BCE arrasa reforma da supervisão de Centeno. Leia aqui o parecer

São várias as críticas do BCE à proposta da reforma da supervisão financeira em Portugal. Desde logo, porque poderá criar pressão política extra sobre o governador do Banco de Portugal.

O Banco Central Europeu (BCE) já tem parecer sobre a proposta sobre a reforma da supervisão financeira. E a avaliação está longe de ser positiva, com a instituição a deixar uma longa lista de reparos às mudanças que se pretende introduzir na arquitetura de supervisão do sistema financeiro em Portugal. E fá-lo desde logo porque em muitos casos vai contra as próprias regras europeias, como é o caso da nomeação e exoneração do governador do Banco de Portugal, que passa a estar sobre “pressão adicional” com o novo enquadramento legal, segundo o BCE.

A reforma da supervisão foi lançada em 2017 por Mário Centeno e o projeto legislativo está agora nas mãos do Parlamento.

Entre outros, a proposta prevê a criação do Conselho Nacional dos Supervisores, que ficará com a competência macroprudencial até agora nas mãos do Banco de Portugal, autonomiza a autoridade de resolução, que também está atualmente na esfera do banco central português. Traz também mudanças no processo de designação e afastamento do governador do Banco de Portugal. E é aqui que começam as primeiras dúvidas do BCE.

O BCE foi o último a pronunciar-se sobre o tema e o parecer não é vinculativo. Já antes, Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e Autoridade de Supervisão dos Seguros e Fundos de Pensões (ASF) também já criticado a proposta.

Dúvidas em torno do governador do Banco de Portugal

Os reparos começam logo em torno da figura do governador do Banco de Portugal, nomeadamente quanto à duração do mandato.

A proposta do Governo estabelece um mandato de sete anos, “superior à duração mínima de cinco anos exigida” pelos estatutos do Sistema Europeu dos Banco Centrais. Mas a “disposição relativa à designação do governador de entre um dos membros do conselho de administração do Banco de Portugal durante o seu mandato não é compatível com os estatutos do Sistema Europeu dos Bancos Centrais”, refere o BCE no parecer a que o ECO teve acesso e que foi inicialmente divulgado pelo Observador (acesso livre).

Logo a seguir explica: “Dado que o período remanescente da duração inicial do mandato do antigo membro do conselho de administração do Banco de Portugal (designado como governador) pode ser inferior a cinco anos, a duração mínima do mandato prescrita pelos estatutos do Sistema Europeu dos Bancos Centrais não seria respeitada. Em consequência, (…) a proposta de lei tem de ser alterada para garantir que a duração do mandato não pode ser inferior a cinco anos”.

As observações do BCE sobre o governador do Banco de Portugal são ainda mais longas quando analisa as mudanças no processo de exoneração e nomeação.

A proposta do Governo procede a algumas alterações neste capítulo, mas a autoridade europeia diz que não se pode ir além do que as regras dos bancos centrais já estabelecem.

“Um governador só pode ser exonerado se ‘deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das [suas funções] ou se tiver cometido falta grave’. O BCE é da opinião que os conceitos subjacentes às circunstâncias em que um governador pode ser exonerado são conceitos autónomos do direito da União, cuja aplicação e interpretação não dependem de um contexto nacional”, diz BCE.

A proposta deixa em aberto a possibilidade de a nomeação do governador ter de ser confirmada por um recém-eleito Governo nos casos em que essa eleição tenha ocorrido nos últimos seis meses do mandato anterior. O BCE nota que “a falta dessa confirmação produziria efeitos equivalentes à exoneração do governador com um fundamento diferente dos previstos no artigo 14.º-2 dos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais [o que estabelece os motivos para a exoneração], em especial dado que, nesses casos, o desiderato de salvaguardar a liberdade do governador face a influência política deixaria de poder ser alcançado”.

