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“Tirar Direito em Coimbra” para se ter mais oportunidades? “Isso morreu” com a IA generativa

Na 3.ª Talk .IA, Pedro Santa Clara, professor catedrático e fundador da 42 e da Tumo, alertou que IA generativa obriga a "repensar tudo, desde o currículo até à forma como avaliamos os alunos".

Pedro Santa Clara, fundador da 42 e da TumoHugo Amaral/ECO

Com a massificação da inteligência artificial (IA) generativa, o sistema de ensino tradicional está a enfrentar desafios significativos. Na 3.ª Talk .IA, conferência organizada pelo ECO no âmbito da Comunidade .IA, Pedro Santa Clara, fundador da 42 e da Tumo, alertou para a disrupção que a tecnologia já está a provocar no ensino e para o impacto que terá nos próximos anos, obrigando a “repensar tudo” — desde a avaliação dos alunos aos conselhos que habitualmente se dão aos filhos.

“Se nós pensarmos na nossa vida de estudantes, passámos imenso tempo entre a escola primária, secundária e a universidade sempre com um modelo que já não faz sentido para o futuro”, afirmou. Para o também professor catedrático na Nova SBE e fundador da 42 — escola de programação totalmente gratuita e financiada por mecenas, privados e empresas –, a velocidade das transformações tecnológicas tornou obsoletos muitos dos pressupostos que orientaram o ensino ao longo do último século.

Pedro Santa Clara questionou ainda sobre o que realmente é necessário ensinar à próxima geração. “Vamos continuar como antes? Temos de repensar tudo, desde o currículo até à forma como avaliamos os alunos. O mundo mudou e vai continuar a mudar muito mais depressa do que o sistema educativo consegue acompanhar”, acrescentou.

Para o professor universitário, a abordagem tradicional em que muitos pais incentivam os filhos sobre os estudos e a formação académica já não faz sentido: “Aquela estratégia que nós próprios ouvimos, ‘estuda mais, vai tirar Direito em Coimbra e terás mais oportunidades’, isso morreu. Essa promessa já não é verdadeira”, disse. Profissões historicamente valorizadas pela especialização técnica serão fortemente impactadas pela IA, que consegue executar tarefas rotineiras e complexas de forma mais rápida e precisa.

“O conhecimento especializado, que foi a estratégia dominante até agora, deixou de ter interesse tal como o conhecíamos. O valor não vai estar apenas em saber, porque a máquina sabe mais do que nós. O valor vai estar em pensar, em criar, em resolver problemas que ainda não existem, em trabalhar com a tecnologia e não contra ela”, explicou Santa Clara.

Aquela estratégia que nós próprios ouvimos, ‘estuda mais, vai tirar Direito em Coimbra e terás mais oportunidades’, isso morreu. Essa promessa já não é verdadeira.

Pedro Santa Clara

Fundador da 42 e da Tumo

Segundo o fundador da 42, embora a IA supere os humanos em áreas altamente especializadas, “é na intersecção de saberes variados que surgem novas ideias”. Pedro Santa Clara sublinha que a criatividade humana, com a capacidade de combinar música, matemática, biologia e outras disciplinas para gerar soluções inéditas, ainda representa uma vantagem em relação à IA.

O professor catedrático que conta já com uma vasta carreira no ensino universitário acrescenta que, do ponto de vista da sociedade, não é interessante que toda a gente saiba a mesma coisa. “A obsessão que temos há 250 anos na educação em uniformizar o aluno, dar aos alunos os mesmos saberes, perdeu muito do seu interesse”. E defendeu que estimular aprendizagens diversas é essencial para preparar os alunos para um futuro em que a tecnologia será uma ferramenta central, e não um substituto da criatividade humana.

“Conhecimento está hoje disponível, gratuitamente, a qualquer hora”

Na conferência do ECO, Pedro Santa Clara, orador principal nesta terceira edição das Talks .IA, explicou ainda que o modelo universitário tradicional assentava em três pilares: a transmissão de conhecimento, o desenvolvimento de competências e a certificação formal dos alunos.

No entanto, com a chegada da IA, o primeiro destes pilares sofreu uma transformação profunda. “O conhecimento passou a ser uma mercadoria acessível. Está todo disponível, gratuitamente, a qualquer hora”, afirma Santa Clara. Segundo o professor de Finanças, as ferramentas de IA, como os chatbots, permitem não só resumir informação de diversas fontes de forma coerente, como também estruturar programas de estudo personalizados para áreas específicas, como biologia molecular, adaptando o ritmo e a profundidade ao aluno.

Apesar das limitações e de erros ocasionais, Santa Clara sublinhou que a evolução destas tecnologias é rápida e inevitável: “Na verdade, esta tecnologia já está a melhorar muito”. Para o académico, as universidades ainda não assimilaram a mudança em curso, pelo que o modelo tradicional de aulas, trabalhos e exames está a tornar-se ineficaz: “Hoje, os alunos podem introduzir o enunciado do trabalho num chatbot e obter a resposta sem realmente aprender nada. Muitas vezes nem leem sequer o enunciado. Isto está a ser um drama”, concluiu.

A 3.ª Talk .IA do ECO foi dedicada ao reskilling dos trabalhadores e procurou respostas para a questão central dos próximos cinco anos: como preparar equipas, empresas e políticas públicas para que a IA seja uma oportunidade e não uma sentença de exclusão.

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