Eleições antecipadas em Espanha podem ser tiro no pé para Sanchéz
Depois de tentar uma geringonça em Espanha, sem sucesso, Pedro Sanchéz convocou eleições antecipadas para reforçar o seu poder. Com o PP e o Vox a crescer, o tiro pode sair pela culatra.
Quis replicar uma geringonça à espanhola, ao mesmo tempo que reclamava protagonismo para Espanha no palco europeu, mas depois de conseguir reforçar os socialistas espanhóis nas eleições de abril, esteve sete meses sem conseguir formar Governo. Pedro Sanchéz avançou para eleições antecipadas, confiante nas sondagens, mas o tiro pode sair-lhe pela culatra, como aconteceu com David Cameron, Matteo Renzi, Theresa May, Alexis Tsipras… e o próprio Pedro Sanchéz na liderança do PSOE em 2016.
Os protagonistas são os mesmos, mas o final pode ser muito diferente. Pedro Sanchéz conseguiu chegar ao poder em junho de 2018, quando o Parlamento espanhol aprovou uma moção de censura ao Governo de Mariano Rajoy. Nomeado pelo Rei de Espanha para formar Governo, o socialista só enfrentou as suas primeiras eleições em abril deste ano.
A campanha foi toda ela muito semelhante ao que aconteceu em Portugal em 2015, com Pedro Sanchéz a fazer campanha por uma esquerda unida e piscando o olho ao Podemos de Pablo Iglesias para recriar uma geringonça à espanhola.
O PSOE venceu, saiu reforçado das eleições e tinha na mão a possibilidade de concretizar o que o seu líder vinha a defender. No entanto, ao fim de sete meses de disputas, algumas delas públicas, Pedro Sanchéz terminou as negociações com Pablo Iglesias.
As duas partes estavam separadas por um ponto fulcral. Pedro Sanchéz queria um acordo de incidência parlamentar com o Podemos, tal como existiu em Portugal na legislatura passada, mas o Podemos só aceitava uma coligação formal, o que implicava a sua entrada no Governo.
Com o bloqueio dos partidos da direita à investidura de Pedro Sanchéz, o primeiro-ministro espanhol decidiu convocar eleições antecipadas na expectativa de que os espanhóis apostassem nos socialistas para vencer o bloqueio que se vive em Espanha.
Desde 2011 que nenhum partido consegue maioria absoluta para governar em Espanha. Os vários escândalos de corrupção que envolveram o Partido Popular espanhol, assim com os anos de crise e de medidas de austeridade retiraram a maioria ao PP em 2015. Desde então, a quarta maior economia da Zona Euro vai para a sua quarta eleição em apenas quatro anos.
Apesar da instabilidade, a economia espanhola conseguiu crescer perto de 2% e 3% nos últimos quatro anos. O crescimento foi um dos mais expressivos na Zona Euro, em parte, como viria a admitir a Comissão Europeia, porque nos anos de 2016 a 2018, quando a economia cresceu mais, a ausência de um Governo com maioria no Parlamento levou a que a redução do défice que era exigida não foi feita. Estes gastos do Estado foram transmitidos à economia, em forma de investimento e de salários aos trabalhadores do Estado.
Portugal acabou por ser um dos mais beneficiados desta ‘inação’. Espanha é o maior parceiro comercial de Portugal e, apesar de outros mercados — como Alemanha, França e Estados Unidos — estarem a arrefecer a sua procura externa dirigida a Portugal, a economia espanhola continuou a registar crescimentos robustos.
Ganhar na Europa para reforçar poder em casa
Enquanto não conseguia apoio para formar Governo em Espanha, Pedro Sanchéz apostou no reforço da imagem e da influência espanhola na União Europeia.
Durante anos, Espanha reclamava que, como quarta maior economia da Zona Euro, merecia mais representatividade nas estruturas de topo europeias e que a sua voz fosse ouvida com mais atenção no Conselho Europeu.
Mariano Rajoy tentou, por duas vezes, colocar Luis de Guindos na liderança do Eurogrupo, mas falhou sempre. Até abrir uma vaga na vice-presidência do Banco Central Europeu, os espanhóis não tinham qualquer cargo de topo na Europa. Ainda assim, para conseguir a vice-presidência do BCE, Luis de Guindos teve de apoiar a pretensão dos socialistas à manutenção da presidência do Eurogrupo, no caso com a eleição de Mário Centeno.
A representação de Espanha estava a ser bloqueada por várias razões, desde logo porque foi a única das grandes economias a pedir um resgate à troika — embora apenas para recapitalizar o setor bancário. Espanha era também a única destas que ainda enfrentava um procedimento dos défices excessivos, chegando a enfrentar a ameaça de multas pela Comissão Europeia ao mesmo tempo que Portugal, em 2017. Só em 2019 é Espanha conseguiria abandonar este procedimento, mais de uma década depois de ter sido aberto. Acresce o facto de Mariano Rajoy fazer parte da família política do PPE, o grupo com mais líderes de governo na Europa, e que já tinha quase todas as presidências das instituições europeias.
