BCE teme rali tóxico nas bolsas europeias e alerta para “vulnerabilidades elevadas” na Zona Euro
Sob o brilho das bolsas em máximos históricos, o Banco Central Europeu aponta para a concentração em tecnológicas, finanças públicas frágeis e riscos bancários a subirem o tom na Zona Euro.
- As bolsas mundiais atingem novos recordes, mas o Banco Central Europeu alerta que os mercados subestimam riscos financeiros significativos que podem surgir.
- O BCE identifica vulnerabilidades como valorizações excessivas, fragilidades orçamentais em economias avançadas e a exposição dos bancos a setores sensíveis às tarifas comerciais.
- Apesar da resiliência do sistema bancário europeu, o BCE recomenda a manutenção de reservas macroprudenciais e políticas ágeis para garantir a estabilidade financeira.
As bolsas mundiais continuam a bater recordes e os bancos da Zona Euro apresentam balanços sólidos, mas o Banco Central Europeu (BCE) alerta que os mercados podem estar a subestimar os riscos.
Valorizações esticadas, concentração excessiva em gigantes tecnológicos norte-americanos, fragilidades orçamentais em algumas economias avançadas e a exposição dos bancos a setores sensíveis às tarifas comerciais formam um cocktail potencialmente explosivo para a estabilidade financeira europeia, destaca o BCE no seu mais recente relatório de Estabilidade Financeira, publicado esta quarta-feira.
No decorrer da apresentação do Financial Stability Review de novembro, Luis de Guindos, vice-presidente do BCE, identifica três grandes fontes de vulnerabilidade que podem materializar-se em simultâneo:
- Valorizações elevadas nos mercados de ações cada vez mais concentrados, que aumentam o risco de ajustes bruscos de preços.
- Desafios orçamentais em algumas economias avançadas, que podem testar a confiança dos investidores e provocar instabilidade na economia.
- Exposições a empresas sensíveis às tarifas, bem como os laços de financiamento mais fortes com instituições financeiras não bancárias, que podem colocar os bancos da Zona Euro sob pressão.
O relatório do BCE destaca que “as valorizações esticadas em mercados de ativos cada vez mais concentrados aumentam o risco de ajustes de preços bruscos e correlacionados”. Luis de Guindos já tinha alertado, no início de outubro, para esta situação, salientando inclusive que os mercados “não estão a valorizar de forma correta os riscos geopolíticos”.
Os mercados acionistas globais recuperaram rapidamente dos mínimos de abril, quando a turbulência provocada pelos anúncios de tarifas dos EUA abalou os mercados, e atingiram repetidamente novos máximos históricos nos meses seguintes.
Este renovado apetite pelo risco foi impulsionado pela perceção de menor tensão comercial, resultados empresariais sólidos, expectativas de flexibilização da política monetária nos EUA e o otimismo persistente em torno do potencial da inteligência artificial.
O sentimento de mercado pode mudar abruptamente, não apenas se as perspetivas de crescimento se deteriorarem, mas também se os resultados do setor tecnológico não corresponderem às expectativas.
Contudo, o relatório do BCE sublinha que “o ambiente internacional permanece volátil e a Zona Euro, uma economia aberta, bem integrada nas cadeias de abastecimento globais e nos mercados financeiros internacionais, pode enfrentar pressões”.
Luis de Guindos escreve no prefácio do relatório que “o sentimento de mercado pode mudar abruptamente, não apenas se as perspetivas de crescimento se deteriorarem, mas também se os resultados do setor tecnológico — especialmente das empresas associadas à inteligência artificial — não corresponderem às expectativas”.
O risco da concentração de mercado entre as maiores empresas tecnológicas norte-americanas, conhecidas como “Magnificent 7” (Alphabet, Amazon, Apple, Meta, Microsoft, Nvidia e Tesla), atingiu níveis sem precedentes, destaca o BCE. “As ações destas sete empresas valorizaram 58% desde 8 de abril, enquanto o resto do índice S&P 500 subiu apenas 24%”, lê-se no relatório. Esta dinâmica deixa os mercados expostos a riscos decorrentes de potenciais choques nestas empresas, alertam os técnicos do BCE.

