João Rendeiro: Da fuga misteriosa até à morte na prisão da África do Sul

Nos últimos oito meses, a vida do ex-banqueiro ficou marcada pela fuga à Justiça portuguesa, pela captura na África do Sul e pela tentativa de extradição. Reveja o filme dos acontecimentos.

João Rendeiro foi encontrado morto esta sexta-feira na prisão de Westville, na cidade sul-africana de Durban. O ex-banqueiro, prestes a completar 70 anos, terá cometido suicídio, segundo a advogada que representava o fundador do Banco Privado Português (BPP).

O dia 13 de maio de 2022 marca o fim de um percurso acidentado que se prolongou por oito meses, desde o final de setembro do ano passado. Envolveu desde uma condenação a prisão efetiva num dos processos, até à fuga rumo à África do Sul e a posterior detenção por parte das autoridades locais. Recorde os últimos episódios da vida de João Rendeiro.

28 de setembro de 2021

O tribunal condenou João Rendeiro a três anos e seis meses de prisão efetiva pelo crime de burla qualificada, Outros dois ex-administradores do BPP foram condenados no mesmo proceso: Paulo Guichard a três anos de prisão efetiva e Salvador Fezas Vital a dois anos e seis meses. Rendeiro não esteve na audiência porque ainda se encontrava em Londres.

Neste dia, o ex-banqueiro anunciou que não voltaria a Portugal para cumprir a pena de prisão efetiva. “No decurso dos processos em que fui acusado efetuei várias deslocações ao estrangeiro, tendo comunicado sempre o facto aos processos respetivos. De todas as vezes regressei a Portugal. Desta feita não tenciono regressar. É uma opção difícil, tomada após profunda reflexão. Solicitei aos meus advogados que a comunicassem aos processos e quero por esta via tornar essa decisão pública”, segundo comunicado publicado no seu blogue “Arma Crítica”.

João Rendeiro estava em Londres e o Tribunal deu-lhe um prazo até 1 de outubro para regressar para que fosse revista a medida de coação a que está sujeito, o termo de identidade e residência, a mais leve de todas. Rendeiro teria fugido para um país sem acordo de extradição com Portugal.

9 de outubro de 2021

Carlos do Paulo, advogado do ex-banqueiro, iria enfrentar um processo disciplinar da Ordem dos Advogados por alegado conflito de interesses. Segundo avançou na altura o jornal NOVO, o Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados estaria a investigar as declarações que Carlos do Paulo à TVI, após a fuga de João Rendeiro. Em 2009, Carlos do Paulo tinha organizado manifestações com clientes lesados do BPP, que seria extinto em 2010.

28 de outubro de 2021

O semanário Expresso noticia que três das obras de arte de João Rendeiro que estavam arrestadas pela Justiça, ao cuidado de Maria de Jesus Rendeiro, foram vendidas pela leiloeira Christie’s entre março e outubro de 2021, uma delas no dia em que Rendeiro foi condenado a 10 anos de prisão, outra quando já estava em fuga, há cerca de um mês.

A situação levou Maria de Jesus Rendeiro, mulher de João Rendeiro, fosse presente à justiça, pois havia 15 obras de arte arrestadas que estavam em parte incerta. Maria de Jesus só tinha encontrado sete das obras e era suspeita do crime de descaminho, punido com pena de prisão até cinco anos.

3 de novembro de 2021

A mulher de João Rendeiro foi detida na sequência de um mandado que teve em conta o “forte perigo de fuga, para a aquisição e conservação da prova e para a descoberta da verdade”. Em causa estava um alegado esquema de branqueamento de capitais. O caso também envolvia o presidente da ANTRAL (Associação Nacional dos Transportes Rodoviários em Automóveis Ligeiros), Florêncio de Almeida. Como medida de coação, Maria de Jesus Rendeiro acabaria por ficar em prisão domiciliária.

Segundo informação da altura da RTP, que citou documentos da investigação em curso, João Rendeiro passou um apartamento para o nome do presidente da ANTRAL em 2015, apesar de não haver qualquer comprovativo de que esse ativo tenha sido efetivamente pago. Três anos depois, Florêncio de Almeida cedeu-a ao filho, acabando por ser vendida por um preço três vezes superior ao da suposta aquisição (1,4 milhões de euros). Dinheiro que terá servido para comprar uma propriedade no Alentejo e o apartamento na Quinta Patino — em dinheiro e junto à mansão do patrão –, cujo usufruto foi cedido à mulher de Rendeiro.

No decurso dos processos em que fui acusado efetuei várias deslocações ao estrangeiro, tendo comunicado sempre o facto aos processos respetivos. De todas as vezes regressei a Portugal. Desta feita não tenciono regressar. É uma opção difícil, tomada após profunda reflexão. Solicitei aos meus advogados que a comunicassem aos processos e quero por esta via tornar essa decisão pública.

