias ameaças à economia global. “Há riscos de agravamento de conflitos, riscos de disrupção da cadeia comercial por um agravamento das tarifas e das guerras comerciai; há riscos orçamentais, na área da defesa e do envelhecimento da população e na transição energética; há riscos associados aos criptoativos”, elencou.
A nível nacional salientou que “há setores que podem ser afetados pelas tarifas, um agravamento destas tarifas podem criar dificuldades adicionais aos exportadores”. Para além disso, continuou, “o endividamento das famílias e empresas baixou, mas continua em níveis elevados, pelo que é essencial manter o desendividamento do Estado para garantir margem de manobra em caso de crises ou se a economia desacelerar”.
Por isso, defendeu: “É essencial manter a disciplina orçamental nos próximos anos, para que a dívida pública continue a descer e para que tenhamos margem de manobra em caso de choques inesperados ou se a economia desacelerar”.
Santos Pereira admitiu que “os bancos estão bem capitalizados”, mas, avisou, “não há espaço para complacência” tendo em conta os riscos que existem – em particular os riscos associados à forte valorização dos preços das casas nos últimos anos. Construir mais casas deve ser uma prioridade para “retirar pressão” sobre os preços das casas.
“Vou levar até ao limite a independência do BdP”
O antigo ministro da Economia do Governo de Pedro Passos Coelho sublinhou que a “independência” será “o princípio basilar” do seu mandato. “Vou levar até ao limite a independência do BdP, não me interessa quem está no Governo. Quero uma relação cordial com o governo independentemente da cor política”, frisou.
Álvaro Santos Pereira afirmou que nunca foi militante de qualquer partido político: “sou totalmente independente”. Também não aceitaria cargos políticos, apesar de ter sido convidado para alguns nos últimos anos e não aceitou.
Não vai pedir nem publicitar a filiação partidária dos trabalhadores do BdP, mas espera que os colaboradores sigam o mesmo princípio de independência enquanto exercem funções no supervisor da banca. “Se alguém decidir que quer trabalhar ativamente num partido, é uma questão que tem de se ver, porque alguém enquanto está a trabalhar no BdP existe uma missão pública de trabalhar para o BdP”, sublinhou.
"Vou levar até ao limite a independência do BdP, não me interessa quem está no Governo. Quero uma relação cordial com o governo independentemente da cor política.”
Farpas a Mário Centeno
Sobre as polémicas entre o atual governador Mário Centeno e o Ministério das Finanças, Santos Pereira reconheceu que “é natural que as relações pessoais possam não ser necessariamente boas”. Mas entendeu que “há a possibilidade de aumentar a interação e cooperação entre Ministério das Finanças e BdP”.
Álvaro Novo, reconduzido por Centeno já no final do mandato, não será chefe de gabinete de Álvaro Santos Pereira. “O chefe de gabinete é alguém que trabalha muito de perto com ministros ou governadores e tem de ser alguém da confiança total”, diz o governador indigitado, revelando que a sua chefe de gabinete será Filipa Santos, que foi sua chefe de gabinete quando era ministro da Economia no Governo de Pedro Passos Coelho.
“Se eu estivesse nessa posição, acho que decisões estruturais não devem ser tomadas no final de mandatos, quer seja nomeações quer seja outras”, atirou Álvaro Santos Pereira, numa crítica a Mário Centeno quer sobre a nomeação do chefe de gabinete quer sobre a construção da nova sede do banco central.
Mas os recados não ficaram por aqui. Sobre se Mário Centeno vai ficar como consultor do BdP depois de sair do cargo de governador disse: “Não sei o que Mário Centeno vai fazer. Como quadro do BdP tem direito a ficar como consultor, eu nunca ficaria nos quadros do banco depois de ser governador, mas cada um faz o que quer”.
Há décadas que é comum o Banco de Portugal ter trabalhadores com a função de consultor e habitualmente esse estatuto é atribuído a quem chegou a administrador do BdP ou a quem foi temporariamente exercer funções no governo ou em outros organismos da Administração Pública. Quando terminam essas funções, caso queiram, é habitual não voltarem ao lugar de origem mas ser-lhes atribuído o estatuto de consultor, onde são requeridos trabalhos de mais longo prazo, com menos pressão diária.
De acordo com informações públicas, exerceram funções de consultor do BdP personalidades como Cavaco Silva, Vítor Gaspar, Manuela Ferreira Leite ou Abel Mateus.
"Não sei o que Mário Centeno vai fazer. Como quadro do BdP tem direito a ficar como consultor, eu nunca ficaria nos quadros do banco depois de ser governador, mas cada um faz o que quer.”
Mário Centeno já foi consultor da administração do Banco de Portugal entre dezembro de 2013 e novembro de 2015, após sair de diretor adjunto do Departamento de Estudos Económicos do BdP (onde se tinha incompatibilizado com o então Governador, Carlos Costa) e antes de ser ministro das Finanças (governos PS, de António Costa).