Por outro lado, uma vez que também a Assembleia da República poderá propor ao Conselho de Ministros a cessação do mandato do governador, algo que está dentro dos estatutos do Sistema Europeu dos Bancos Centrais, “esta disposição pode criar um nível suplementar de pressão política sobre o exercício das responsabilidades do governador”.

Uma última crítica do BCE que precisa de clarificação: “A Lei Orgânica do Banco de Portugal é incompatível com os Estatutos do Sistema Europeu dos Bancos Centrais, na medida em que prevê que o mandato do governador pode cessar em caso de fusão ou cisão do Banco de Portugal. Independentemente de o Banco de Portugal ser objeto de um processo de reestruturação, o governador só pode ser exonerado se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das suas funções ou se tiver cometido falta grave.

Financiamento da Autoridade da Concorrência é ilegal

O Banco de Portugal já tinha alertado e o BCE volta a tocar no ponto: ter o supervisor bancário a financiar a Autoridade da Concorrência não é legal.

“No que diz respeito ao Banco de Portugal, os limites decorrentes da proibição de financiamento monetário prevista no artigo 123.º, n.º 1, Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia devem ser tidos em conta na conceção do novo quadro institucional do sistema de supervisão financeira em Portugal”, começa por alertar o supervisor. “O BCE tem afirmado repetidamente que a legislação nacional não pode exigir que um banco central nacional financie o exercício de funções do setor público, uma vez que tal teria um efeito equivalente a uma concessão de crédito”, contextualiza.

E conclui: “O projetado financiamento da Autoridade da Concorrência pelo Banco de Portugal seria incompatível com a proibição de financiamento monetário (…), que, entre outros aspetos, proíbe a concessão de créditos, sob a forma de descobertos ou sob qualquer outra forma, por um banco central nacional a favor do setor público”.

BCE quer manter política macroprudencial no Banco de Portugal

Em relação às atribuições do Conselho Nacional de Supervisores Financeiros, o BCE diz que a proposta de lei não é clara em “matéria de coordenação das respostas a pedidos de entidades nacionais e estrangeiras, bem como de organizações internacionais”.

“O impacto deste poder deve ser avaliado cuidadosamente porque se todos os pedidos tiverem de ser endereçados ao CNSF e coordenados por esta entidade, essa situação pode causar um atraso considerável na capacidade do Banco de Portugal de responder enquanto autoridade nacional competente no contexto do Mecanismo Único de Supervisão”, alerta o BCE.

Também há reticências na transferência das competências macroprudenciais do Banco de Portugal para o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros. O BCE preferia mantê-las na esfera do banco central por uma questão de eficiência.

Tendo em conta que o mercado português é relativamente pequeno, explica o BCE, “existem argumentos, de uma perspetiva de eficiência e de sinergias, a favor da concentração das responsabilidades de supervisão e macroprudenciais numa única autoridade”.

“Apesar do facto de a proposta de lei prever que o governador do Banco de Portugal dirija as discussões sobre matérias macroprudenciais durante as reuniões do conselho de administração do CNSF, tendo em conta que o Banco de Portugal só teria dois representantes no conselho de administração do CNSF, parece duvidoso que Banco de Portugal mantenha um papel de primeiro plano em matéria de política macroprudencial”, salienta a instituição.

Autoridade de Resolução também deixa dúvidas

O BCE deixa para o final da sua análise os seus comentários em relação à Autoridade de Resolução, que passa a ser um organismo autónomo do Banco de Portugal com a proposta do Governo. E também aqui há reservas.

“Dado que o Banco de Portugal assumiria a liderança do planeamento da resolução e a autoridade de resolução seria responsável pela execução das ferramentas de resolução, seria importante existir um entendimento comum sobre o plano de resolução, considerando também que existe risco para a reputação do Banco de Portugal caso a execução dos planos de resolução pela autoridade de resolução não seja bem-sucedida“, diz o BCE.

(Notícia atualizada às 16h37 com mais informação)

Leia aqui na íntegra o parecer do BCE

 

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