Maioria das empresas do Estado dá prejuízo e 35 estão em falência técnica, revela o Conselho de Finanças Públicas
O Estado enquanto acionista investe mais e recebe menos, denuncia o Conselho de Finanças Públicas, apontando ainda para o aumento do número de empresas em falência técnica e prejuízos crescentes.
O Setor Empresarial do Estado (SEE) é uma fotografia de dois mundos: de um lado, a Caixa Geral de Depósitos com lucros robustos de 1,7 mil milhões de euros e a TAP em recuperação operacional; do outro, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) continua a consumir dinheiro público, fechando as contas do ano anterior com prejuízos de 1,7 mil milhões de euros, quase o dobro dos prejuízos contabilizados no ano anterior.
Esta dualidade de números fez também despertar duas realidades de resultados. Se em 2024 os contribuintes injetaram menos 25,5% de dinheiro no balanço das empresas públicas, também é certo que os prejuízos das entidades públicas agravaram-se em quase 550 milhões de euros, segundo o mais recente relatório do Conselho de Finanças Públicas (CFP), publicado esta quarta-feira.
“A maioria das empresas não financeiras do setor empresarial do Estado (SEE) registou prejuízos em 2024, com destaque para o setor da saúde”, que concentrou 93% do resultado líquido negativo do SEE, com 1,7 mil milhões de euros em perdas.
Das 88 empresas do SEE analisadas pela entidade liderada por Nazaré da Costa Cabral, apenas 36 tiveram resultados positivos, que no total somaram 565 milhões de euros. As restantes 52 entidades registaram perdas de 1,9 mil milhões de euros, refere o CFP. Significa que, em 2024, por cada 5 empresas, apenas 2 conseguiram fechar as contas sem prejuízos.
“A maioria das empresas não financeiras do SEE registou prejuízos em 2024, com destaque para o setor da saúde”, que concentrou 93% do resultado líquido negativo do SEE, com 1,7 mil milhões de euros em perdas, de acordo com as contas dos técnicos do CFP.
Empresas em “falência técnica” continuam a aumentar
O Estado é hoje um acionista que investe cada vez mais para colher menos retorno. Com 187 mil trabalhadores — cerca de 3,7% do emprego nacional — e um Valor Acrescentado Bruto de 12,8 mil milhões de euros, o SEE cresceu significativamente em 2024. Mas cresceu justamente nos lugares errados: o investimento público aumentou, o volume de negócios expandiu, e mesmo assim o resultado líquido piorou vertiginosamente, caindo de -766 milhões de euros em 2023 para -1.312 milhões em 2024.
A resposta está numa ferida que continua aberta e a agravar-se todos os anos: segundo a análise do CFP às contas de 132 empresas públicas do perímetro do setor empresarial e regional do Estado (de um universo global de 186), eram 35 as empresas que se encontravam em situação de “falência técnica” no final de 2024, mais 6 do que no ano anterior. Significa que 35 empresas do setor empresarial público (que agregava 146 entidades no final do ano passado) apresentam capitais próprios negativos, uma situação que, no mundo privado, obrigaria a medidas drásticas de recapitalização ou dissolução.
O aumento de 29 para 35 empresas nesta condição é explicado sobretudo pela “inclusão de novas ULS” no perímetro do SEE, a maioria das quais herdou estruturas financeiras já débeis antes da sua criação, justifica o CFP. No total, estas 35 empresas em falência técnica acumulavam um capital próprio negativo de grande magnitude, sendo que “cinco destas empresas concentravam 86% do valor negativo global do setor”, destaca o relatório do CFP.
A existência de várias empresas em falência técnica compromete a sustentabilidade económico-financeira e aumenta o risco de pressões adicionais sobre as finanças públicas.
No topo da lista das empresas mais descapitalizadas está a Parvalorem, a sociedade criada na sequência da nacionalização do BPN e que continua a arrastar passivos históricos — e cuja liquidação está prevista acontecer até ao final de 2027.
Logo a seguir surge a TAP SGPS, cuja situação patrimonial permanece fragilizada apesar dos esforços de reestruturação. A transportadora aérea viu o seu capital social reduzido de 980 milhões de euros para 313,6 milhões em outubro de 2024, “através da diminuição do valor nominal das ações, visando a absorção de prejuízos”.
No universo da saúde, a situação é ainda mais dramática: 30 das 42 entidades do SNS apresentavam capitais próprios negativos no final do ano passado, totalizando 1,6 mil milhões de euros em buracos patrimoniais. As ULS de São José (-250 milhões de euros), Coimbra (-236 milhões de euros) e Arrábida (-126 milhões de euros) concentravam cerca de 38% deste valor negativo, perfazendo o top 5 das empresas menos descapitalizadas no seio do SEE, juntamente com a Parvalorem e a TAP SGPS.

“A existência de várias empresas em falência técnica compromete a sustentabilidade económico-financeira e aumenta o risco de pressões adicionais sobre as finanças públicas”, lê-se no relatório. Ou seja, o Estado-acionista será, mais cedo ou mais tarde, chamado a colmatar estes buracos com dinheiro dos contribuintes.
A persistência desta situação resulta de um padrão de gestão que o CFP não hesita em criticar, notando que a prática “recorrente de injeções [de capital] discricionárias contribui para a descredibilização e a desresponsabilização da gestão hospitalar, ao não promover mecanismos de planeamento e sustentabilidade ajustados à realidade operacional das EPE”.
Os técnicos do CFP apontam para que “apenas 70 Relatórios e Contas de 2024 (48% do total) tinham sido aprovados pela Tutela à data de fecho deste relatório”. Em 2023 essa percentagem foi de 52%.
Em sentido oposto às 35 empresas descapitalizadas, contavam-se 53 empresas com capitais próprios positivos no final do ano. Cinco delas absorviam 80% do valor agregado positivo do setor empresarial do Estado, com destaque para a Infraestruturas de Portugal, que registou capitais próprios de 14,8 mil milhões de euros – beneficiando, no entanto, do esforço financeiro robusto do Estado, que injetou 1,8 mil milhões de euros em dotações de capital só em 2024.
O quadro geral é de uma dicotomia acentuada: de um lado, empresas que funcionam bem e geram retorno; do outro, um contingente significativo que vive à margem da viabilidade financeira e depende permanentemente de transfusões públicas para sobreviver.
Outro ponto crítico é a governação do SEE. Os técnicos do CFP apontam para que “apenas 70 Relatórios e Contas de 2024 (48% do total) tinham sido aprovados pela Tutela à data de fecho deste relatório”. Em 2023, a percentagem de aprovação não era muito diferente: apenas 52% tinham sido aprovados. Persistem assim “fragilidades no reporte” e não existe “uma base de dados centralizada e atualizada que permita acesso público a informação completa sobre o SEE”, denuncia o CFP.
O retrato do setor empresarial do Estado espelhado no relatório do CFP revela um dilema sem respostas fáceis. Enquanto a Caixa Geral de Depósitos lucra e a Infraestruturas de Portugal prospera com apoio estatal, o SNS e dezenas de empresas públicas drenam recursos a grande velocidade. Recapitalizações constantes, capitais próprios negativos a escalarem e uma gestão que foge à responsabilidade criaram um sistema onde sucesso e fracasso coexistem, mas a conta é sempre paga pelo mesmo: o contribuinte.
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