Barómetro. Portugueses consideram turismo benéfico, mas não sentem que melhora as condições de vida
Mesmo reconhecendo benefícios no emprego, investimento e diversidade de serviços, os portugueses veem o turismo como responsável por dificultar o acesso à habitação e pela subida dos preços.
Mais de dois terços dos portugueses consideram que o turismo é benéfico para a economia nacional e para a criação de novos mercados para os produtos “made in Portugal”, mas apenas um terço sente que esses benefícios se concretizam na melhoria de rendimentos ou de qualidade de vida.
A conclusão é do mais recente barómetro da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), da autoria de Zélia Breda, Eduardo Brito-Henriques e Paulo M. M. Rodrigues, e que teve como foco a forma como a população residente em Portugal continental avalia o impacto do crescimento do turismo.
Questionados se consideram que “o turismo é bom para a economia do país” e que “pode criar novos mercados para os produtos nacionais”, 80,7% e 73,6% dos inquiridos, respetivamente, deram uma pontuação acima de 7, numa escala de 0 a 10 (em que o 0 significava “discordo totalmente” e o 10 “concordo totalmente”). Por sua vez, a percentagem de portugueses que discordam (ou seja, que pontuaram as afirmações entre 0 e 3) foi residual – de 5,0% e 6,4%, na mesma ordem.
Os autores do estudo ressalvam, no entanto, que o facto de a maioria dos inquiridos acreditar que o turismo é importante e benéfico para a economia do país “não significa que estejam igualmente convictos de que esses benefícios se traduzem em ganhos concretos nas suas vidas”.
À pergunta se acreditavam que “o turismo aumenta os rendimentos dos portugueses”, a percentagem de inquiridos que pontuaram com 7, ou mais, desceu para 43,5% e a dos que pontuaram com 3, ou menos, subiu para 18,2%.
O emprego, o aumento dos investimentos e a maior diversidade de serviços são os aspetos positivos mais identificados. Apesar dos benefícios económicos, prevalece a ideia de que o aumento do turismo gera mais pressão sobre os residentes e sobre a sua qualidade de vida, nomeadamente no aumento dos custos da habitação e na subida generalizada dos preços.
“Estes valores podem sugerir que há dúvidas entre os portugueses quanto à justiça da distribuição dos benefícios do turismo, ou que, embora acreditando em abstrato que o turismo é benéfico para a economia, sentem mais dificuldade em reconhecer e sentir na prática esses efeitos”, refere o barómetro da FFMS.
Aumento dos custos da habitação visto como o maior efeito negativo do turismo
Quando questionados sobre que impacto consideram que o crescimento do turismo dos últimos anos – de 39,7 milhões de dormidas em 2012 para 80,4 milhões de dormidas em 2024, segundo dados da Pordata – teve nas áreas onde residem, 57,2% dos inquiridos afirmaram que teve muito ou bastante impacto e apenas 21,1% disseram que o impacto foi baixo ou nenhum.
“O valor global não muito alto das perceções dos residentes em relação à força do impacto do crescimento do turismo a nível local (média de 3,58 numa escala de 1 a 5) explica‐se mais pela disparidade das opiniões do que pelo consenso em relação à moderação desses impactos”, indica o estudo, apontando que essa disparidade se relaciona “com a concentração espacial do turismo”, já que em muitos municípios o turismo “continua a ser incipiente” e, por isso, “não serão percetíveis impactos locais fortes nesses territórios”.
De um modo geral, quem identifica impactos do crescimento do turismo nos concelhos onde vive situa‐os, sobretudo, na esfera económica, relacionando‐os com o custo de vida, o emprego e o investimento.
O estudo evidencia também uma perceção generalizada de mais impactos negativos do que positivos associados ao crescimento do turismo a nível local, já que, entre os inquiridos, houve maior concordância com a ideia de que o turismo fez aumentar o custo de vida e da habitação, por exemplo, do que com a ideia de que fez aumentar os rendimentos das famílias.
“Em relação às afirmações ‘Nos últimos anos, na área onde vivo, o turismo foi responsável por o aumento do preço dos serviços’ e ‘Nos últimos anos, na área onde vivo, o turismo foi responsável por aumento do rendimento da população residente’, os inquiridos responderam em média, respetivamente, 6,66 e 5,12” (numa escala de 0 a 10), indica o barómetro.
No que toca à habitação, em particular, os inquiridos percecionam o crescimento do turismo como estando fortemente associado ao aumento dos custos da habitação (média de 7,40) e também à diminuição do número de casas disponíveis no mercado (média de 6,73). Este segundo ponto, segundo o trio de autores, poderá explicar-se “pela ideia de que muitos edifícios de habitação terão sido transferidos para o arrendamento de curta duração (alojamento local)”.
