Zoltan Itsvan, antigo jornalista, ex-candidato à presidência dos EUA e defensor acérrimo do transumanismo. À revista Pessoas, explicou qual será o impacto deste movimento na vida como a conhecemos.
O antigo jornalista da National Geographic, Zoltan Istvan, é uma das caras do movimento transumanista nos EUA, e ficou conhecido depois da candidatura às eleições presidenciais em 2016, pelo Partido Transumanista. Este movimento — o transumanismo — defende a evolução do ser humano além dos seus limites físicos, mentais, com recurso à ciência e à tecnologia. Até à data, Zoltan tem desenvolvido as suas ideias em Silicon Valley e, em outubro do ano passado, esteve em Portugal para participar na 4ª edição do Business Transformation Summit, onde explicou o que é ser-se super-humano e antecipou a evolução da condição humana das próximas décadas.
Alguma profissão está a salvo? O que acontecerá ao mundo do trabalho? Em conversa com a Pessoas, Zoltan revelou as convicções dos transumanistas, de que forma querem mudar o mundo e qual será o impacto da evolução tecnológica.
O que é o movimento transumanista?
O transumanismo é um movimento social –– agora com vários milhões por todo o mundo –, que quer usar a ciência e a tecnologia para melhorar o ser humano e a experiência de ser um ser humano, através de implantes cerebrais, fatos exoesqueletos, viagens para fora do Espaço. É ciência e tecnologia radical.
Foi jornalista e também estudou filosofia. Qual a influência destas duas áreas no percurso como transumanista?
Ter sido jornalista possibilitou tornar-me uma figura pública no movimento do transumanismo, porque conhecia muito bem os media. Quando participas num movimento social, o mais importante são os media, para lhe dar tração. A ciência também é muito importante, mas os media são necessários como o primeiro motor em qualquer tipo de movimento social. A Greenpeace também foi lançada por um jornalista.
Qual o impacto da tecnologia – como a que defende o movimento transumanista – terá no futuro do trabalho?
As minhas visões são um bocadinho negras, talvez até perigosas. O microprocessador tem vindo a duplicar em velocidade e a capacidade a cada 18 ou 24 meses. Se isto continuar, há uma grande probabilidade de que os robôs sejam mais inteligentes do que o ser humano normal em 10 ou 20 anos, ou seja, serão melhores do que os humanos em qualquer trabalho. Isto representa um grande desafio, não só para a Europa, América ou Portugal, como para a raça humana.
O que vai acontecer a todo o mercado de trabalho quando os robôs conseguirem executar melhor todos os trabalhos? Em resposta curta, essas empresas provavelmente quererão robôs, porque são mais baratos e mais eficientes. Contudo, como é que as pessoas vão resolver isso? Talvez uma das formas seja usar implantes cerebrais que permitem conectar a mente em tempo real à internet, para que consigas tomar decisões tão rápido como um robô.
"Temos uma máquina que nos pode permitir nunca mais trabalhar mas, ao mesmo tempo, não queremos acabar com as nossas vidas nem com as nossas carreiras.”
Devemos integrar as pessoas nesta mudança, em vez de as substituir diretamente?
Devemos. No entanto, o capitalismo não funciona assim. O capitalismo funciona num sentido de que um conselho consultivo ou um grupo de CEO que tomam decisões, pensarão no que será melhor para os investidores. E se isto significar substituir 90% da força de trabalho por robôs, então isso acontecerá. É por isso que os governos têm de se impor. Apoio o rendimento básico incondicional aplicado quando o teu trabalho é roubado por um robô: o governo dar-te-á um salário com o qual podes viver de forma feliz e poderás continuar a ter uma casa, comida, etc..
Alguma profissão está a salvo?
Não há nenhuma profissão que esteja a salvo. Todos tivemos de usar o fogo para cozinhar, de aprender para ler bem e, todos teremos de fazer download dos nossos cérebros e ligá-los à internet. Todos teremos de fazer essa transição para acompanhar a evolução. Aqueles que escolhem não o fazer, rapidamente serão deixados para trás.
Qual o recado que tem para os líderes?
