Tarifas no aço ameaçam indústria que emprega mais de 250 mil em Portugal
Setor da metalurgia e metalomecânica acusa Bruxelas de querer proteger siderurgia europeia à custa da indústria transformadora, ameaçando a competitividade do setor que, em Portugal, emprega 250 mil.
A redução para quase metade dos limites ao aço isento de taxas importado pela União Europeia e a duplicação da tarifa fora desta quota de 25% para 50% é uma ameaça à metalurgia e metalomecânica, o setor mais exportador da economia portuguesa, com vendas ao exterior na casa dos 24 mil milhões de euros e 250 mil empregos. Indústria portuguesa acusa Bruxelas de querer defender a siderurgia europeia à custa das empresas transformadoras, deixando as empresas “reféns” da compra de matéria-prima mais cara, o que poderá levar a deslocalizações da produção para fora da região e perda de postos de trabalho.
Quando Donald Trump anunciou a imposição de tarifas sobre o aço e o alumínio, no seu primeiro mandato, em 2018, a Metalogalva exportava 70 milhões de euros para os EUA produzidos em Portugal. Para se proteger destas taxas aduaneiras, a empresa do VigentGroup tomou a decisão que melhor protegia os seus interesses: abrir uma unidade no país. “Neste momento faturamos 100 milhões nos EUA e deslocalizamos toda a produção que tínhamos para os EUA nessa área”, explica António Pedro Antunes, CEO da Metalogalva, na conferência organizada pelo ECO e pela AIMMAP, que juntou esta quarta-feira líderes industriais e decisores políticos para discutir a competitividade do setor.
Sete anos depois, o setor enfrenta (outra vez) tarifas para vender para os EUA e está prestes a pagar o dobro pelas compras de matéria-prima fora da Europa se ultrapassar o limite de 18,3 milhões de toneladas por ano. “Das origens do que exportamos, as quotas esgotam no primeiro trimestre”, lamenta o líder da Metalogalva, acrescentando que “tem sido muito complexo” gerir todo o esquema de taxas aduaneiras impostas e que afetam a empresa. “Neste momento a Europa está a ser uma desvantagem para nós, indústria“, atira, acusando a Comissão Europeia de “criar desequilíbrios no mercado”. “Defendem dois conceitos: quero a globalização mas quero proteger a siderurgia”, aponta.

Com 1.200 trabalhadores em Portugal e 70% dos 500 milhões de faturação gerado no mercado europeu — “só 30% é que é fora” — , o líder da Metalogalva assume que a deslocalização de produção, neste caso, não resolve todos os problemas. “70% do nosso negócio está a ser posto em risco e não é possível deslocalizar todas as fábricas”, defende António Pedro Antunes, acrescentando que o grupo, além das fábricas em Portugal, já tem duas unidades na Polónia, duas na Alemanha, uma em França e uma no Reino Unido. “Empregamos no mercado europeu 2.000 pessoas, incluindo as 1.200 em Portugal”.
Paulo Sousa, CEO da Colep Packaging, destaca que Bruxelas tem procurado defender a siderurgia europeia desde 2018, com quotas que protegem a importação de aço. Uma situação que, diz, deveria ter permitido ao setor aumentar competitividade no mercado europeu, “mas não o tem feito e está refém dos custos energéticos altíssimos, não se atualizou”, ao passo que “outras siderurgias asiáticas têm custos de transformação diferentes e estão mais competitivas”.