Pedro Sanchéz conseguiu fazer o que Mariano Rajoy não conseguiu. Assumiu a liderança dos socialistas na negociação dos cargos de topo na Europa, foi ele quem negociou diretamente com Angela Merkel e Emmanuel Macron e ainda conseguiu para Espanha a pasta do Alto Representante da União Europeia para a Política Externa, uma pasta reforçada com a ajuda ao desenvolvimento em África, a ajuda humanitária e um envelope financeiro significativo, na nova Comissão de Ursula Von der Leyen.
“Espanha está de volta”. Foi assim que Pedro Sanchéz anunciou as suas conquistas na reunião de julho de onde saiu a escolha de Ursula von der Leyen para a Comissão Europeia, na mesma conferência de imprensa em que se auto designou o único negociador dos socialistas europeus no Conselho Europeu – nem sequer referindo o outro negociador, António Costa.
Acertar em cheio na Europa, mas no pé em Espanha
As eleições de abril não deram só a vitória ao PSOE. O resultado foi desastroso para o principal partido da oposição o PP, que teve o pior resultado numas eleições legislativas na sua história.
Apesar de não ter maioria para conseguir formar Governo sem o apoio do Podemos e de partidos regionais, Pedro Sanchéz foi subindo de popularidade nos primeiros meses após as eleições e o PP de Pablo Casado chegou a cair para quarto partido nas intenções de voto.
Munido de sondagens positivas e de uma mensagem em que culpabiliza o Podemos pela incapacidade de formar Governo, Pedro Sanchéz decidiu convocar eleições em Espanha. Desde esse momento, a sua popularidade começou a cair (e a do Partido Popular a subir).
Mas os problemas de Pedro Sanchéz estão longe de se cingirem à recuperação do PP. O Vox, o partido de extrema-direita espanhol, pode duplicar o número de deputados e levar a um empate virtual entre os deputados dos partidos de esquerda e dos partidos de direita. Nas contas do El País, o PSOE teria assim 117 deputados, o PP surgiria em segundo com 92 e o Vox seria o terceiro partido mais votado, passando para 46 deputados.
O Ciudadanos, da família política dos liberais, foi o terceiro partido mais votado e tem sido dos que mais defende que para romper o bloqueio em Espanha, os partidos devem permitir a investidura do líder do partido mais votado, mesmo que seja Pedro Sanchéz. Mas o partido de Alberto Rivera pode ser o maior derrotado nas eleições deste domingo, passando de terceiro partido mais votado, para o quinto partido, e com menos de um quarto dos deputados que tem atualmente.
Na mesma linha, o Podemos de Pablo Iglesias também pode perder um quarto dos deputados que tem atualmente, fragilizando ainda mais os partidos que poderiam alinhar com Pedro Sanchéz.
A campanha tem espelhado a mudança de popularidade de Pedro Sanchéz. O primeiro-ministro espanhol endureceu o discurso contra a Catalunha para tentar captar o eleitorado do Ciudadanos: “Vamos acrescentar um novo crime ao Código Penal que proíbe, de uma vez por todas, a celebração de referendos ilegais na Catalunha“, disse o primeiro-ministro no último debate televisivo entre os principais candidatos.
No entanto, como o líder do PP apontou, quem eliminou esta possibilidade da lei foi o PSOE. Além disso, Pedro Sanchéz aliou-se a partidos regionais da Catalunha para tentar formar governo. Para piorar a sua situação, o socialista disse durante o debate que o Governo iria garantir que o antigo líder do governo catalão, Carles Puidgemont (radicado na Bélgica), iria voltar ao país e ser julgado. Logo no dia a seguir foi obrigado a desmentir-se, garantindo que o poder judicial é independente e que foi o cansaço que o levou a cometer a gafe.
Mas a direita o discurso contra a Catalunha, assolada por confrontos violentos depois da confirmação da condenação dos organizadores do referendo, endureceu substancialmente. “Não estamos no Burkina Faso, senhor Sanchéz, nem estamos no Iémen. Restabeleça a ordem na Catalunha”, disse Pablo Casado, líder do PP espanhol, durante o debate, cuja principal mensagem é que só o PP pode retirar o PSOE do poder.
Alberto Rivera, do Ciudadanos, disse que só negoceia com partidos que respeitem a Constituição. O líder do Vox, Santiago Abascal, foi ainda mais longe: “vou suspender a autonomia da Catalunha e tomar o controlo dos meios de comunicação social, da polícia e do sistema educativo da região”.
A Catalunha e quem é que é capaz de formar Governo têm sido os temas que mais dominaram a campanha, especialmente na reta final em que o Vox ganhou força nas sondagens. Completamente de fora da discussão estão os temas que os espanhóis mais querem ver discutidos, de acordo com os estudos de opinião: o desemprego ainda está acima de 14% (o desemprego jovem é superior a 30%); a economia está a abrandar e no próximo ano vai crescer metade do que cresceu em 2016; e o défice estrutural ainda é superior a 3% e pode complicar a vida em Bruxelas.
Tal como aconteceu com David Cameron quando convocou o referendo do Brexit e com Matteo Renzi que convocou um referendo a uma mudança constitucional, ambos em 2016, com Theresa May nas eleições antecipadas em 2017 e com Alexis Tsipras nas eleições antecipadas que convocou para este ano, Sanchéz queria reforçar a sua posição com novas eleições. O resultado pode ser o oposto.
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