Os líderes têm de ter muito cuidado para não cair num caminho totalmente capitalista. E isto porque, se dispensas demasiados trabalhadores por causa de robôs e de inteligência artificial, vai acontecer uma revolução. A revolução vai atrasar a sociedade, e isto não teria qualquer vantagem para a ciência e para a tecnologia. O bom seria uma transição equilibrada. Temos uma máquina que nos pode permitir nunca mais trabalhar, mas ao mesmo tempo não queremos acabar com as nossas vidas, com as nossas carreiras.
O problema é que quando as pessoas pensam em inteligência artificial e na era da robótica, consideram-no o próximo ciclo de evolução e não se apercebem que a IA e a fase robótica vão durar cinco, dez, quinze anos no máximo, até que comece outra era.
Quando pensamos em viver 100 ou 200 anos, o conceito de trabalho vai alterar-se irreversivelmente. O que é que o trabalho passa a significar para nós, num mundo em que poderemos viver “para sempre”?
Há algo em que as máquinas e a inteligência artificial nunca poderão ser melhores do que as pessoas, e isso será em qualquer coisa que exija talento artístico. Não julgamos com base no que é racional ou razoável, baseamo-nos em coisas de que gostamos e isso tem origem nas experiências passadas, nas hormonas, em várias coisas. Gostamos do que é estranho e nem sempre gostamos do que é bom para nós. Não quero dizer que nos tornaremos num bando de artistas, mas penso que o ambiente de trabalho vai exigir muito mais criatividade e isso vai transformar-se numa tendência, porque nenhuma máquina poderá superar isso.
Além da criatividade, qual será o nosso papel?
Não há qualquer dúvida de que o nosso papel é desenvolvermo-nos com as máquinas porque, se não o fizermos, seremos deixados para trás enquanto espécie. O problema é que, quando as pessoas pensam em inteligência artificial e na era da robótica, consideram-no o próximo ciclo de evolução e não se apercebem que a IA e a fase robótica vão durar cinco, dez, quinze anos no máximo, até que comece outra era. Cada era torna-se exponencialmente mais rápida. Por isso, a inteligência vai fundir-se com matérias subatómicas. Se não acompanharmos a tecnologia e aquilo em que se está a transformar, vamos tornar-nos formigas comparados com as máquinas.
Os microprocessadores continuarão a ser desenvolvidos e ficarão tão inteligentes que serão um milhão de vezes mais inteligentes do que nós no espaço de 25 anos. Por isso, é crítico que nos tornemos um só com este tipo de tecnologia, mesmo que não gostemos de implantes, ou de tirar o nosso cérebro e colocá-lo dentro de uma máquina.
Quando falamos de avanços tecnológicos, há algum que queira destacar? O que e que já está a ser feito?
Estou a escrever um artigo sobre pessoas que se apaixonam por outras, online e através de realidade virtual, usando dispositivos na cabeça, luvas, fatos, e que conseguem manter relações dessa forma. Muitas vezes, estas pessoas nunca se encontram, não querem encontrar-se, e são normalmente pessoas que têm muita dificuldade em encontrar alguém. Sentem-se confortáveis com esta nova forma de “amor”. E o mesmo acontece com as pessoas que compram robôs e se casam. Este é um bom exemplo de como a cultura humana está a mudar. Nos EUA, preocupávamo-nos com um homem querer casar-se com um homem, mas agora a preocupação é se teremos os mesmos benefícios se casarmos com um robô.
Estes novos robôs… a menos que estejas a um metro de distância, não é possível dizer que não são reais. É preciso mesmo olhar com atenção, porque a pele é a mesma.
Já alguma vez interagiu com algum desses robôs?
Sim, já. Nunca estive apaixonado por um, claro… mas vi-os. Se não falarem e se movimentarem lentamente, é muito difícil distinguir.
Defende-se que precisamos de procurar o nosso lado humano e as nossas características humanas, para não nos perdermos. É o oposto do que o transumanismo defende…
Muitas pessoas me dizem que o grande perigo daquilo que eu promovo é que estamos a falar do fim da humanidade. No entanto, o que as pessoas esquecem é que o ser humano é imperfeito, vai morrer, vai ter cancro, vai continuar a matar-se, fará muitas coisas terríveis e coisas muito belas. Mas independente do que aconteça, ninguém pode dizer que o ser humano é perfeito, mas pode ser melhorado. Esperamos que na era do transumanismo consigamos tirar o melhor do ser humano — o amor, o conhecimento e a curiosidade — e fundi-lo com as máquinas, que não querem matar-se umas às outras, são melhores para a sociedade e com as quais não há desigualdade, pobreza, doença ou morte. Por isso, sim, o nosso objetivo é o fim da humanidade: não é que queiramos matar o ser humano mas sim tirar a melhor parte de nós para nos tornarmos algo ainda melhor.