Fragilidades orçamentais podem testar a confiança dos investidores
O segundo grande risco identificado pelo relatório de Estabilidade Financeira prende-se com as finanças públicas de algumas economias avançadas, que podem colocar à prova a confiança dos investidores e desencadear stress nos mercados de obrigações soberanas.
O relatório do BCE alerta que “as preocupações do mercado com as finanças públicas esticadas podem criar tensões nos mercados de obrigações globais, com repercussões para a estabilidade financeira da Zona Euro por alterações nos fluxos de capitais internacionais e oscilações cambiais”.
A análise do BCE destaca ainda que, apesar do progresso substancial na consolidação orçamental desde a pandemia de Covid-19, alguns países continuam sobrecarregados com níveis elevados de dívida e défices orçamentais que se espera persistirem nos próximos anos. O relatório nota especificamente que a dívida francesa ultrapassou em termos de yield a dívida italiana pela primeira vez desde 2003 — um sinal preocupante sobre a perceção de risco soberano.
Os desfasamentos de liquidez dos fundos de investimento abertos, os bolsos de elevada alavancagem entre hedge funds e a opacidade nos mercados privados podem amplificar o stress de mercado.
Nos EUA, as preocupações com a credibilidade orçamental aumentaram devido aos défices persistentemente elevados, expectativas de custos de serviço da dívida mais altos e necessidades de financiamento consideráveis. Luis de Guindos alertou em outubro que a maior economia do mundo apresenta uma dívida pública “de 120% do PIB” e enfrenta o risco de uma “deterioração adicional”.
As necessidades de despesa em defesa — com a NATO a estabelecer uma meta de 5% do PIB até 2035 — e os planos de investimento em infraestruturas em alguns países da área do euro deverão aumentar a emissão de obrigações soberanas, e com isso pressionar ainda mais as contas públicas. Com a presença reduzida do Eurosistema nos mercados de obrigações, a capacidade da base de investidores para absorver esta oferta adicional será crucial.

Setor bancário resiliente, mas sob vigilância
A terceira vulnerabilidade sob os céus da área do euro diz respeito aos bancos da Zona Euro, que podem ser desafiados pelas exposições ao risco de crédito de empresas sensíveis às tarifas e pelos laços de financiamento mais fortes com entidades não bancárias.
O relatório nota que os setores sensíveis às tarifas e orientados para a exportação, como a indústria transformadora, representam uma parte significativa do valor acrescentado total, do crédito e do emprego, o que implica que choques que afetem estes setores podem ter repercussões mais amplas. Essa realidade já é visível pelo aumento das falências de empresas em diversos setores e países, face às perspetivas de negócio fracas e incertas, apontam os dados do Eurostat.
A valorização do euro face ao dólar, que se apreciou 12% desde o início do ano, amplia ainda mais os impactos das tarifas sobre os exportadores da Zona Euro, notam os técnicos do BCE, numa altura em que as empresas chinesas aumentam as suas exportações para os mercados globais devido à fraca procura interna.
Apesar dos riscos identificados, o relatório de Estabilidade Financeira do BCE reconhece que o sistema bancário europeu tem demonstrado resiliência aos choques recentes
O BCE destaca ainda que os crescentes laços de financiamento entre bancos e instituições financeiras não bancárias (fundos de investimento, seguradoras, fundos de pensões e hedge funds) podem expor vulnerabilidades de financiamento dos bancos em condições de mercado adversas.
“Os desfasamentos de liquidez dos fundos de investimento abertos, os bolsos de elevada alavancagem entre hedge funds e a opacidade nos mercados privados podem amplificar o stress de mercado”, destaca Luis de Guindos.

Apesar dos riscos identificados, o relatório reconhece que o sistema bancário europeu tem demonstrado resiliência aos choques recentes, sustentada por posições fortes de capital, liquidez e rentabilidade, salientando que:
- O retorno sobre o capital próprio (ROE) das instituições significativas manteve-se estável em 9,8% no segundo trimestre de 2025.
- Os rácios de crédito malparado permanecem próximos de mínimos históricos em termos agregados, embora haja deterioração contínua em alguns setores, nomeadamente nas pequenas e médias empresas e no crédito ao consumo.
- As cotações das ações dos bancos europeus têm sido impulsionadas por resultados sólidos e distribuições recordes de dividendos e recompras de ações, com os rácios preço/valor contabilístico a subir para novos máximos pós-crise financeira.
Contudo, o BCE mantém-se cauteloso. O documento recomenda a preservação das reservas macroprudenciais e alerta que a qualidade dos ativos pode deteriorar-se para as exposições empresariais se a fragmentação comercial aumentar ou as condições económicas enfraquecerem ainda mais.
Face aos riscos identificados, o BCE defende a manutenção das reservas macroprudenciais para os bancos e apela a políticas ágeis focadas na estabilidade financeira. Para o setor não bancário, recomenda colmatar lacunas de dados, implementar reformas internacionais acordadas e alargar o conjunto de instrumentos macroprudenciais.
Apesar do brilho dos recordes nas bolsas e da robustez dos bancos europeus, a fotografia da estabilidade financeira mostra um horizonte de nuvens e complexidade que, segundo o BCE, carece de respostas ágeis e reformas rápidas para evitar males maiores no seio da Zona Euro.
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