Eduardo Nogueira Pinto sobre coronavírus: “Teremos uma previsível recessão. Vai ser preciso puxar muito para cima”

Eduardo Nogueira Pinto, sócio da PLMJ, alertou que iremos entrar em recessão e que será preciso “puxar muito para cima” para a ultrapassar a pandemia.

Eduardo Nogueira Pinto é sócio coordenador da área de Saúde, Ciências da Vida e Farmacêutico e membro do Conselho de Administração da PLMJ . Em contexto de pandemia coronavírus, o sócio falou, à distância, com a Advocatus. Alertou que iremos entrar em recessão e que será preciso “puxar muito para cima” para a ultrapassar, relembrou ao poder político a importância das farmácias no apoio ao SNS e abriu ainda a porta à ‘nova’ PLMJ, que não esquece o ADN dos fundadores mas conta agora com os sócios mais novos à frente do barco.

Portugal é um destino competitivo para o investimento na área de investigação e das das farmacêuticas?

Portugal tem boas condições de conhecimento, competências e custos para crescer neste campo, mas faltam outros fatores para tornar o país mais atrativo. Falta dar ao tema a importância que merece.

Uma das áreas em que Portugal se pode posicionar acima do plano em que está, é a dos ensaios clínicos. Como?

Divulgando, esclarecendo e promovendo os ensaios cá dentro, simplificando e normalizando os modelos, dando estímulos ou, pelo menos, eliminando barreiras que dificultam a adesão aos ensaios por parte de hospitais, profissionais e doentes. E aqui há muito caminho a fazer. Foram dados alguns passos, como por exemplo a criação da Agência para a Investigação Clínica e Inovação Biomédica (AICIB), mas falta pôr a máquina a mexer, ou seja: incentivar a realização de ensaios pelo investigador (hospitais, universidades) e, assim, dotar Portugal de uma capacidade instalada constante que permita à indústria farmacêutica multinacional olhar para Portugal de outra forma. Segundo os últimos estudos, dos ensaios clínicos realizados em Portugal, apenas 7% são de iniciativa do investigador. Se queremos chamar mais investimento estrangeiro neste campo, temos primeiro de fazer o nosso trabalho: criar as condições para termos uma massa crítica de investigação verdadeiramente operante e com escala, capaz de colocar Portugal no radar dos promotores.

As farmácias deveriam ser reconhecidas como prestadoras de alguns cuidados de saúde e de apoio ao SNS e, como tal, terem alguns serviços comparticipados?

Evidentemente. Já o foram em alguns casos pontuais mas relevantes (HIV, Diabetes, por exemplo), mas esse âmbito deve alargar-se, sem complexos, a muitas outras situações de prestação de cuidados de saúde. O alto padrão de qualidade das farmácias portuguesas, a sua distribuição geográfica, o reconhecimento e a confiança generalizados que merecem da população, devem ser muito melhor aproveitados pelo nosso SNS. Não podemos esquecer que são, em muitos casos, a primeira linha de cuidados de saúde da população, particularmente se pensarmos em zonas que hoje, por razões de racionalização de recursos, estão mal servidas em matéria de prestação de cuidados de saúde. Com isso conseguir-se-ão enormes ganhos em saúde, quer na prevenção da doença, quer nos cuidados primários. Naturalmente que estamos a falar de um âmbito de cuidados de saúde específico. Estou a pensar, por exemplo, na inclusão das farmácias no Plano Nacional de Vacinação.

É importante ter em conta que as farmácias, sendo empresas privadas, têm uma função de interesse público que acarreta ónus e obrigações e são extremamente reguladas como devem ser, dada a natureza da sua atividade. As farmácias estão desde sempre integradas no sistema nacional de saúde. Não faz sentido que o SNS não lhes atribua mais missões.

As farmácias estão desde sempre integradas no sistema nacional de saúde. Não faz sentido que o SNS não lhes atribua mais missões.

Eduardo Nogueira Pinto

Sócio da PLMJ

As farmácias continuam a ser um modelo para pequenos empresários. Como mudar este status quo?

Tenho dúvidas que seja necessário ou até útil mudar. Um modelo de grandes cadeias, num país com tanta população envelhecida e com difícil mobilidade, parece-me um risco. As farmácias em Portugal não se limitam a dispensar medicamentos (e esta função é absolutamente vital), são também um porto de abrigo da comunidade, sobretudo para tantas e tantas pessoas que sofrem de isolamento social. Por outro lado, de facto, a dimensão dá escala e permite uma melhor sustentabilidade. Conjugando estas duas ideias, o modelo que me parece mais indicado, avaliando as várias perspetivas, é o das pequenas e microempresas ligadas através de uma rede que permita desenvolver padrões de qualidade, conhecimento acumulado e valências que sirvam cada vez melhor a população. E com uma crescente interligação e contratualização de serviços com o SNS, para que também este possa beneficiar.

