Bruxelas escreve a Centeno: a carta à lupa e em 4 pontos
"Governar neste contexto em que a governação é feita em Portugal e na Europa", afirmou Mário Centeno, esta terça-feira, no Parlamento.
A carta conjunta de Valdis Dombrovskis, vice-presidente da Comissão Europeia, e Pierre Moscovici, comissário europeu para os Assuntos Económicos, marcou a audição parlamentar de Mário Centeno esta terça-feira. O ECO analisa parágrafo a parágrafo a carta que cercou o ministro das Finanças.
“Governar neste contexto em que a governação é feita em Portugal e na Europa, é um exercício de rigor e de respeito pelos equilíbrios fundamentais da economia portuguesa” – a afirmação é de Centeno e o próprio provou dessa governação ao final da tarde quando da União Europeia chegava uma carta que o cercava.
1.
"Caro ministro,
Obrigado pela submissão da proposta de Orçamento do Estado para 2017 de Portugal, o qual recebemos a 17 de outubro.”
Três dias depois de o Orçamento do Estado para 2017 ter chegado à Assembleia da República, o Ministério das Finanças enviou a versão em inglês — em conjunto com o relatório de execução das medidas adicionais de 2016 — ao final da tarde dessa segunda-feira, tal como o ECO noticiou. Mário Centeno cumpriu assim a data estabelecida com Bruxelas uma vez que 15 de outubro era um sábado. No mesmo site da Comissão Europeia onde estão disponíveis os dois documentos está agora esta carta de Moscovici e Dombrovkis.
2.
"Para 2017, a Comissão projeta preliminarmente uma ligeira melhoria do saldo estrutural em comparação com 2016, que (caso se confirme) apontaria para um risco de haver um desvio significativo da melhoria recomendada de pelo menos 0,6% do PIB. O pior número dado pela proposta apresentada por Portugal está relacionado com a comparação um cenário macroeconómico menos otimista projetado pela Comissão e pelo facto de que algumas medidas anunciadas não estão suficientemente especificadas.”
O aviso vem agora da Comissão Europeia, mas já tinha sido dado pela UTAO: esta segunda-feira, os peritos do Parlamento avisaram o Governo — numa nota de análise preliminar ao OE2017 — que as medidas de consolidação previstas não chegam para reduzir o défice estrutural de acordo com as regras de Bruxelas.
O número em causa? 1.300 milhões em austeridade que faltam na proposta do Governo. A Unidade Técnica de Apoio Orçamental aponta que o Ministério das Finanças apenas consegue com uma melhoria do saldo estrutural em 0,34%, o equivalente a 645 milhões de euros.
Contudo, a UTAO afirmou que para haver 0,6% de ajustamento estrutural, a médio prazo, é necessário fazer um esforço equivalente entre 0,9% a 1,1% do PIB. Ou seja, 1.900 milhões de euros. Retirando o valor que o Governo já prevê, segundo a UTAO, ficam a faltar 1.300 milhões de euros.
Os técnicos justificam o esforço maior para ter os resultados pretendidos com a degradação natural das contas, como o envelhecimento da população e os compromissos de despesa plurianuais. A isto acresce o facto da melhoria da atividade económica não ajudar para o saldo estrutural porque o impacto não é descontado.
Faltam, por isso, medidas e a própria Comissão Europeia — para além de duvidar do ajustamento estrutural — avisa que existem “algumas medidas anunciadas não estão suficientemente especificadas”.
3.
"Dados os riscos e discrepâncias entre a proposta do Orçamento do Estado e a análise preliminar da Comissão, gostaríamos de receber mais informação sobre como Portugal vai assegurar o seguimento do esforço recomendado para 2017, tendo em conta o compromisso do pedido fundamentado de 18 de julho de 2016. Além disso e para ajudar na nossa avaliação, será útil receber detalhes nos pressupostos subjacentes às projeções de receitas de todos os impostos e contribuição sociais e transferências. Isto iria incluir informação atualizada na execução da receita fiscal em 2016 e pormenores sobre o retorno esperado do regime especial introduzido recentemente [PERES, o chamado perdão fiscal].”
Tal como o ECO noticiou, o Governo não inscreveu no OE2017 a habitual tabela com a previsão até ao final de 2016 da receita fiscal desagregada por imposto. A oposição em Portugal apontou para a falta de informação e Mário Centeno enviou esta terça-feira uma carta a Ferro Rodrigues a explicar que ainda não fechou as estimativas para 2016.
A audição de ontem esteve em causa, mas acabou por acontecer e foi marcada por esta nova carta de Bruxelas. Apesar de o ministro das Finanças já se ter comprometido a entregar os números até esta sexta-feira e a comparecer para uma nova audição na generalidade, a Comissão Europeia deixou um prazo mais apertado e pediu mais números, desta vez sobre o PERES.
4.
"A Comissão quer continuar o diálogo construtivo com Portugal para que conclua a avaliação. Agradecemos que enviem a informação até dia 27 de outubro de 2016, quinta-feira, até ao final da hora de expediente, para permitir que a Comissão possa tê-la em conta na análise seguinte. Os nossos serviços estão prontos para ajudá-los no processo.”
A Comissão Europeia quer os dados ainda antes do compromisso que Mário Centeno traçou com o Parlamento português. Depois do cerco em Portugal, Moscovici e Dombrovskis pressionaram a equipa do Ministério das Finanças que — se não têm mesmo as estimativas feitas — vão passar os próximos dias a trabalhar para disponibilizar a informação toda dentro do deadline apertado.
Editado por Mariana de Araújo Barbosa.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Bruxelas escreve a Centeno: a carta à lupa e em 4 pontos
{{ noCommentsLabel }}