Juros altos, Europa a arrefecer e inflação. Com que economia vai Medina fazer o OE?
A equipa das Finanças está a desenhar o Orçamento do Estado para 2024 num ambiente de incerteza, com a economia europeia a abrandar e a inflação ainda longe da meta do BCE.
Fernando Medina vai desenhar mais um Orçamento do Estado (o segundo inteiramente da sua autoria, depois de conseguir passar o OE2022), de novo num ambiente de elevada incerteza. A guerra na Ucrânia já dura há um ano e meio e continua a ter efeitos na economia internacional, que se vê a braços com a luta para baixar a inflação. Num contexto de abrandamento económico e de inflação ainda elevada, o ministro das Finanças vai organizar um Orçamento que vai novamente ter muita incerteza e possivelmente mais apoios para lidar com o aumento do custo de vida, bem como uma redução de impostos.
“A situação está bastante nebulosa, com ameaças de recessão, que não se têm concretizado”, sinaliza o economista João César das Neves ao ECO, admitindo que “fazer um orçamento nesta circunstância não é nada fácil”. O quadro do Programa até poderia ser mantido, considera, já que “foi concebido em nebulosidade, que ainda não levantou”.
Mas Medina foi sinalizando que algumas previsões seriam revistas, ainda que numa conferência de imprensa em setembro se tenha recusado a adiantar mais, deixando para a entrega da proposta de Orçamento do Estado para 2024 as clarificações.
O contexto europeu é uma das questões a ter em conta na evolução económica do país, bem como o cenário interno. Os dados conhecidos até agora mostraram um arranque do ano forte, com um crescimento acima do esperado pelos analistas, mas um abrandamento no segundo trimestre. Apesar desta desaceleração, o Governo ainda conta com um excedente no primeiro semestre do ano, impulsionado nomeadamente pelas receitas fiscais. Afinal, qual é o cenário no qual o ministro das Finanças vai desenhar este Orçamento?
Crescimento estagnou no segundo trimestre e prevê-se quebra para terceiro
A economia portuguesa cresceu 2,3% no segundo trimestre face ao mesmo período do ano passado, mas a variação foi nula face ao trimestre anterior. As exportações pesaram no crescimento, mas a procura interna acabou por contrabalançar. Já para o terceiro trimestre, as estimativas do Banco de Portugal apontam mesmo para uma variação negativa.
Depois da surpresa do primeiro trimestre, o segundo já foi assim mais contido, dando um impulso menor à economia no ano. Mesmo assim, dificilmente compromete o objetivo anual (que era de 1,8% segundo o Programa de Estabilidade mas deverá ser mais elevado, como já apontou Medina).
As exportações têm vindo a cair, contribuindo menos para o crescimento do PIB. No segundo trimestre, caíram pela primeira vez em mais de dois anos e meio, recuando 5,2% face ao ano passado. Segundo os dados mensais mais recentes, as exportações caíram em julho 10,6%, naquela que foi a quarta queda consecutiva.
As perspetivas para o terceiro trimestre também não são animadoras. O indicador de atividade económica de julho registou uma variação de apenas 0,1% face ao mesmo mês do ano passado, caindo para o nível mais baixo desde o final de 2022. A síntese económica de conjuntura do INE mostra que a redução do poder de compra e da procura externa estão a penalizar a confiança dos agentes económicos.
Já as previsões do Banco de Portugal, divulgadas no boletim económico de outubro, apontam para uma variação negativa em cadeia para o terceiro trimestre. Este desempenho será seguido por um “crescimento fraco até ao final do ano”, indicam.
Atividade económica na Zona Euro arrefece
Depois de um primeiro trimestre em que o crescimento económico foi muito impulsionado pelas exportações, o arrefecimento da economia em alguns dos principais parceiros comerciais de Portugal prejudicou o desempenho neste indicador. O enfraquecimento da economia europeia acaba assim por afetar também a portuguesa, nomeadamente através das vendas e encomendas às empresas nacionais.
A economia da Zona Euro cresceu apenas 0,1% no segundo trimestre deste ano, face ao trimestre anterior. Para o conjunto dos Estados-membros da União Europeia as estimativas apontam para um crescimento nulo em cadeia no segundo trimestre. No primeiro trimestre, a economia da Zona Euro tinha crescido 0,1%, enquanto o PIB da UE tinha avançado 0,2%.
Quanto às previsões de crescimento para o ano, foram revistas em baixo pela Comissão Europeia, que prevê mesmo uma contração da economia alemã em 2023. A evolução da economia da Alemanha, conhecida como o motor europeu, será um dos determinantes para o desempenho dos países do euro.
Previsões vão ser atualizadas
No Programa de Estabilidade, o Governo previa um crescimento de 1,8% no ano mas Medina chegou a admitir uma revisão em alta para valores à volta de 2,7%. Entretanto, acabou por admitir que poderia não ser tão elevado, mas disse que o impulso do primeiro trimestre deverá ser suficiente para suportar um crescimento de 2,1%, mesmo que o final do ano seja mais desanimador.
