Processos perdidos ou dados a juízes errados. A migração para sistema informático único está o “caos”

Juízes e procuradores da jurisdição administrativa e fiscal denunciam o “caos instalado” com o novo sistema informático, que levou à perda de processos e atrasos em julgamentos.

Os juízes e procuradores dos tribunais administrativos e fiscais dizem que está “o caos instalado” com o novo sistema informático dos magistrados, com processos, incluindo urgentes, perdidos informaticamente e outros encaminhados para os juízes errados, acessos indevidamente retirados e julgamentos adiados. Desta feita, são vários os problemas detetados: desaparecimento de processos urgentes, eliminação de ferramentas e acessos essenciais ao trabalho dos magistrados, falhas nas assinaturas de notificações, que ora surgem no MPCODEX, ora no CITIUS, sem critério definido, peças dos processos que desaparecem ou não podem ser submetidos, com erros sistemáticos, atos processuais duplicados, advogados incorretamente associados ou removidos sem notificação ou mesmo peças processuais entregues em papel que surgem “em branco” no histórico digital.

Desde dia 20 que os tribunais passaram a ter um sistema informático único para tramitação processual, tendo o IGFEJ procedido à migração do anterior sistema da jurisdição administrativa e fiscal, o SITAF, para o Citius. “Desde dia 20 que não há tramitação normal dos processos “, segundo fonte oficial do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais. “Está a ser uma semana terrível devido a uma transição que, em rigor, deveria ser chamada de retrocesso, atendendo a que a plataforma perdeu funcionalidades”, diz o juiz António Brochado Teixeira. “O maior aburdo é que, sem o SITAF, deixamos de poder consultar a agenda do tribunal e marcar diretamente os julgamentos”.

A pedido do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF) decorre esta quarta-feira de manhã uma reunião de urgência com a secretária de Estado da Justiça, Ana Luísa Machado, que até ser chamada a integrar o novo Governo, presidia ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ), tutelado pelo Ministério da Justiça e responsável pelos sistemas.

Na reunião de quarta-feira, onde vão comparecer os presidentes dos tribunais administrativos e fiscais de primeira e segunda instância, o CSTAF vai exigir a resolução total do problema até à próxima semana, ou, caso isso não aconteça, a suspensão imediata do processo de migração do sistema informático, a reativação do anterior sistema da jurisdição, “o velho SITAF”, e um avanço gradual no processo de migração, com a criação de um projeto-piloto com apenas um tribunal.

Paulo Afonso, do Conselho Diretivo do IGFEJ, explicou ao ECO/Advocatus que “o projeto de fusão e migração dos processos do SITAF para o e-.Tribunal reveste-se de elevada complexidade e sensibilidade, envolvendo milhares de processos judiciais — muitos deles com um número significativo de atos e peças processuais, e alguns bastante antigos. A arquitetura tecnológica subjacente é igualmente intrincada, exigindo intervenções coordenadas em múltiplos sistemas (SITAF, Magistratus, MP Codex, CITIUS eTribunal, Portal Mandatários, entre outros)”. Disse ainda que “muitas das situações reportadas pelos senhores Magistrados, mandatários e Oficiais de Justiça ao longo desta primeira semana foram já endereçadas e resolvidas, estando este processo a ser conduzido numa lógica de melhoria contínua. O IGFEJ tem trabalhado e continuará a trabalhar de forma incansável na resolução de todas as questões ainda pendentes, até que as mesmas estejam totalmente sanadas, garantindo a estabilidade da solução implementada. Lamentamos os constrangimentos e o incómodo causado a todos os intervenientes, prometendo ser breves na sua resolução”.

Os problemas são transversais às magistraturas do Ministério Público e judicial na área administrativa e fiscal, queixando-se ambas de dificuldades e constrangimentos que impedem o normal funcionamento dos tribunais e a tramitação de processos em cumprimento da nova lei.

Esta terça-feira, foi o próprio Sindicato dos Magistrados do Ministério Público a denunciar a situação ao alertar para os graves constrangimentos que se verificam desde o dia 20 de outubro, na sequência da implementação da nova interface MPCODEX, nos Tribunais Administrativos e Fiscais de 1.ª instância e nos Tribunais Superiores — nomeadamente o Tribunal Central Administrativo e Fiscal Norte, o Tribunal Central Administrativo e Fiscal Sul e o Supremo Tribunal Administrativo.

Segundo informação recebida pelo SMMP, o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ) – que gere os recursos financeiros, patrimoniais e tecnológicos do Ministério da Justiça – “procedeu, de forma unilateral e sem qualquer solicitação, pedido ou ordem da Procuradoria-Geral da República, ao corte de acesso que os magistrados do Ministério Público tinham, através do sistema SITAF, a todos os processos em curso nos tribunais administrativos e fiscais, incluindo os superiores. Este corte de acesso compromete gravemente o exercício das funções dos magistrados, que necessitam de consultar processos de outras instâncias para efeitos de apresentação atempada da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, pesquisa de jurisprudência, análise de decisões anteriores e outras diligências essenciais”.

Apesar da migração para o sistema único, o acesso é feito por interfaces distintos, consoante a condição processual do utilizador, com os procuradores do Ministério Público a utilizarem o MPCODEX, e os juízes a usarem o MAGISTRATUS.

Em ambos os casos, nada está a funcionar como devia, garantiram a procuradora do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu e tesoureira da direção nacional do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) Susana Moura, e a juíza secretária do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF), a desembargadora Eliana de Almeida Pinto. “Está o caos instalado. Não temos segurança no que estamos a fazer”, disse à Lusa a procuradora Susana Moura, que critica a falta de resposta do IGFEJ e o processo de reporte falha a falha sem que nada efetivamente se resolva.

Eliana Pinto, por seu lado, disse que o CSTAF, em abril, quando a migração foi comunicada, “decidiu diligentemente montar uma ‘taskforce’ para acompanhar o processo” junto do IGFEJ, tendo decorrido várias reuniões e sido feitos testes, que aparentemente não mostraram falhas na migração, mas que se vieram a verificar.

“Aparentemente estava tudo salvaguardado, chamámos a atenção que havia procedimentos específicos da jurisdição que tinham que ser acautelados no novo sistema informático. Está instalado o caos absoluto na jurisdição. Há processos que desapareceram, há processos do Supremo Tribunal Administrativo (STA) que foram parar a tribunais de primeira instância”, disse a juíza desembargadora. Lembrando que o Estado é réu nos processos da área administrativa e fiscal, Eliana Pinto apontou que há um órgão constitucional, o CSTAF, impedido de realizar a sua missão, por falha informática de um organismo tutelado pelo Ministério da Justiça, ou seja, pelo poder executivo, pondo em causa a separação de poderes consagrada na Constituição.

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