Governo pede aumentos no privado nove vezes maiores que os da Função Pública
O Governo propôs aumentos salariais de 0,3% para a Função Pública, uma subida nove vezes menor do que aquela que está a indicar aos empregadores privados, na concertação social.
A partir de janeiro do próximo ano, os salários de todos os funcionários públicos vão crescer 0,3%, em linha com a inflação observada até novembro de 2019. Esta proposta foi apresentada, esta quarta-feira, aos sindicatos pelo Executivo de António Costa que, paralelamente, está a sugerir aumentos remuneratórios de 2,7% aos empregadores privados, no âmbito do acordo sobre competitividade e rendimentos.
As reuniões com os sindicatos que representam os trabalhadores do Estado começaram na segunda-feira, com a apresentação da proposta de articulado do quadro estratégico. As atualizações salariais foram, assim, atiradas para a reunião desta quarta-feira, exigindo os sindicatos aumentos em torno dos 3% ou dos 90 euros por trabalhador.
A proposta do Governo veio, contudo, “defraudar” tais expectativas. Depois de alguns desentendimentos e confusões, o Ministério de Mário Centeno acabou por esclarecer que o Governo vai considerar como referencial para os aumentos salariais da Função Pública de 2020 “a taxa de inflação observada até novembro de 2019”, ou seja, 0,3%.
Aos jornalistas, o secretário de Estado do Orçamento, João Leão, explicou que essa subida salarial (que custará ao Estado entre 60 e 70 milhões de euros) acresce à subida remuneratória de 2,9% já decorrente do descongelamento das carreiras, totalizando um reforço de 3,2% dos rendimentos dos funcionários públicos, em 2020.
Os sindicatos, por sua vez, recusam concordar com tal interpretação, deixando claro que progressões e aumentos salariais são matérias bem diferentes. “É um insulto”, diz a dirigente da Frente Comum, Ana Avoila, sobre a proposta de subidas salariais de 0,3%. “É ridículo, inaceitável, incompreensível”, considera o líder da Federação de Sindicatos da Administração Pública (FESAP), José Abraão.
De notar que, na mesma altura em que o Governo está a negociar as atualizações salariais dos funcionários públicos para 2020, está também em conversações com os parceiros sociais para um acordo sobre competitividade e rendimentos, no âmbito do qual indicou subidas remuneratórias de 2,7% no privado, para o próximo ano. Ou seja, o Executivo está a sugerir aos privado um reforço salarial nove vezes superior àquele que pretende praticar na Função Pública.
"[Aumento com base na inflação] é ridículo, inaceitável, incompreensível.”
Aos parceiros sociais, o Executivo entregou previsões para aumentos salariais acima “daquilo que é a soma da inflação e da produtividade”, indicando subidas de 2,7% em 2020, 2,9% em 2021 e 2022 e 3,2% em 2023. “A manutenção do poder de compra e os ganhos de produtividade estimados requerem aumentos dos salários nominais até 3,2% em 2023″, lê-se no documento em causa.
Se em 2021 o Governo vê os salários no privado subirem 2,9%, nas Administrações Públicas propõe que a atualização remuneratória seja “igual à taxa de inflação de 2020”. Segundo o secretário de Estado do Orçamento, em causa deverá estar uma taxa “ligeiramente acima de 1%”, ficando em aberto a possibilidade de, caso a inflação em 2020 se situe acima desta estimativa, o aumento corresponder à taxa efetivamente observada. Isto porque, em 2021, haverá mais “margem” para aumentos salariais, já que, em 2020, a pressão decorrente do descongelamento das carreiras ainda é significativa.
A proposta de aumentos salariais da Função Pública quebra, de resto, a série de dez anos sem subidas remuneratórias para a grande maioria dos trabalhadores, ainda que fique significativamente abaixo daquilo que tem sido praticado, por exemplo, pelos patrões no privado na negociação coletiva.
Em 2018, os trabalhadores cujos salários foram fixados em sede de negociação coletiva viram os seus rendimentos subir em média 3,3%, em termos nominais, valor que comparava com o aumento de 2,6% registado em 2017 e que representou o maior salto desde, pelo menos, 2005.
E entre julho e agosto de 2019, a variação salarial média anualizada dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho (IRCT) voltou a fixar-se nesse nível: 3,3%.
De acordo com os dados da Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT), no que diz respeito à variação média intertabelas anualizada, foi no setor dos transportes e armazenagem, que se registou o aumento mais acentuado: 4,2%.
E mesmo no setor com a menor variação média registou-se um salto superior àquele agora sugerido pelo Governo para os funcionários públicos. Em causa estão as outras atividades de serviços, no seio do qual as remunerações subiram 0,5%, de acordo com os dados relativos ao terceiro trimestre deste ano.
“Salário mínimo” da Função Pública sobe menos de dois euros
Em 2019, o Governo escolheu dedicar os 50 milhões de euros previstos no Orçamento do Estado para aumentos da Função Pública exclusivamente às remunerações mais baixas, puxando o “salário mínimo” no Estado para 635 euros.
À boleia desta elevação da base remuneratória, cerca de 70 mil funcionários públicos viram os seus salários crescer 55 euros: dos 580 euros fixados como salário mínimo nacional em 2018 para os 600 euros fixados como salário mínimo nacional em 2019 (ou seja, mais 20 euros); E desses 600 euros para os 635,07 euros correspondentes à quarta posição da Tabela Remuneratória Única (TRU), que passou a ser o escalão de entrada.
Para 2020, o Executivo decidiu aumentar o salário mínimo nacional para 635 euros para todos os trabalhadores do privado, não tendo tal subida qualquer efeito na remuneração mais baixa praticada na Função Pública.
No próximo ano, o salário mínimo nacional e o “salário mínimo” das Administrações Públicas não deverão ficar, contudo, no mesmo nível, ainda que, desta vez, por muito pouco.
De acordo com a proposta apresentada aos sindicatos, as remunerações mais baixas da Função Pública deverão subir 0,3% em 2020, o que representa um aumento de pouco menos de dois euros (1,91 euros) para os salários mais baixos.
O “salário mínimo” do Estado ficará, assim, a menos de dois euros do salário mínimo nacional, o que compara com a diferença de 35 euros em vigor em 2019. É que o Governo reservou, no Orçamento para 2020, 60 a 70 milhões para aumentos na Função Pública, mas desta vez irá distribuir tal quantia por todos os trabalhadores.
Tanto no privado como no público, os “salários mínimos” ficarão livres de retenção na fonte e deverão estar isentos de IRS, uma vez que ficam protegidos pelo mínimo de existência.
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