Tribunais sem vigilância, ar condicionado, meios digitais e a partilhar edifício com cabeleireiro e clínicas
Infraestruturas degradadas,falta de magistrados, falta de ar condicionado e de vigilância privada comprometem justiça em Portugal, alerta Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.
O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) realizou, nos dias 8 e 9 de outubro, reuniões plenárias nas comarcas de Santarém, Leiria, Coimbra e Viseu. Estes encontros marcaram o arranque de um ciclo de plenários que abrangerá todas as 23 comarcas do país, com o objetivo de identificar os principais obstáculos estruturais e operacionais que comprometem a atividade do Ministério Público e o regular funcionamento dos tribunais.
Na Comarca de Santarém, os problemas são “particularmente graves”, diz fonte oficial do SMMP.. A degradação das infraestruturas, com infiltrações, ausência de climatização e temperaturas extremas, inviabiliza a realização de diligências. Em tribunais como Benavente, Almeirim, Torres Novas e Santarém, há salas de audiência que atingem os 40.ºC no verão, sem qualquer sistema de ar condicionado, obrigando magistrados e funcionários a recorrer a equipamentos adquiridos por iniciativa própria.
A segurança dos edifícios é igualmente preocupante, “com vários tribunais a operar sem vigilância privada, expondo profissionais e utentes a riscos evitáveis. Soma-se a escassez de recursos humanos: a comarca regista um défice superior a 14% de oficiais de justiça, que ultrapassa os 20% quando se considera o absentismo prolongado. A elevada média etária e o número crescente de reformas previstas agravam o cenário”, diz o mesmo comunicado.
O SMMP alerta ainda para a sobrecarga de trabalho, especialmente em áreas como os crimes informáticos, “onde os magistrados acumulam funções técnicas e administrativas sem qualquer apoio. A indefinição quanto à manutenção de lugares auxiliares e o não preenchimento de lugares efetivos geram instabilidade e comprometem a gestão processual. A ausência de formação específica para os oficiais de justiça obriga os magistrados a executar atos delegáveis, aumentando a pressão e diminuindo a eficiência do sistema”.
Na Comarca de Leiria, apesar de o quadro prever entre 53 e 56 Procuradores da República, foram colocados apenas 49 magistrados no movimento de 2025/2026. Cada magistrado tem a seu cargo cerca de 850 inquéritos, com uma média de 40 conclusões diárias para despacho – o que se traduz em apenas 10 minutos por processo. O aumento de lugares de auxiliar acentua a precarização da carreira e compromete a especialização.
Em Coimbra, a situação é igualmente crítica, aponta o Sindicato. O DIAP funciona num edifício partilhado com serviços comerciais e clínicos, como cabeleireiro, consultório dentário e clínica de cardiologia, comprometendo a reserva exigida à atividade do Ministério Público. A falta de espaço obriga magistrados a partilhar gabinetes, dificultando diligências sensíveis.
O tribunal da comarca permanece em projeto há vários anos, sem qualquer obra iniciada. Cada magistrado gere cerca de mil inquéritos – com cerca de 200 entradas mensais –, e despacha entre 40 a 50 por dia. “A precarização da carreira é evidente, com elevado número de lugares de auxiliar que no próximo ano tem que concorrer a outro lugar até efetivar”.
Já em Viseu, foram colocados apenas 36 magistrados, face a um quadro previsto entre 40 e 43. Cada profissional tem a seu cargo cerca de 850 inquéritos e despacha cerca de 40 por dia. As instalações são razoáveis para os magistrados, mas inadequadas para inquirições – faltam salas para audição de vítimas, obrigando à criação de escalas internas.
O DIAP não dispõe de meios tecnológicos para diligências à distância, como computadores, sistemas de vídeo e som ou leitores digitais. A elevada rotatividade nos tribunais de primeiro acesso, isto é, de tribunais onde são colocados os magistrados após a formação inicial, “impede a formação de equipas coesas”.
O SMMP vai prosseguir com os plenários nas restantes comarcas. No final deste ciclo de encontros, elaborará um caderno reivindicativo com propostas concretas, a apresentar à tutela, exigindo medidas urgentes: reforço dos recursos humanos, requalificação das infraestruturas e garantia de condições dignas para o exercício da atividade do Ministério Público.
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