João Rendeiro

Ex-presidente do BPP

22 de novembro de 2021

João Rendeiro deu a única entrevista após a fuga à CNN Portugal e garantiu que só voltaria a Portugal se fosse ilibado ou alvo de indulto do Presidente da República. A CNN Portugal não conhece o paradeiro de Rendeiro, que deu esta entrevista à distância e através de tecnologias que escolheu para proteger rastos de localização.

Rendeiro dizia-se injustiçado e comparou a sua situação com a de Ricardo Salgado, que dizia ser “protegido pelo sistema”. Já quanto a si próprio tinha outra opinião: “Como nunca paguei nada a ninguém e não tenho segredos de Estado, sou um poderoso fraco”. Salgado “segue com a sua vida tranquila em Lisboa”, disse.

24 de novembro de 2021

Carlos do Paulo negou ter sido sido quem elaborou o plano de fuga de João Rendeiro para parte incerta, depois de o ex-banqueiro ter afirmado isso na entrevista à CNN Portugal.

Carlos do Paulo disse que o ex-banqueiro “está desesperado contra tudo e contra todos”. O advogado negou também conhecer o paradeiro de Rendeiro e explicou que renunciou às funções quando o antigo dono do BPP desobedeceu à Justiça e fugiu de Portugal para escapar à prisão.

11 de dezembro de 2021

João Rendeiro foi detido pelas 7 horas em Durban, na África no Sul. O ex-banqueiro tinha fugido para um país com o qual não tinha acordo de extradição mas que tinha assinado um acordo de cooperação direto, facilitando a extradição entre países assinantes. Na altura, a Advocatus escreveu que o processo de extradição do ex-banqueiro poderia levar mais de um ano.

14 de dezembro de 2021

O fundador do BPP foi presente ao juíz do tribunal de Verulam, nos subúrbios de Durban. A audiência aconteceu um dia depois da data prevista, a pedido da advogada de Rendeiro, June Marks. A defesa pretendia que o ex-banqueiro fosse libertado sob fiança.

17 de dezembro de 2021

O juiz sul-africano rejeitou a libertação e proposta de caução apresentada pela defesa de João Rendeiro, por considerar que existe o perigo de fuga tendo em conta o historial do ex-banqueiro. Ficaria detido pelo menos até 10 de janeiro numa prisão na África do Sul. O antigo presidente do BPP permaneceu em detenção provisória ao abrigo da convenção europeia de extradição de que Portugal e África do Sul são signatários.

30 de dezembro de 2021

O prazo para Portugal submeter a documentação para a formalização do pedido de extradição do antigo presidente do BPP João Rendeiro foi prorrogado para o máximo de 40 dias, expirando agora a 20 de janeiro.

26 de janeiro de 2022

A defesa alega que o ex-presidente do BPP foi alvo de “tentativas de extorsão” e que os seus direitos humanos estão a ser violados na prisão de Westville, em Durban (África do Sul). Segundo uma carta enviada às Nações Unidas (ONU), a advogada June Marks queixou-se das condições “terríveis” do estabelecimento prisional no qual o antigo banqueiro se encontra detido desde 13 de dezembro, ao afirmar que “há mais de 50 pessoas na cela” e que não há “roupa de cama verdadeira” disponível, apelando a que a Comissão da ONU para os Direitos Humanos vá inspecionar “o mais depressa possível” Westville.

22 de março de 2022

Neste dia, a Polícia Judiciária (PJ) fez oito buscas em Lisboa, Aveiro e Porto relacionadas com desvio de fundos e descaminho de obras de arte do ex-banqueiro João Rendeiro que estavam à guarda da sua mulher. Segundo a PJ, os factos em investigação podem integrar a prática dos crimes de branqueamento e de descaminho, relacionados “com fundos que se suspeita terem sido retirados do Banco Privado Português, assim como com as obras de arte apreendidas a João Rendeiro no âmbito de processo no qual se encontra condenado”.

5 de abril de 2022

Em declarações ao Correio da Manhã, através da sua advogada, o ex-banqueiro garantiu estar “ansioso pelo início do julgamento”. A defesa acreditava que João Rendeiro não seria extraditado para Portugal.

5 de maio de 2022

Sete meses depois, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) — órgão que fiscaliza a atividade e decisões judiciais — tomou finalmente uma decisão relativamente ao apuramento de responsabilidades pela fuga do ex-líder do BPP, João Rendeiro concluindo que nenhum juiz foi responsável pela referida fuga.

13 de maio de 2022

João Rendeiro, ex-presidente do BPP, foi encontrado enforcado dentro da cela da prisão de alta segurança. A advogada sul-africana avançou à RTP que se tratou de um suicídio. Citado pela CNN Portugal, o advogado Pedro Marinho Falcão explicou que a responsabilidade patrimonial de João Rendeiro mantém-se, transmitindo-se a responsabilidade das dívidas para os herdeiros. O processo criminal “extingue-se” em relação a Rendeiro, mas a mulher e o motorista vão continuar na mira da Justiça.

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