Estas perceções não são, porém, territorialmente homogéneas, variando consoante o grau de exposição das áreas de residência dos inquiridos ao turismo. No que se refere ao preço dos serviços, por exemplo, quem vive em áreas mais expostas à atividade turística expressou “níveis significativamente mais altos de concordância com a ideia de que o crescimento do turismo levou ao aumento dos preços”. Um cenário que também se verifica no que diz respeito ao aumento do preço dos bens de primeira necessidade.
Mais emprego, mais investimento e serviços mais diversos
Quanto aos aspetos positivos que os inquiridos percecionam como fruto do crescimento do turismo, são eles a criação de novas oportunidades de emprego em atividades relacionadas com o turismo (média de 6,15), o aumento do investimento, tanto em novos negócios como em negócios já existentes (média de 6,12) e uma maior diversidade de oferta de serviços (média de 6,10) – uma perceção tanto maior quanto a exposição ao turismo do município de residência dos respondentes.
Os autores do barómetro constataram também que “há uma perceção moderadamente negativa dos inquiridos relativamente aos efeitos do turismo em termos da habitabilidade dos lugares e da experiência da vida quotidiana”.
Isto porque houve mais inquiridos que concordaram que o crescimento do turismo fez aumentar a falta de estacionamento (média de 6,18), o lixo (média de 6,02), as filas de espera em restaurantes, supermercados e hospitais (média de 5,95), o congestionamento nos transportes e nas ruas (média de 5,83) e o ruído (média de 5,72) do que inquiridos que discordaram – mais uma vez, esta perceção negativa é mais evidente entre os residentes em municípios de exposição mais alta ao turismo.
Menos claras são as perceções sobre os impactos socioculturais de um setor cujo peso na economia portuguesa, de acordo com o INE, terá sido de quase 13% do PIB em 2023, equivalente a 33,8 mil milhões de euros – o que torna Portugal o segundo Estado-membro com maior peso do turismo no PIB no seio da União Europeia, apenas atrás da Croácia.
As opiniões sobre os efeitos do desenvolvimento turístico na preservação e promoção das culturas locais, na proteção e valorização do património construído, na tolerância e no cosmopolitismo, ou, pelo contrário, em sentido negativo, na perda de autenticidade dos lugares e dos costumes locais, aparecem no fundo da tabela, a maioria com médias próximas de 5.
“Isto indica que as perceções em relação aos impactos do turismo nestas questões são mais ambíguas ou menos consensuais. Os impactos culturais do turismo são percebidos com menos intensidade (positiva ou negativa), eventualmente por serem mais abstratos ou variáveis consoante o contexto”, concluem Zélia Breda, Eduardo Brito-Henriques e Paulo M. M. Rodrigues.
Necessidade de diversificar economia é consensual
O barómetro da Fundação Francisco Manuel dos Santos revela também que a maioria dos portugueses gostaria de ter maior influência nas decisões sobre o setor do turismo. Mais de 70% defendem que o Governo deve priorizar o bem-estar dos residentes, mesmo que isso implique uma redução das receitas turísticas. A grande maioria (cerca de 80%) apoia ainda a redução do alojamento local (AL) para responder à crise habitacional.
São sobretudo os residentes em zonas do país com maior exposição à atividade turística que defendem, igualmente, a limitação de visitantes em áreas sobrelotadas. Por outro lado, existe ainda um consenso em relação à necessidade de diversificar a economia, de forma a reduzir a dependência do turismo – apenas 10,4% dos inquiridos discordam totalmente desta ideia.
Quando questionados sobre qual seria o cenário ideal para o turismo nos próximos cinco anos na área onde residem – utilizando uma escala em que 1 representa uma “redução significativa” e 5 um “crescimento significativo” –, a média de respostas foi de 3,57.
Este valor, situado no polo positivo da escala, indica uma preferência dos portugueses inquiridos por um “crescimento moderado e controlado, acima da manutenção (3), mas aquém de um aumento acentuado”, e “potencialmente traduz a valorização do equilíbrio entre dinamismo económico e capacidade de absorção do território, desincentivando trajetórias de expansão acelerada suscetíveis de agravar as pressões já identificadas“.

O barómetro do turismo, divulgado esta quarta-feira pela FFMS, teve por base uma amostra de 1.072 entrevistas presenciais, telefónicas e online, realizadas entre 22 de abril e 2 de julho deste ano.
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