Carlos Tavares vê chineses a comprar fábricas automóveis europeias a “valor simbólico”
Ex-CEO da Stellantis avisa que, nos próximos 5 anos, chineses vão controlar 10% do mercado automóvel europeu, o que vai levar ao fecho de fábricas. "Europa vai dar indústria automóvel aos chineses."
O gestor português que abandonou a liderança da Stellantis em dezembro do ano passado avisa que a Europa cometeu um erro “gravíssimo” que abriu a porta aos construtores automóveis chineses. Carlos Tavares antecipa que estes fabricantes chineses cheguem “rapidamente” a uma quota de mercado de 10% do mercado automóvel europeu nos próximos cinco anos, conduzindo ao fecho de dez fábricas na região. “Quando houver manifestações, pneus a queimar e paletes a arder”, os governos europeus vão vender por “valor simbólico” aos chineses para salvar os postos de trabalho.
“A Europa cometeu um erro gravíssimo, que foi decidir uma tecnologia em vez de decidir o objetivo. A intenção era baixar drasticamente as emissões, mas não se deve impor a tecnologia, deve-se impor uma regulamentação que é neutra em tecnologia para permitir às centenas de milhares de engenheiros desta indústria propor a solução que é a mais acessível, mais limpa e mais segura”, refere o gestor, numa intervenção no Millennium Portugal Exportador, que se realiza esta terça-feira no Europarque (Santa Maria da Feira).
“É um caso de arrogância intelectual, que tem custo enorme e no período de caos mais acentuado dessa indústria abriu-se a porta aos chineses que estão a trabalhar nesse domínio já há mais de 20 anos”, critica, reforçando que “é um mecanismo fantástico para oferecer indústria automóvel europeia aos chineses”.
E explica como: “Com a aproximação dos construtores chineses vão conseguir rapidamente 10% quota de mercado”, o que “vai acontecer nos próximos cinco anos”. Tendo por base um mercado de 15 milhões de veículos, isto equivale a 1,5 milhões carros, ou “dez fábricas de 150 mil [veículos] por ano”.
Ou seja, “há dez fábricas, nos próximos cinco anos, que pertencem aos europeus, que vão perder atividade. Quando perderem atividade vai haver manifestações, pneus a queimar e paletes a arder”. Nessa altura, diz, vai haver “um chinês a dizer que vai comprar por um valor simbólico e ficar com empregos” e os governos vão ceder. “A Europa vai dar indústria automóvel aos chineses“, lamenta.
Apesar deste cenário negro para a indústria automóvel europeia, Carlos Tavares garante que “a indústria automóvel poderá ter grande futuro, não há democracia sem liberdade de movimentos e esta liberdade de movimentos tem de ser segura, limpa e acessível“. Por isso, a indústria “tem um grande futuro à sua frente”, remata.
Europa vai ter de “trabalhar melhor” para manter nível de vida
Não é apenas no setor automóvel que Carlos Tavares identifica problemas. Para o gestor, o mundo está a confrontar-se com uma situação em que “os EUA tornaram-se num país que é meramente transacional”, é “um país com o qual se faz negócios”, a China surge com uma posição reforçada e a “Europa está a correr um risco muito importante de se desqualificar para fazer parte desse bloco de três mais importantes do planeta”.
Perante este problema, em que a Europa precisa entrar “na corrida” para ganhar competitividade e produzir mais, Carlos Tavares avisa que “não se pode dizer aos europeus que vamos protegê-los com a riqueza que estamos a criar”.
“É preciso dizer às nossas populações que para protegermos o nosso nível de vida atual temos de estar na corrida”, o que significa “trabalhar mais”, mas como “provavelmente as nossas populações não vão aceitar trabalhar mais” tem de se trabalhar “melhor”.
O gestor destaca que um trunfo para aumentar a competitividade é reduzir burocracia e tecnocracia, que na Europa, quer em Portugal. Quanto ao futuro do país realça que “a nossa agilidade tem de ser uma força”. Num contexto em que Portugal anda “atrás da Europa” há 40 anos, o que diz ter sido uma boa decisão, Tavares questiona: “Se a Europa começa a estar em declínio, qual é o nosso interesse de ir a reboque de uma Europa em declínio?”
Como resposta a esta pergunta, o gestor nota que esta é uma “questão sensível”, mas defende que “uma estratégia de diferenciação de um país que quer ser competitivo, nomeadamente com a Ásia, que vai além do bloco europeu, tem de ter capacidade de executar uma estratégia a 20 anos”, o que implica “chamar à responsabilidade os principais partidos políticos, nomeadamente ao centro, para que construam juntos uma estratégia a 20 anos“.
“Temos de ser capazes de transformar o país pelo centro, com a certeza de que temos uma estratégia a 20 anos e tem de ser construída pelos partidos”, conclui.
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