Já para 2024 o Governo previa um crescimento do PIB de 2%. O FMI é mais pessimista e estima um crescimento de 1,8%, segundo as previsões de junho, enquanto a OCDE vê um crescimento de 1,5% em 2024 e a Comissão Europeia (nas projeções de maio, já que em setembro Portugal já não esteve incluído nas previsões intercalares).
Entretanto as projeções do Conselho das Finanças Públicas, num cenário de políticas invariantes, apontam para um crescimento do PIB de 2,2% em 2023 e 1,6% em 2024. O Banco de Portugal, por sua vez, reviu em baixa o crescimento do PIB para 2,1% em 2023, 1,5% em 2024 e 2,1% em 2025″.
Na conferência de imprensa onde reagia aos dados que mostram que afinal a economia cresceu 6,8% no ano passado e que o défice foi de 0,3% do PIB, o responsável pela pasta das Finanças destacou que o crescimento que Portugal tem tido deve-se “sobretudo à melhoria do consumo privado, sustentação do investimento e também ao contributo das nossas exportações e capacidade de continuarmos a exportar de forma significativa”.
António Costa destacou também que o crescimento do PIB “assenta numa mudança estrutural da economia portuguesa”, em declarações em junho. Referia-se a fatores como as qualificações, bem como a resiliência das empresas ao enfrentar choques, como ocorreu na pandemia.
Já para a dívida pública, o Executivo previa que o rácio se ia fixar nos 107,5% do PIB, mas o ministro das Finanças também já apontou que deverá ficar abaixo desse valor. Só pela revisão em baixa relativamente à dívida pública que o INE revelou na semana passada, o rácio “diminui para 106,1%”, menos 1,5 pontos do que era projetado anteriormente, sinalizou Medina.
Para o saldo orçamental, a estimativa era de um défice de 0,4%, meta que segundo o reporte enviado ao Eurostat no âmbito do Procedimento dos Défices Excessivos se manteria. Isto apesar de ter registado um excedente de 1,1% no primeiro semestre do ano. Mas o primeiro-ministro já mudou o discurso e revelou, em entrevista à TVI/CNN, que Portugal teria um excedente orçamental no próximo ano.
O CFP estima mesmo que se não avançassem novas medidas, o ano acabava com um excedente de 0,9%. Mas o Governo anunciou um reforço das medidas na habitação e também já sinalizou que podem vir mais apoios para a inflação.
Já para a inflação as Finanças esperavam que fosse de 5,1% para o conjunto do ano. Para 2024, as Finanças apontavam para uma taxa de 2,9%. Já o CFP projeta uma inflação de 5,2% em 2023. O Banco de Portugal estima uma inflação de 5,4% este ano (uma revisão em alta) e de 3,6% em 2024.
Juros mais altos e petróleo a subir
Outro fator que pesa na organização das contas do Estado são os custos de financiamento, sendo que o Governo está a prever um novo aumento dos encargos com os juros da dívida pública no próximo ano. A fatura com o serviço da dívida das administrações públicas vai agravar-se em mais de mil milhões de euros, o que se explica com o forte aperto da política monetária que o Banco Central Europeu está a empreender para controlar a inflação.
De acordo com Quadro de Políticas Invariantes para 2024, um documento em que o Governo revela o que acontece ao saldo orçamental, tanto do lado da receita como da despesa, sem novas medidas o Ministério das Finanças estima que a despesa com os juros devidos pelas administrações públicas aumente 1.002 milhões de euros no próximo ano em relação a este.
Nos mercados internacionais, o Governo olha também para a cotação do petróleo como um dos elementos que, todos os anos, tem em conta na elaboração do Orçamento do Estado. Tem-se verificado uma alta volatilidade nos preços, que têm estado a negociar à volta dos 90 dólares, que traz ainda mais incerteza para o cenário macroeconómico de 2024, sendo que os preços mais altos prejudicam o crescimento, mas podem ser favoráveis para as receitas fiscais.
O economista Pedro Braz Teixeira ressalva, em declarações ao ECO, que “este indicador é um pouco indireto, porque afeta a inflação e os custos das empresas, mas entre o preço do petróleo em bruto e o preço no consumidor há várias margens: de refinação e de comercialização, impostos. Ou seja, o impacto é diluído e, dada a elevada volatilidade do preço do petróleo em bruto, não estamos muito longe da referência inicial”.
Ainda assim, aponta que “a manter-se a tendência altista das últimas semanas, pode haver riscos para o percurso de diminuição da inflação que se tem verificado”. Por outro lado, “também pode ter um impacto favorável sobre as receitas fiscais, que têm beneficiado ao aumento do preço dos combustíveis”. É de recordar que o Governo ainda tem em vigor algumas medidas de mitigação dos preços dos combustíveis, nomeadamente um desconto no ISP.
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