Um ano de PGR com Operação Influencer e caso Spinumviva em “banho maria”

Com 361 dias à frente do Ministério Público, Amadeu Guerra já tem um currículo polémico. Operação Influencer por decidir, caso Spinumviva na mesma e greve nacional de magistrados são exemplo disso.

Ainda nem um ano passou da tomada de posse de Amadeu Guerra como Procurador-Geral da República (realizada a 12 de outubro do ano passado) mas o balanço do mandato do magistrado já pode ser feito. E não será favorável para o titular de investigação criminal que sucedeu a Lucília Gago, que foi alvo de críticas constantes desde que conseguiu escrever um parágrafo que levaria à demissão do ex-primeiro ministro socialista, António Costa.

Não teria sido assim tão difícil que Amadeu Guerra conseguisse superar as expectativas, depois do que foram os seis anos de Gago. Porém, 361 dias depois de ter começado a liderar os quase 2 mil magistrados do Ministério Público, já tem um currículo pontuado por algumas polémicas. Vamos por partes.

Tomada de posse do Procurador-Geral da República Amadeu Guerra - 12OUT24
Amadeu Guerra, na tomada de posse, a 12 de outubro de 2024.Hugo Amaral/ECO

O que é feito da Operação Influencer?

Comecemos pela Operação influencer. Chegado ao cargo, na primeira entrevista que deu, ao Expresso, em dezembro, Amadeu Guerra assumia que a decisão da Operação Influencer – nomeadamente no que respeitava a António Costa – seria uma das suas prioridades. Chegou mesmo a dizer que queria olhar os magistrados responsáveis “olhos nos olhos” como forma de pressão conducente a uma decisão. Mas, desde então, nada aconteceu. Em maio, o PGR dizia que tinha pedido celeridade no andamento do processo, incluindo aos órgãos policiais, admitindo que já teria insistido na conclusão de perícias e solicitado ao diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) – departamento que tutela o processo -, a colocação de procuradores em exclusividade.

Certo é que, quase dois anos depois de António Costa se ter demitido do cargo de primeiro-ministro por suspeitas no âmbito da Operação Influencer, pouco aconteceu na investigação. O ex-líder socialista foi ouvido – na qualidade de declarante – mas nem sequer foi constituído arguido. Foi no dia 7 de novembro de 2023 que a “Operação Influencer” chegou ao palco dos media, com a realização de buscas à residência oficial de António Costa, e ainda buscas a ex-membros do Governo. Esta operação levou à detenção de cinco arguidos – o chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária; o presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas; dois administradores da Start Campus, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves; e o advogado Diogo Lacerda Machado, amigo de António Costa.

Passado este tempo, não há acusação aos arguidos e a situação do ex-Primeiro-ministro continua na mesma, não tendo sido constituído arguido nem se sabendo o ponto da situação de qualquer investigação.

O caso Ivo Rosa

E se é um facto que Amadeu Guerra melhorou a PGR num ponto – o da comunicação e esclarecimentos à opinião pública, quer por comunicados quer por declarações à imprensa – também é um facto que essa celeridade na resposta tem timings diferentes, conforme o assunto ou polémica em causa.

Exemplificando: na semana passada foi conhecida a investigação de que o juiz desembargador Ivo Rosa – enquanto juiz de instrução no “Ticão” – terá sido alvo, durante três anos, por parte do MP. Mas foram precisos cinco dias para que o líder da PGR reagisse – depois de muitas críticas de que foi alvo por parte da opinião pública.

Num esclarecimento em forma de comunicado, adiantou que o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) recebeu uma denúncia em que era visado o agora desembargador Ivo Rosa, a qual foi analisada, tendo sido decidida a instauração de um inquérito a 16 de fevereiro de 2021. “No âmbito deste inquérito não foram efetuadas quaisquer interceções telefónicas”, assegurou o MP, salientando que as diligências realizadas “respeitaram todos os direitos, liberdades e garantias legalmente consagrados”, tendo sido submetidas a prévia autorização judicial e ou validadas por um juiz em todos os casos previstos na Lei.

Porém, não negou que terão acedido a faturação do então juiz de instrução, à localização do telemóvel e às suas contas bancárias. O processo-crime foi aberto meses antes de o juiz Ivo Rosa anunciar, em abril desse ano, a decisão instrutória do processo Operação Marquês. Nessa decisão, o juiz deixou cair a maioria dos crimes que constavam na acusação do Ministério Público, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa revertido mais tarde a decisão.

A greve de magistrados do Ministério Público

Em julho, realizou-se uma greve nacional dos magistrados do MP. Estas paralisações, indicou o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) em comunicado, “chegaram a registar uma adesão de cerca de 90%, com picos de 100% em diversas comarcas e diligências e julgamentos adiados, de norte a sul, ilhas incluídas”.

As greves aconteceram como protesto contra o movimento anual dos magistrados do Ministério Público, uma deliberação do Conselho Superior do Ministério Público – liderado por Amadeu Guerra – e que o sindicato contestava por considerar que a decisão impõe rotação e acumulação de funções. Esta deliberação, considera o sindicato liderado por Paulo Lona, colocava “em risco a especialização dos magistrados do Ministério Público e a qualidade da justiça disponível para o cidadão”. Mas de nada serviram, já que Amadeu Guerra manteve a sua posição, deixando um lastro de crítica protagonizado pelo SMMP.