“Quando pomos barreiras à entrada, o que deveria acontecer seria proteção temporária para aumento de competitividade e o que acontece é o laxismo e utilização dessas barreiras para subir margens, aumentar resultados e continuar sem investir. Isto foi o que aconteceu nos EUA, a indústria nos EUA está completamente destruída. Se quisermos fazer isto na Europa vai ser o que vai acontecer”, atira o empresário.
A indústria transformadora europeia vai ficar refém porque não vai conseguir comprar matérias-primas competitivas. Se quiser continuar a funcionar vai ter de, provavelmente, deslocalizar produção e, portanto, a Europa vai perder postos de trabalho. E as aciarias que iríamos supostamente proteger, vão vender menos aço para a Europa, porque não vai haver quem o compre, porque vamos comprar noutro sítio para fazer a nossa produção.
Para Paulo Sousa, a imposição de tarifas às importações das matérias-primas não se vai traduzir num aumento da competitividade na Europa e o aço vai encontrar “formas de cá chegar”. “Se estamos a falar de aço que é comprado na Ásia 30 ou 40% mais barato do que está disponível na Europa, ele vai encontrar formas de cá chegar, seja através de aço, seja através de produtos semi-acabados, acabados. Ele chega cá”, explica.
“A indústria transformadora europeia vai ficar refém porque não vai conseguir comprar matérias-primas competitivas. Se quiser continuar a funcionar vai ter de, provavelmente, deslocalizar produção e, portanto, a Europa vai perder postos de trabalho”, antecipa. Quanto às “aciarias que iríamos supostamente proteger, vão vender menos aço para a Europa, porque não vai haver quem o compre, porque vamos comprar noutro sítio para fazer a nossa produção”, considera o mesmo responsável.
O líder da empresa de embalagens, que emprega 800 pessoas, das quais 600 em Portugal, explica que a Colep Packaging é “um produtor de vários sub-produtos que depois alimentam as outras unidades satélite na Europa, com unidades na Polónia, Espanha e agora também no México”. Quanto à imposição de tarifas, o gestor realça que esta é “uma situação que não sabemos se é temporária ou não, o que torna difícil as decisões das empresas”.
Quanto a alternativas geográficas para colocar produção, Paulo Sousa nota que a Turquia se tem afirmado como um país que quer ser base de produtores de embalagem para a Europa, destacando que “tem uma posição geopolítica muito importante, que permite que nestas situações de tarifas ter uma posição vantajosa face a outras empresas no mercado europeu”.

Com um volume de negócios de quatro biliões de euros e 13 milhões de trabalhadores na Europa, a indústria metalomecânica acusa Bruxelas de estar a defender a competitividade da indústria siderúrgica europeia — que vende 20 mil milhões de euros e emprega 300 mil — à custa dos transformadores.
“Vivemos uma realidade em que funcionários em cadeia decidem o rumo da economia, isto não funciona. A siderurgia europeia vai perder competitividade e perder os clientes que supostamente querem garantir-lhes, as empresas vão deslocalizar“, atira Rafael Campos Pereira, vice-presidente da AIMMAP. “Se eu quiser importar a matéria-prima eu pago as tarifas, mas se fechar empresa em Portugal e abrir na Turquia ou Albânia, fora da Europa, não paga importações na matéria-prima e exporto para a Europa também sem tarifas”, justifica.
Quanto ao Mecanismo de Ajustamento Carbónico nas Fronteiras (CBAM), o responsável destaca que “vai haver um acréscimo de custos e ninguém sabe qual vai ser o impacto”, reforçando o papel do setor na economia portuguesa. “Em Portugal estamos a falar em 24 mil milhões que são decisivos na nossa economia, um setor composto por PME”, que enfrenta “custos acrescidos, burocracia acrescida, constrangimentos ilimitados”.
“Estamos a comprometer o futuro da indústria transformadora com base em medidas completamente irrealistas”, lamenta o vice-presidente da AIMMAP, acrescentando que “estamos a sobrecarregar as nossas empresas diariamente”. Em relação à indústria nacional, que deverá fechar o ano com exportações acima de 24 mil milhões de euros, Rafael Campos Pereira avisa que “as nossas empresas estão ameaçadas”. “Andamos há muito tempo a dizer que vem aí o lobo”, “mas há um dia que o lobo vai chegar”.

Com a indústria a enfrentar constrangimentos crescentes, o vice-presidente da AIMMAP alerta que “é preciso evitar que o lobo chegue”, pedindo ao Governo que deixe a hesitação e tome uma decisão, destacando que a indústria emprega mais de 250 mil trabalhadores e “esmagadora maioria das nossas empresas não tem capacidade para deslocalizar”. “É preciso defender este ativo”, senão “pode acontecer um dano de enorme dimensão”, avisa.
Também o presidente da CIP, Armindo Monteiro, alerta que, num momento em que se fala na reindustrialização da Europa, “é necessário que o mercado não penalize aquele em que se impõe determinadas regras”, lembrando que a Europa impõe regras que não exige a outras regiões. “Não podemos ser ao mesmo tempo o pelotão da frente em toda a forma de transição ambiental e energética e ao mesmo tempo ser os mais competitivos do mundo”, destaca.
“Deixo uma preocupação e apelo sobre este setor – é um pulmão da nossa economia – para que continue a haver este ímpeto transformador, a procurar novos mercados“, realça Armindo Monteiro, reforçando que as “empresas precisam já desse apoio, de entrar em novos mercados” para enfrentar os desafios.
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