"Há algo em que as máquinas e a inteligência artificial nunca poderão ser melhores do que as pessoas, e isso será em qualquer coisa que exija talento artístico. Não quero dizer que nos tornaremos num bando de artistas, mas penso que o ambiente de trabalho vai exigir muito mais criatividade e isso vai transformar-se numa tendência.”
Qual a tecnologia em que o transumanismo está a apostar mais?
Na minha opinião, a modificação genética é o melhor investimento que está a ser feito atualmente. Podemos reestruturar os componentes genéticos dos seres humanos para nos tornarmos quase como criaturas do Star Wars. É ilimitada. Há um número incrível de possibilidades…
O cérebro e o corpo humano são muito complexos. Tão perfeitos, quanto desconhecidos…Não haverá ainda muito para explorar?
Um dos argumentos que as pessoas usam sobre transumanismo é que não querem perfeição, mas dizer que nos vamos tornar perfeitos é uma ideia louca. Mesmo que fossemos mil vezes mais inteligentes, continuaríamos a ser imperfeitos. Somos apenas um bebé, talvez com um ano de idade agora. Temos muito espaço para melhorarmos e não estamos a falar de perfeição. Esse pode ser um objetivo, mas vamos preocupar-nos com isso quando lá chegarmos. Neste momento, estamos só a falar em acabar com as doenças — para que a humanidade não se elimine nas guerras –, e para que consigamos sair do sistema solar. Há triliões e triliões de galáxias e vivemos numa pequena rocha. Somos capazes de muito mais do que isto.
“Viver para sempre”. O movimento transumanista ambiciona o fim da morte. Este tema traz grandes questões éticas e morais complexas — entre elas a religião, o trabalho. No fundo, a vida como a conhecemos hoje. Talvez tenhamos de deixar algo pelo caminho… o que estaria disposto a perder?
A religião teria de desaparecer. Com isso não quero dizer que é mau acreditar na religião. Eu talvez acredite em Deus, normalmente digo que sou ateu, mas na verdade não sei. Considero que, para nos tornarmos mais religiosos, é do nosso interesse tornarmo-nos mais inteligentes. Talvez só enquanto seres transumanistas poderemos começar a entender a nossa própria espiritualidade. Os transumanistas querem transformar-se em algo parecido com Deus e são capazes de o fazer só para alcançar Deus. A questão é que, atualmente, a religião é definitivamente uma resistência ao avanço da tecnologia. Toda a gente diz que a modificação genética é “o diabo” e não devemos interferir com o ser humano, mas eu penso que o ser humano é algo experimental para ser mexido, para ser redesenhado. A biologia falhou e está a atrasar-nos.
"Não há nenhuma profissão que esteja a salvo. Todos tivemos de usar o fogo para cozinhar, de aprender para ler bem e, todos teremos de fazer download dos nossos cérebros e ligá-los à internet. Todos teremos de fazer essa transição para acompanhar a evolução.”
Assim que nascemos, começamos a envelhecer. O próprio desenvolvimento das células cerebrais é, por si só, envelhecimento, mas também é o que possibilita a evolução enquanto seres humanos. Se os transumanistas querem travar o envelhecimento, qual seria a idade ideal para parar de crescer?
O mais importante neste momento é travar o envelhecimento. Se realmente há alguma preocupação com os seres humanos, devíamos dedicar todos os nossos recursos a ultrapassar o envelhecimento biológico, porque é a principal causa de morte no planeta. O principal objetivo tangível do transumanismo é aplicar o dinheiro e recursos em tecnologia anti-aging e para curar todas as doenças.
Em média, os homens são mais inteligentes e mais fortes aos 37 anos. E as mulheres, geralmente, aos 35, 36. Eu recuaria ao meu “eu” de 36 anos, pois era quando me sentia mais forte, mais inteligente e hábil.