Ou seja, a partir de setembro, os magistrados passaram a assegurar diferentes competências em diversos tribunais, consequência direta da falta crónica de recursos humanos no Ministério Público, agravada por numerosos pedidos de reforma/jubilação e pela insuficiência de vagas nos cursos de formação de magistrados.

“Apesar das elevadas expectativas geradas no início do mandato, a verdade é que, com exceção de alguns progressos na comunicação externa da Procuradoria-Geral da República, a maioria dos problemas persiste e alguns agravaram-se. É certo que nem todos dependem exclusivamente do titular da Procuradoria-Geral da República, mas a desmotivação dos magistrados do Ministério Público atingiu níveis sem precedentes, agravada pelo excesso de trabalho e pelo crescente número de acumulações de serviço não remuneradas”, disse Paulo Lona, líder do SMMP, ao ECO/Advocatus.

“A medicina do trabalho continua por implementar, bem como as recomendações do Observatório da Justiça. Faltam magistrados e oficiais de justiça nas secretarias do Ministério Público. O último movimento de magistrados, que contrariou a lógica da especialização, aumentou a sobrecarga de trabalho, fragilizou os lugares colocados a concurso, foi amplamente contestado pela classe e originou profunda insatisfação e instabilidade. Por fim, a autonomia financeira do Ministério Público permanece uma autêntica miragem”, disse ainda o procurador.

O caso Spinumviva e a averiguação preventiva

Mas é no caso da empresa familiar do primeiro-ministro Spinumviva que a atuação do PGR se torna mais bicuda. Ora, se no caso do Ivo Rosa demorou cinco dias a reagir, na terça-feira, o gabinete de Amadeu Guerra esperou pouco mais de uma hora para vir limpar a imagem de Luís Montenegro.

Em causa, segundo avançaram a revista Sábado e a CNN Portugal, o facto de os responsáveis pela averiguação preventiva à atividade da empresa familiar de Montenegro, à construção da casa de Espinho e à origem dos fundos para aquisição de dois apartamentos em Lisboa, terem a convicção de que o caso só poderá mesmo ser esclarecido em sede de processo-crime. Em causa poderão estar crimes de recebimento indevido de vantagens e branqueamento de capitais. Depois de o Ministério Público já ter analisado, ao detalhe, todas as denúncias e queixas que recebeu relativas à empresa familiar de Luís Montenegro, os magistrados responsáveis pela averiguação preventiva defendem que deve ser aberto um inquérito-crime ao primeiro-ministro. Sendo que a palavra final caberá ao procurador-geral da República e, se este concordar com a solução, o inquérito, mal seja registado, será titulado por um magistrado do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça.

Porém, em comunicado da Procuradoria-Geral da República, Amadeu Guerra esclareceu que “a averiguação preventiva relacionada com a empresa Spinumviva encontra-se em curso. O Ministério Público aguarda ainda documentação que, depois, carecerá de análise. Não há, assim, neste momento, qualquer convicção formada que permita encerrar a referida averiguação preventiva nem nada foi proposto ao Procurador-Geral da República neste domínio”, diz o comunicado enviado pouco depois da publicação da notícia.

Isto depois de, no final de Junho, o Procurador – Geral da República Amadeu Guerra assumir que esperava que a averiguação preventiva ao caso Spinumviva, estivesse concluída até 15 de julho. Em entrevista à Radio Observador, Amadeu Guerra falou da “admiração por Luís Montenegro”, mas garante que “se houver fundamento para abrir inquérito, nós abriremos inquérito, como é evidente, como acontece para todos os cidadãos”.

A tudo isto juntam-se as declarações ao jornal Nascer do Sol, a 19 de setembro, em que revelou terem sido pedidos pelo Ministério Público elementos adicionais ao primeiro-ministro no âmbito da averiguação preventiva à Spinumviva. Nesse mesmo dia, Luís Montenegro fez declarações aos jornalistas em que se comprometia a aproveitar “a tarde de hoje para tentar reunir os documentos que foram solicitados e enviá-los o mais rápido possível”. Esses documentos, no entanto, ainda não foram entregues. Nesta investigação estarão também em causa umas férias, realizadas em 2024, de Luís Montenegro e a família, no Brasil. O MP tem dúvidas se terá sido usado dinheiro da Spinumviva para financiar a viagem e as demais despesas do chefe do Governo e da família. Caso se confirme, pode estar em causa o crime de recebimento indevido de vantagem por eventual violação do regime de exclusividade a que Montenegro está obrigado enquanto primeiro-ministro.

Esta quarta-feira, o primeiro-ministro – depois de serem conhecidas as notícias referidas – já fez saber que deve prestar todos os esclarecimentos diretamente ao Ministério Público, esperando também que este órgão fale consigo diretamente e não através da imprensa. Em breves declarações aos jornalistas, à chegada a uma iniciativa autárquica em Castelo Branco, Luís Montenegro foi questionado sobre os pedidos de vários partidos para que preste mais esclarecimentos sobre o caso Spinumviva. Horas antes, assumia que estava “estupefacto e mesmo revoltado” com as notícias de que os procuradores, responsáveis pela averiguação preventiva ao caso Spinumviva, defendem a abertura de um inquérito-crime. “É uma pouca vergonha”, disse em declarações aos jornalistas, à entrada para um comício em Albufeira, sem direito a mais perguntas.

Amadeu Guerra chega assim ao fim do seu primeiro ano de mandato, com várias pontas soltas e um MP longe de estar pacificado internamente.

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