Os preços dos medicamentos e dispositivos em Portugal são competitivos?

São, e são-no até em demasia. Esta afirmação pode contradizer a perceção geral mas importa explicar porquê. Para respondermos a esta questão, temos de ter presente que a descoberta de novos medicamentos e dispositivos (tecnologias da saúde) implica investimentos avultadíssimos do setor farmacêutico, nomeadamente da indústria. Estes investimentos, em cerca de 90% dos casos, não têm qualquer retorno. Por isso, quando se encontra uma nova solução terapêutica, é natural e legítimo que quem investiu queira rentabilizar. As empresas privadas, se não tiverem lucros, deixam de ter estímulo para ir em busca da inovação. E depois vivemos num mercado global num sistema de referenciação internacional de preços, em que os preços praticados nos diversos países contam para a formação dos preços noutros países. Assim, uma redução dos preços em Portugal tem como impacto imediato a redução de preços noutros mercados, alguns dez ou vinte vezes superiores ao nosso. É natural que, a partir de um certo momento, se os preços de Portugal puxarem para baixo os preços de mercados de maior dimensão, as farmacêuticas optem por não colocar os seus produtos cá. Queremos mesmo correr o risco de nos tornarmos um país pouco atrativo para a colocação de medicamentos? A inovação paga-se. Mas a contrapartida que dá é consensualmente valiosa: maior esperança de vida e melhor qualidade de vida.

Os medicamentos deveriam/poderiam ser mais caros em Portugal?

Quando estamos a falar de bens e serviços de saúde, ninguém diz ligeiramente que os preços devem ser mais elevados. Os preços têm muitas vezes de ser mais elevados sob pena de se perder o acesso à inovação e ao melhor do estado da arte. Os Estados não têm vocação nem capacidade para investigarem novas soluções terapêuticas, é um papel que as empresas desempenham melhor. E as empresas têm de ser viáveis e rentáveis para existirem e investirem. Por sua vez, as pessoas cada vez mais valorizam a saúde. Os medicamentos não inovadores, com a introdução dos genéricos e do sistema de grupos homogéneos, são hoje bastante acessíveis. Mas a inovação tem de continuar a ser especialmente remunerada sob pena de andarmos para trás.

Em contexto de coronavírus, há um espaço de manobra das farmácias para fazer lucro?

A questão principal não é de lucro. Como referi, às farmácias cabe uma missão de interesse público que nunca deixou de ser prioritária e cumprida com qualidade, inclusive nos momentos em que o setor passou por grandes dificuldades económicas. Neste contexto de pandemia, que não sabemos quanto mais tempo vai durar, fica ainda mais à vista a importância das farmácias. As farmácias e os farmacêuticos são a primeira linha em termos de proximidade e acessibilidade da população e são também um último reduto, se a situação continuar a agravar-se (veja-se em Itália). E estão em condições – pois têm a capacidade instalada e o conhecimento necessários – de desempenhar um papel ainda mais abrangente, ajudando a prevenir, retirando pressão ao SNS, dando resposta aos milhares e milhares de doentes que existem para lá do Covid-19 e que têm de continuar a ser acompanhados. Neste e noutros contextos, as farmácias têm muito para dar. Naturalmente que, sendo empresas, têm também de assegurar a sua viabilidade económica sendo remuneradas. Mas não vejo aqui qualquer conflito – está demonstrado que uma maior intervenção das farmácias não só gera ganhos em saúde, como poupanças na despesa pública, tanto presentes (melhorias na adesão à terapêutica), como futuras (maior e melhor prevenção).

Como descreve a atuação das autoridades de saúde nestes últimos dias. Sente-se seguro?

O problema que se coloca por estes dias aos governos e autoridades de saúde é muitíssimo complicado. Do ponto de vista científico e epidemiológico, o conhecimento é ainda escasso, o que não facilita a decisão política. Há no entanto uma regra que nos ensina a decidir e agir com rapidez perante uma ameaça igualmente rápida e relativamente desconhecida. Por ter a perfeita noção de que estamos ainda em território desconhecido, tenho dificuldade em qualificar a atuação. Espero sinceramente que estejamos a agir com a rapidez adequada e tenho-me sentido seguro. Mas sei que noutras condições, menos favoráveis do que as que graças a Deus tenho, seria natural não me sentir.

