Nord Stream já reabriu, mas há três riscos que preocupam os líderes europeus
As sanções económicas, a turbina retida no Canadá ou "motivos de força maior" são três preocupações que podem condicionar esta fase de reabertura do principal gasoduto que leva gás russo à Europa.
O período de manutenção do gasoduto Nord Stream termina esta quinta-feira, após dez dias de manutenção, tendo já sido reiniciado o funcionamento desta infraestrutura que abastece a Alemanha e a Europa de gás russo.
A operadora do gasoduto, a Nord Stream AG, garantiu que o fluxo de gás recomeçou hoje de manhã, mas informou que o volume levaria algum tempo a aumentar, avançou a agência de notícias alemã DPA. De acordo com os dados transmitidos pela gigante russa Gazprom à Gascade (operadora da rede alemã de distribuição de gás natural), o gasoduto deverá entregar 530 GWh durante o dia de hoje. Isso é apenas “30%” da capacidade total, calculou o chefe da Agência Federal de Redes, Klaus Müller, na rede social Twitter.
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Apontando como motivo a falta da turbina, a Gazprom já tinha reduzido, desde meados de junho, o fornecimento via Nord Stream para 40% da capacidade total.
Num cenário normal, concluída a manutenção do principal gasoduto que liga a Rússia à Europa, os fluxos de gás voltariam a ser enviados para o bloco a um ritmo regular. No entanto, a guerra na Ucrânia, as sucessivas sanções europeias contra Moscovo e o agravar das tensões entre os dois blocos põem em causa a retoma.
Duas fontes próximas do processo garantiram esta semana à Reuters que o abastecimento seria restabelecido, mas os últimos episódios desta saga obrigaram o bloco europeu a preparar-se para o pior. Estimativas da Comissão Europeia e do Fundo Monetário Internacional revelam que os impactos económicos serão inevitáveis. Saiba os três riscos que estão em causa.
Sanções
O primeiro cenário alternativo seria a reabertura, no dia previsto mas a “meio gás”, tal como se verificou nos meses que antecederam o período de manutenção. Desde que a Rússia foi alvo de sanções da parte da União Europeia, a Gazprom impôs como condição que o gás nacional fosse pago em rublos, caso contrário, o fornecimento seria interrompido. A falta de pagamentos levou o Kremlin a cumprir com a ameaça e a cortar o fornecimento a países como a Polónia e a Bulgária e, em alguns casos, a reduzir significativamente o volume de gás via Nord Stream. Os maiores cortes foram sofridos pela Alemanha (40%) e Itália (50%).
Assim, caso seja reposto o serviço do Nord Stream, os líderes europeus antecipam que o regresso seja apenas a metade do fluxo, tendo o regulador alemão confirmado à Bloomberg que os fluxos serão retomados aos níveis pré-manutenção, ou seja, a 40% da capacidade.
A turbina retida no Canadá
Depois de a Gazprom ter avançado com sucessivas reduções surgiram novas preocupações relacionadas com uma turbina do NordStream que estava retida no Canadá para trabalhos de manutenção, os quais estavam a ser conduzidos pela alemã Siemens Energy. Sem essa turbina, argumenta a Gazprom, não será possível garantir o abastecimento de gás através do Nord Stream, urgindo à empresa que devolva o motor o quanto antes.
No entanto, o envio já deverá estar em curso. Pelo menos, essa foi a garantia dada pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, esta terça-feira, altura em que garantiu que a turbina “estava em trânsito” e que não deve ser usada como “pretexto” para o Nord Stream não abastecer gás ao bloco europeu. Segundo o jornal russo Kommersant, a turbina foi enviada para a Alemanha (para não violar as sanções) a 17 de julho, por via aérea. De lá, deverá seguir para a Rússia.
Da parte de Moscovo, Vladimir Putin garantiu que a Rússia vai respeitar os compromissos de abastecimento de gás natural à Europa, mas alertou que o abastecimento via Nord Stream, o gasoduto que liga a Rússia à Alemanha, pode cair para 20% da capacidade na próxima semana se a turbina retida pelo Canadá não for devolvida em breve. De acordo com o líder do Kremlin, se apenas uma turbina estiver operacional, o fluxo diário de gás estará limitado a cerca de 30 milhões de metros cúbicos.
Motivos “de força maior”
No início da semana, a Reuters e a Bloomberg noticiavam que a Gazprom tinha invocado motivos “de força maior” para justificar a limitação no abastecimento de gás que ocorreu nas semanas que antecederam o período de manutenção. A carta a que as agências tiveram acesso, com data de 14 de julho, avisava também aos seus clientes na Europa que não poderá garantir o abastecimento de gás devido a circunstâncias “extraordinárias”, não avançado detalhes sobre quais seriam. Pelo menos três clientes terão sido visados nesta missiva, entre eles, a alemã Uniper que terá rejeitado tal justificação.
Conhecida como a cláusula “Ato de Deus”, a força maior é usada habitualmente nos contratos comerciais e define as circunstâncias extremas que liberta uma das partes das suas obrigações legais. A declaração não significa necessariamente que a Gazprom vai interromper o fornecimento, mas não poderá ser responsabilizada se não cumprir os termos do contrato.
E se não reabrir?
Este tem sido o pressuposto com o qual Bruxelas tem trabalhado, tendo levado a Comissão Europeia a preparar um plano que visa “proteger o gás para um inverno seguro”. No fundo, o executivo comunitário pediu aos 27 Estados-membros que reduzam em 15% o consumo de gás entre 1 de agosto até 31 de março. Esse pedido passará, no entanto, a uma ordem, caso o Nord Stream não reabra e os abastecimentos para o inverno não sejam suficientes para enfrentar a época mais fria.
Simulações da Comissão Europeia e dos operadores do sistema de gás mostram que um corte nas importações russas, em julho, significaria que as reservas da União Europeia ficariam preenchidas entre 65% a 71% no início de novembro, abaixo da meta de 80% que é necessária para o inverno. Isso indica uma lacuna de 30 mil milhões de metros cúbicos de gás (bcm, na sigla em inglês) num cenário de um inverno com temperaturas dentro da média e um fornecimento de gás natural liquefeito alto, sugerindo um risco muito alto de reservas vazias em vários Estados-membros já em abril de 2023, aponta a Bloomberg.
Além de comprometer as reservas, caso o Nord Stream não reabra a economia europeia seria largamente afetada, tendo levado a Comissão Europeia a antecipar que um corte definitivo poderia roubar entre 0,6% a 1% do produto interno bruto (PIB), podendo ascender até 1,5%, num cenário mais agravado (encerramento do Nord Stream e um inverno com temperaturas mais baixas do que a média).
O Fundo Monetário Internacional (FMI) é, no entanto, mais pessimista, e antecipa uma queda do PIB europeu de quase 3%, sendo que os países da Europa Central e de Leste poderiam registar contrações de 6%. A Alemanha, considerado o moto económico do bloco, seria um dos países mais afetados, com um PIB que poderia recuar também perto de 3%.
No caso de Espanha, que é muito menos dependente do gás da Rússia, o efeito seria significativamente mais limitado, com o PIB a cair cerca de 1%, o mesmo que no caso de França. Portugal, apesar de se ressentir por fazer parte do mercado integrado, não depende diretamente do abastecimento do Nord Stream, antecipando-se igualmente uma queda de cerca de 1% no PIB.
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