BCE desmonta armadilhas ocultas da descida da inflação da Zona Euro
A inflação é seletiva e perversa na Zona Euro, diz um estudo do BCE. Se no calçado e no vestuário já recuou para níveis pré-Covid 19, grande parte dos serviços, como a restauração, mostra resistência.
Quando os preços começam a cair, nem tudo desinflaciona ao mesmo ritmo. O Banco Central Europeu (BCE) acaba de descobrir que essa aparente banalidade esconde, afinal, a chave para perceber porque a inflação teima em não regressar depressa à meta dos 2% e porque os serviços continuam caros, enquanto os bens industriais já voltaram aos preços de antes da pandemia.
A inflação subjacente (descontada dos preços da energia e dos alimentos processados) na Zona Euro desacelerou substancialmente desde março de 2023, quando atingiu o pico de 7,5%, para 2,4% em outubro deste ano. Mas nem todas as categorias de produtos comportam-se da mesma maneira. Há preços que mudam frequentemente e outros que se mantêm praticamente fixos durante meses. Essa diferença, aparentemente técnica, determina se a desinflação será rápida ou lenta.
Para perceber estas dinâmicas, Christian Höynck, Elisabeth Wieland e Lourdes Maria Zulli Gandur, técnicos do BCE, dividiram os produtos da inflação subjacente em duas categorias segundo a frequência com que os preços se ajustaram entre 2011 e 2019 face à mediana, que fixou-se em 7,3% — o que significa que num mês típico apenas 7,3% dos preços dos produtos mudam relativamente ao mês anterior. Com base neste critério, identificaram 39 produtos do cabaz de bens dos consumidores que têm preço rígido enquanto os restantes 33 têm preço flexível.
“A inflação subjacente na Zona Euro diminuiu acentuadamente desde o seu pico de 2023, mas permanece elevada, principalmente devido à persistente inflação dos preços dos serviços”, destaca o estudo “Nem todos os preços sofrem a mesma desinflação”, desenvolvido por estes três investigadores que foi publicado na quinta-feira no Boletim Económico do BCE. E a razão para essa persistência está justamente no comportamento diferenciado entre preços rígidos e flexíveis.
Tanto as expectativas de médio como de longo prazo explicam significativamente a inflação subjacente rígida, enquanto são insignificantes para a sua contraparte flexível.
Segundo a análise feita, os preços flexíveis reagiram primeiro ao choque inflacionista e começaram a cair mais cedo. “A inflação subjacente flexível — que é mais volátil e subiu fortemente durante o surto inflacionário — começou a diminuir mais cedo e agora recuou para um nível mais próximo do pré-pandemia, situando-se em 1,2% em setembro de 2025”, destacam os investigadores, notando, por exemplo, que a inflação dos bens industriais não energéticos desta categoria já regressou à sua média pré-Covid 19.
Mas os preços rígidos, praticados nos setores da restauração e na manutenção e reparação de equipamentos de transporte pessoal, por exemplo, “mantêm-se relativamente persistentes nos últimos meses, com a taxa de inflação a rondar os 3,6%”, pressionando assim a inflação global para cima.
Entre os produtos flexíveis, os investigadores referem que “85% já tinham atingido o pico de inflação antes de março de 2023”, enquanto nos produtos rígidos, “apenas 41% tinham atingido o máximo nessa altura”. Esta dinâmica reflete-se na separação entre bens industriais não energéticos e serviços.
- Nos bens industriais, a subida acentuada de preços entre 2021 e 2023 foi impulsionada por produtos de preço flexível, como vestuário e calçado, com a taxa de inflação destes produtos a registar um rápido regresso a níveis moderados, destacam os autores do estudo.
- Já nos serviços, a inflação mantém-se elevada devido aos produtos de preço rígido, cujas contribuições para a inflação caíram apenas marginalmente desde o início do ano, de 2,7 para 2,5 pontos percentuais, enquanto os produtos flexíveis caíram mais marcadamente, de 1,2 para 0,7 pontos percentuais.
“A recente persistência da inflação dos preços rígidos nos serviços é consistente com uma transmissão mais gradual dos choques energéticos e da cadeia de abastecimento aos serviços do que à inflação dos bens industriais não energéticos”, concluem os investigadores do BCE. Além disso, a pressão ascendente dos choques do mercado de trabalho associados ao forte crescimento dos salários adicionou persistência, e a inflação dos serviços rígidos acompanha de perto a dinâmica salarial.
Manter as expectativas de inflação ancoradas é fundamental para garantir que a desinflação dos serviços aconteça, mesmo que mais lentamente do que nos bens industriais.
Outra conclusão relevante deste estudo é que a inflação dos preços rígidos parece mais ligada às expectativas de inflação de longo prazo. “Durante o período de baixa inflação entre 2011 e 2019, a inflação dos produtos rígidos manteve-se concentrada entre 1% e 2,5%, próxima das expectativas dos analistas profissionais consultados pelo BCE”. Já a inflação dos produtos flexíveis dispersou-se entre valores negativos e muito acima de 1%.
“Tanto as expectativas de médio como de longo prazo explicam significativamente a inflação subjacente rígida, enquanto são insignificantes para a sua contraparte flexível”, mostram as estimativas do BCE baseadas em modelos económicos que incluem o desemprego, as expectativas de inflação e os preços de importação.
“Em conjunto, a persistência da inflação subjacente rígida sublinha os papéis dos choques de custos passados e das pressões salariais elevadas”, conclui o relatório. Mas há boas notícias. Tendo em conta tanto a moderação das pressões salariais como a ancoragem das expectativas de inflação de longo prazo, a inflação subjacente rígida deverá continuar a desinflacionar.
Esta análise do BCE demonstra que a política monetária enfrenta um desafio particular. Os preços rígidos, por mudarem com pouca frequência, incorporam expectativas sobre o futuro quando são ajustados. Por isso, manter as expectativas de inflação ancoradas é fundamental para garantir que a desinflação dos serviços aconteça, mesmo que mais lentamente do que nos bens industriais. O que parecia uma descida simples e homogénea da inflação revela-se, afinal, um processo bem mais complexo e diferenciado.
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