Nova sede? “Quem não deve não teme”
O tema da nova sede e da auditoria pedida pelo Governo à IGF também marcou a audição. Álvaro Santos Pereira começou por responder que “faz todo o sentido” reunir os serviços do Banco de Portugal que estão espalhados por Lisboa, pois permitirá uma gestão mais eficiente do banco. E prometeu que vai estudar o dossiê a vários níveis, incluindo os riscos jurídicos e financeiros, depois das dúvidas levantadas nos últimos meses em torno do projeto de 192 milhões de euros (custo inicial) localizado nos antigos terrenos da Feira Popular, em Lisboa.
Em relação à auditoria da IGF, Santos Pereira mostrou que levou trabalho de casa feito ao Parlamento. “Na lei orgânica do BdP e também do Ministério das Finanças, assim como as regras do Eurossistema, sabemos que não é possível auditorias feitas por instituições controladas politicamente”, frisou aos deputados. Mas acrescentou de seguida que “quem deve não teme” e que a instituição “irá prestar todas as informações necessárias ao povo português e irá responder às questões colocadas pela IGF” sobre o tema da nova sede.

Reforma do Banco de Portugal à vista
Álvaro Santos Pereira também mostrou vontade de avançar com uma reforma do Banco de Portugal, desde logo no topo da hierarquia. “Se acho que o conselho de administração deve ser maior ou menor, vou fazer um benchmark dos outros bancos centrais”, afirmou o futuro governador.
Santos Pereira contou que esteve recentemente em Jackson Hole, nos EUA, onde conversou com vários responsáveis de outros bancos centrais para perceber os modelos de trabalho em que se organizam. “Há uma enorme variedade de modelos. Se me chamar daqui a uns meses, posso dar uma resposta mais concreta”, disse.
Para essa reforma, promete diálogo com o maior número de pessoas, desde sindicatos a diretores, para perceber que “estruturas podem ser alteradas ou não”.
Por outro lado, quer ainda imprimir uma nova dinâmica nas relações entre Banco de Portugal e Ministério das Finanças através da realização de reuniões periódicas com o objetivo de “aumentar a interação e cooperação” entre as duas entidades.
“Crise na habitação é muito grave e é preciso aumentar a oferta”
O próximo governador do Banco de Portugal alertou ainda para a “crise habitacional”, considerando que é “muito grave”. Por isso, é preciso “aumentar a oferta”, o que, muitas vezes, “esbarra nas autarquias e governos”.
“O que o banco central pode fazer é registar os dados e estudar o impacto na economia, vamos fazer mais porque acho que é muito importante, tem de ser oferta, oferta, oferta, neste momento”, sublinhou.
Resolver o problema do acesso à habitação é, no entanto, “uma competência do governo e das autarquias”. “Temos construído menos e a procura tem aumentado. Temos de garantir que vai aumentar a oferta, o que passa pelas autarquias e pelos governos”.
“O que se passa em Portugal, é que construíamos 60 mil casas há 25 anos e agora construímos cerca de 15 mil e a procura tem aumentado”, indicou. Construir mais casas deve ser uma prioridade para “retirar pressão” sobre os preços das casas.
“Pomba não sou de certeza”
A audição também foi importante para se perceber onde se posiciona o futuro governador em termos de política monetária. É falcão ou pomba? “Pomba não sou de certeza”, atirou Álvaro Santos Pereira, que terá assento no conselho do Banco Central Europeu (BCE), onde são tomadas as decisões relativamente às taxas de juro.
Santos Pereira adiantou ainda aos deputados que acredita que as taxas de juro se vão manter estáveis “durante algum tempo” e que a futura evolução dependerá muito do comportamento da economia. “Na Zona Euro, a taxa de inflação está cerca dos 2%. É bem possível que as taxas se mantenham constantes durante algum tempo”, afirmou.
O Governo anunciou a 24 de julho que seria o economista Álvaro Santos Pereira, economista-chefe da OCDE -Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico e que foi ministro da Economia de 2011 a 2013, no Governo PSD/CDS-PP de Passos Coelho, o próximo governador do Banco de Portugal (BdP), não renovando o mandato de Mário Centeno.
Centeno ainda se mantém como governador pois Santos Pereira tem de passar pela inquirição parlamentar antes de ser indigitado, o que ficou para depois das férias parlamentares.
Segundo a Lei Orgânica do BdP, compete ao governador integrar o conselho do Banco Central Europeu (BCE), e aí participar nas suas decisões (desde logo de política monetária, como as decisões relativas às taxas de juro), coordenar a atividade do Banco de Portugal – de análise da economia, supervisão e regulação do setor bancário e resolução de bancos se necessário.
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