A grande questão com o desenvolvimento do cérebro, não é tanto o cérebro mas o aproveitamento do cérebro para a inteligência artificial. É aí que se torna verdadeiramente desafiante. Enquanto jornalista, eu diria que, nos próximos três ou quatro anos, a inteligência artificial será capaz de gerar todos os melhores factos que estou a acabar de lhe contar. O seu trabalho, enquanto jornalista, será torná-los eloquentes e fazê-los soar bem. E, com isto, não digo colocá-los na ordem correta, porque isto poderá acontecer a inteligência artificial. O que será necessário é o toque humano, mais ou menos como quando fazes um capuccino e, no fim, colocas um coração na espuma: isto é algo que uma máquina ainda não consegue fazer e poderá nunca conseguir fazer, porque isto é criatividade, é arte. O estilo da escrita, só o jornalista poderá fazer, mas a recolha dos factos e entrevistas, vai acabar.
Sem morte e sem doenças, também a educação, o conhecimento e o trabalho, sofreriam transformações radicais e, talvez, deixasse de fazer sentido estudar ou trabalhar.
Já tenho este problema com os meus filhos. Tenho um filho de cinco e outro de nove anos. Devo poupar para a universidade deles? Há grandes probabilidades de, na altura que o meu filho estiver na faculdade, já se consiga fazer o download de algum conhecimento. Mesmo que esteja errado, ainda assim, em algum momento do futuro, todos poderemos fazer o download de cinco doutoramentos para os nossos cérebros. Não tenho todas as respostas, mas o que sei é que estas tecnologias estão a ocorrer, estas mudanças vão acontecer, a menos que um asteroide atinja o planeta ou se dê uma guerra mundial. Estamos a chegar a uma era em que, o facto de ir para a faculdade poderá não fazer qualquer diferença. O mundo profissional da raça humana está a chegar ao fim. Desculpe, para a sua revista não soa assim tão bem.
Neste momento, o maior conselho que tenho para qualquer pessoa no mundo é: façam o máximo de dinheiro que conseguirem, hoje.
Em 2016, foi candidato à presidência dos EUA pelo Partido Transumanista. Tendo em conta o seu percurso político, considera que a evolução tecnológica pode ameaçar a democracia?
Há fortes argumentos que defendem que uma máquina consegue tomar melhores decisões para o bem maior de um determinado grupo de pessoas. Ao contrário do trabalho, penso que a democracia pode salvar-se pois é algo que pode ser programado através de algoritmos. Será algo muito fácil de fazer. Não podemos encontrar a melhor democracia através das pessoas, porque as pessoas são imperfeitas. Acho que uma máquina será capaz de dizer: esqueça a direita e a esquerda. Qual é o bem maior, para o maior número de pessoas? Vamos fazer essa escolha.
Como vê o futuro?
Penso que dentro de 15 anos veremos as verdadeiras mudanças radicais. Mas, em dez anos, teremos as primeiras pessoas modificadas geneticamente para parar de envelhecer e os humanos viverão muito mais anos. Não teremos tantos acidentes de viação devido à embriaguez, porque teremos carros autónomos. Teremos um novo líder mundial, e provavelmente será a China. Em dez anos, terão pessoas como eu a cortar braços e a substituí-los por braços robóticos. Eu preferia ter um braço robótico.”
Qual o conselho que deixa para os próximos tempos?
Neste momento, o maior conselho que tenho para qualquer pessoa no mundo é: façam o máximo de dinheiro que conseguirem, hoje. Porque num período de cinco, dez anos, quando a revolução dos robôs começar a acontecer, as economias vão mudar de forma tão drástica que pode não haver hipótese de fazer o dinheiro que se fazia no passado, pois os governos vão ter de se chegar à frente e começar a regular tudo. Quem tiver algum dinheiro, terá dinheiro para o resto da vida, mas quem não tem dinheiro, provavelmente nunca terá oportunidade para o fazer. Não são pensamentos muito positivos, mas são realistas.
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Zoltan Itsvan: “Temos uma máquina que pode permitir-nos nunca mais trabalhar mas não queremos acabar com as nossas carreiras”
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