A comunicação/partilha de informação e de decisões entre poder político e autoridades de saúde corre bem?

A perceção geral – incluindo a minha – é de que não. Mas também já aprendi que as perceções, com a massa de ruído que todos os dias nos envolve, não são um critério absoluto para medir a bondade das atuações. Se se conseguir minimizar os estragos em saúde pública e na economia, as perceções mais ou menos fragmentadas que hoje temos pouco interessarão.

Que impacto poderá ter esta pandemia na nossa economia?

Preocupam-me muito os impactos que esta situação vai ter na nossa vida coletiva. Na economia, naturalmente, mas não só. Há um efeito psicológico que pode ser devastador: para além do confinamento, que com mais ou menos restrições está para durar, temos instalada uma sensação de medo em relação ao contacto e à proximidade social que, com o tempo (não se sabe quanto), se vai agravando. A isto soma-se uma mais que previsível recessão, com milhares de empresas e famílias a serem brutalmente afetadas. Vai ser preciso puxar muito para cima.

Há um interesse cada vez maior das farmacêuticas na canábis medicinal. Há disponibilidade política para explorar este segmento?

Creio que há.

O Infarmed – a entidade reguladora do medicamento que tutela também este segmento – tem feito um trabalho muito importante de modo a assegurar um padrão elevado de know how científico, qualidade, segurança e credibilidade dos projetos da área da canábis medicinal que se propõem ser desenvolvidos no nosso país. Isto na sequência de um conjunto de diplomas legais que foram emitidos desde 2018 e que vieram complementar os já existentes, mais antigos, que datam dos anos 90. Vejo por isso não só disponibilidade política, como um enquadramento regulatório e um acompanhamento técnico exigente por parte da entidade reguladora. Interessa-nos estrategicamente como país ser um centro de investigação e desenvolvimento de verdadeiras soluções terapêuticas na área da canábis medicinal, e não apenas um local onde se cultiva canábis para vender a granel.

A mudança de imagem na PLMJ é mais profunda do que só a imagem? Representa uma mudança na filosofia? Nos métodos?

Há uma mudança integrada em curso. Ao longo deste tempo, a PLMJ soube sempre regenerar-se e por vezes reinventar-se quando foi preciso. Esta “reforma geracional” – e chamo-lhe reforma porque é um trabalho que está a ser desenvolvido gradualmente, desde há alguns anos – tem várias dimensões. A renovação da imagem e a mudança de sede, são duas delas. Mas a que dá substância é outra. em primeiro lugar há um foco estratégico: sabemos que tipo de serviços queremos prestar e, mais importante, quais os serviços que não queremos prestar; em segundo lugar, há um alinhamento dos sócios à volta desta estratégia, permitindo que as decisões daí decorrentes sejam acolhidas com naturalidade; em terceiro lugar mas não menos importante, há um compromisso sério na gestão das pessoas, de franqueza, transparência e feedback constantes. Tudo isto junto, gera coesão e confiança entre todos. Confiança e coesão que nos permitem ser mais exigentes na qualidade e grau de empenho nos serviços prestados.

Que legado deixam os sócios fundadores?

Deixam-nos a PLMJ, a instituição, os seus valores e a sua história com mais de meio século. Para vários de nós, a PLMJ representa já uma grande parte da vida que vivemos. Para outros, que chegaram mais recentemente, representa a oportunidade de iniciar, desenvolver ou continuar uma carreira de excelência na advocacia. Não é pouca coisa.

A PLMJ está preparada para os próximos quantos anos nessa lógica de transição geracional?

Para muitos. Esta reforma geracional, como lhe chamei há pouco, também é possível agora porque vários dos sócios da PLMJ, hoje na casa dos quarenta/quarenta e poucos anos, viram-se na circunstância de ter de assumir a liderança das suas áreas mais cedo do que vinha sendo usual nas grandes sociedades. E por isso hoje, embora mais novos, já provaram muito e são referências no mercado nacional. Estamos preparados para as próximas décadas, com o conforto de o termos feito atempadamente e de forma muito pensada e não reativa.

Esta reforma geracional, como lhe chamei há pouco, também é possível agora porque vários dos sócios da PLMJ, hoje na casa dos quarenta/quarenta e poucos anos, viram-se na circunstância de ter de assumir a liderança das suas áreas mais cedo do que vinha sendo usual nas grandes sociedades.

Eduardo Nogueira Pinto

Sócio da PLMJ

Quem são os novos rostos da PLMJ que protagonizam a transição geracional?

