Juros negativos dão borla de 15 milhões aos cofres do Estado
Há quem esteja disposto a emprestar dinheiro a Portugal e a receber menos daqui um ano. Leilões de bilhetes do Tesouro com taxas de juro negativas permitiram poupar de 15 milhões só este ano.
É uma gota de água num imenso oceano de dívida, mas como diz João Queiroz, do Banco Carregosa, “antes uma gota de água poupada do que uma gota de água desperdiçada”. Isto para se referir ao facto de Portugal estar a financiar-se com dívida de curto prazo com juros negativos ao longo deste 2017, em leilões que já permitiram “poupar” 15 milhões de euros aos cofres da República.
Tem sido habitual este ano: de cada vez que o IGCP realiza um leilão de bilhetes do Tesouro, os investidores não se importam de abdicar de rentabilidades dos seus investimentos para emprestar dinheiro ao Estado português. Em todos os leilões realizados em 2017, eles até vão perder dinheiro se mantiverem os títulos de dívida até final da maturidade, que varia entre três e 12 meses.
O mesmo aconteceu no duplo leilão desta semana em que Portugal registou os juros mais negativos de sempre para se financiar em 1.000 milhões, com a procura dos investidores a situar-se quatro vezes acima do que estava em cima da mesa. Há muito interesse por ativos que vão dar prejuízos à partida…
Leilões de bilhetes com juros cada vez mais negativos
Fonte: IGCP
E isto depois de já no ano passado o IGCP ter levantado mais de 16 mil milhões em títulos de curto prazo, pelos quais pagou uma taxa média de 0,02%, quase zero. Em 2017, a taxa deverá mesmo cair para terreno negativo, na medida que todos os 16 leilões de bilhetes do Tesouro registaram taxas negativas, nos quais o investidor pagou um “prémio” a Portugal para absorver estes títulos — quando costuma ser o contrário: é o emitente a pagar um prémio para colocar dívida no mercado.
Contas feitas, Portugal obteve uma poupança de aproximadamente 15,1 milhões de euros nestas operações de financiamento de curto prazo, de acordo com as contas de João Queiroz.
Estes cálculos assumem a diferença entre o que o IGCP recebeu de prémio na colocação dos bilhetes do Tesouro e o respetivo reembolso a 100% na maturidade da dívida, refletindo uma perda para o investidor, o que se traduz em taxas de rendimento até à maturidade negativas.
“Num total de 11 mil milhões de euros de dívida já emitida este ano, caso a taxa de juro tivesse sido zero, o Estado teria gasto ou melhor, não teria poupado, cerca de 15 milhões de euros a mais: dez milhões em 2017 e cinco milhões em 2018″, assume o responsável do Banco Carregosa.
"Num total de 11 mil milhões de euros de dívida já emitida este ano, caso a taxa de juro tivesse zero, o Estado teria gasto ou melhor, não teria poupado, cerca de 15 milhões de euros a mais: dez milhões em 2017 e cinco milhões em 2018.”
Não deixa de ser uma poupança marginal face a um encargo anual com juros da dívida que supera os oito mil milhões de euros por ano. Contas feitas, estes 15 milhões representam uma poupança de 0,0019% da fatura total… “É uma gota de água no nosso serviço de dívida, mas antes uma gota de água poupada do que uma gota de água desperdiçada”, salienta Queiroz.
Emprestar para perder dinheiro?
Várias razões se conjugam para o facto de os investidores aceitarem comprar estes títulos de dívida a um preço que é superior ao seu valor facial. Isto é, eles não se importam de comprar títulos a um preço mais alto do que aquele que vão receber depois no final da maturidade. Aparentemente, esta estratégia pode não parecer muito inteligente, mas há um racional por detrás deste comportamento.
Desde logo porque os bilhetes do Tesouro são ativos muito líquidos: eles atingem a maturidade rapidamente e quem investiu neles recupera o dinheiro de forma mais célere do que quem investe em obrigações dos governos, que apresentam prazos superiores a um ano. E são ativos bastante seguros porque os investidores estão mais cientes da capacidade ou incapacidade de um Governo de reembolsar no prazo de um ano do que em muitos anos. E, no caso de Portugal, depois do bom desempenho na frente económica este ano, os investidores estão mais certos em relação a isso. Quanto menor o risco, menor a taxa.
Por outro lado, também o Banco Central Europeu (BCE) tem protagonizado um papel importante no meio disto tudo. Há algum tempo que a taxa de depósito junto do banco central está nos -0,4% — este é o juro que os bancos comerciais têm de pagar se quiserem deixar o seu dinheiro dentro dos cofres do BCE. O que acontece é que este encargo não é assumido propriamente pelo banco, mas antes pelos clientes, sobretudo empresas e fundos de pensões. Na procura por ativos seguros, estes títulos de dívida com juros negativos até são mais atrativos do que deixar o dinheiro depositado no banco…
"É uma gota de água no nosso serviço de dívida, mas antes uma gota de água poupada do que uma gota de água desperdiçada.”
Neste cenário de baixa de juros, alguns investidores até podem investir numa lógica em que as taxas possam ainda ser mais negativas. Através da negociação destes títulos no mercado secundário, eles acabariam por anular a potencial perda ou ganhar dinheiro com o investimento. O que até pode revelar-se uma estratégia razoável no caso português, numa altura em que as agências de rating ponderam uma melhoria da notação financeira de Portugal, o que valorizariam ainda mais os bilhetes do Tesouro.
“Estes 15 milhões de euros acabam por ser, paradoxalmente, uma “receita” da dívida, mas outros países, como a Alemanha, já fazem isto há muito mais tempo que nós…”, frisa Queiroz.
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