A PLMJ têm mais de meio século, e muitas das pessoas – advogados e staff – que temos connosco está por cá há muitos e muitos anos. Como temos também outras que entraram mais recentemente. E temos muito talento distribuído por várias gerações. Voltando à ideia de reforma geracional e de alinhamento, os novos rostos são todos os que se sentem alinhados com esta estratégia e bem integrados nesta cultura que queremos para a PLMJ dos próximos anos.

Como se gere uma crise num escritório com esta dimensão?

Gere-se com transparência, com informação rigorosa (e intransigência com as fake news), com coordenação e com o compromisso individual de cada uma das pessoas da organização em fazerem aquilo que está ao seu alcance para serem parte da solução. Na PLMJ começámos, desde finais de fevereiro, a sensibilizar todos para a importância e gravidade deste tema. Desde então, para além dos planos de prevenção e contingência, mantivemos um fluxo de comunicação permanente com os nossos advogados e staff. Isso tem permitido, por um lado, focarmo-nos no essencial, que é a segurança de todos os que aqui trabalham, dos seus mais próximos e dos nossos clientes; por outro, incutir a ideia de que, para além dos planos e das estratégias, todos têm um papel no combate a esta epidemia e por isso todos têm nas suas mãos uma enorme responsabilidade. Desta forma tem-se conseguido dar confiança, segurança e motivação para manter o barco em andamento e continuar a dar resposta aos nossos clientes. Mas o caminho é longo e incerto, pelo que ninguém está livre de percalços. O alerta máximo tem de manter-se.

O futuro próximo da PLMJ é o crescimento orgânico, de forma a equilibrar a balança?

Uma das prioridades da PLMJ é saber acolher, formar e reter os melhores advogados, a começar por aqueles que optam por iniciar a carreira connosco, fazendo aqui o seu estágio. Temos advogados mais novos de enorme categoria e já com uma considerável experiência na linha da frente. O crescimento orgânico é, portanto, como aliás sempre foi na PLMJ, uma opção que privilegiamos. Mas é claro que estamos sempre atentos ao mercado e às oportunidades que existem, não só porque há advogados igualmente excepcionais fora da PLMJ, mas também porque temos todos a ganhar com a captação de novo talento, que traz uma vivência e experiência que nos enriquece. O ponto principal é estarmos todos, os que cresceram cá dentro e os que se forem juntando, cada um com a sua individualidade, alinhados no essencial.

A forma como o público encara a reputação dos escritórios e até dos advogados tem de ser repensada?

Sim. Os escritórios de advogados, sobretudo os maiores, são um alvo apetecível nestes tempos. Obviamente que há muito a fazer por parte dos próprios escritórios para mudar essa percepção.

Mas há também que moderar o discurso tremendista que algumas pessoas responsáveis têm. Não há Estado de Direito sem advogados, não há economia de mercado sem advogados. Se prezamos a democracia e a liberdade temos de reconhecer a importância dos advogados. Corrigir o que está mal – e há sempre muito a corrigir – sem dúvida. Mas não posso aceitar que se lance um anátema generalizado sobre a profissão e as suas organizações.

Diria que o setor como um todo está num necessário e saudável processo de reflexão interna e a PLMJ não é exceção. Desde logo sobre os mecanismos que devem ser somados aos que já existem em matéria de compliance no que respeita ao diálogo com os clientes.

Os grandes escritórios deveriam ter o exclusivo dos grandes projetos. Que espaço têm as boutiques no nosso mercado da advocacia?

Os grandes escritórios não devem ter qualquer exclusivo; devem, sim, fazer por merecer a escolha e a confiança dos clientes.

Dito isto, os grandes projectos, pela sua natureza transversal, terão em regra uma melhor resposta nos escritórios full service, que aliam a capacidade de entrega com qualidade nas várias áreas do direito à especialização em diferentes indústrias, do que a que poderá ser dada por escritórios de menor dimensão, sejam estes generalistas ou boutiques especializadas.

Um advogado ainda se fecha muito face à sociedade civil?

Na medida em que existe um dever de sigilo, os advogados devem manter uma certa discrição e até reserva. Para proteção dos clientes e do próprio Estado de Direito, os advogados devem ser comedidos a falar dos assuntos que têm em mãos. Mas não podem obviamente fechar-se à sociedade. Devem, aliás, assumir-se de pleno direito como parte das comunidades que integram. Também aqui há uma aposta forte da PLMJ, no pro bono, no contributo para a sustentabilidade ambiental e no impacto social, através do apoio a projetos e programas credíveis, com impactos sindicáveis e mensuráveis. É sempre esta lógica – credibilidade, impacto e mensurabilidade – que na base da escolha das várias iniciativas que apoiamos e nas quais participamos ativamente.

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