Dos reformados ingleses aos trabalhadores remotos. Digital Nomad Village promete um “rebranding” da ilha da Madeira
É a primeira vila digital no mundo e pretende gerar um impacto positivo na economia da região, graças à estratégia de atracção de nómadas digitais durante um período de tempo alargado.
O bom tempo, as paisagens, a gastronomia e as atividades na natureza foram apenas algumas das razões que levaram à criação de uma vila destinada a nómadas digitais na Madeira, mais concretamente na Ponta do Sol. Os empreendedores digitais que entram na ilha contrastam, agora, com o estereótipo de turistas e reformados ingleses que a região costuma acolher.
Ao mesmo tempo que coloca a Madeira diretamente no mapa dos nómadas digitais, a Digital Nomads Madeira, uma parceria entre a Startup Madeira e o governo regional, pretende levar a cabo um rebranding da ilha, diversificando e ampliando os públicos interessados em fazer turismo na região.
“A Madeira ainda é muito associada a pessoas mais velhas. Mas a verdade é que tem tudo o que um nómada digital procura. Tem sol, tem praia, nos fins de semana temos imensas atividades, desde mergulho a trilhos na natureza ou levadas. Não percebo é como é que os nómadas digitais não tinham chegado aqui antes”, começa por dizer Gonçalo Hall, nómada digital e responsável pelo projeto, à Pessoas.
A Madeira ainda é muito associada a pessoas mais velhas. Mas a verdade é que tem tudo o que um nómada digital procura. (…) Não percebo é como é que os nómadas digitais não tinham chegado aqui antes.
Neste momento, são já cerca de 75 os nómadas digitais instalados na Ponta do Sol, oriundos, sobretudo — e tendo em conta as várias restrições ao nível da circulação entre países, devido à pandemia mundial — da Alemanha, Polónia e Roménia. No entanto, os interessados superam os quatro mil e são de todas as partes do mundo. “Vamos fazer com que a Madeira faça parte do roteiro dos nómadas digitais. Aliás, a partir de agora já faz”, refere.
O projeto surge no momento oportuno, tendo em conta que, com a pandemia da Covid-19, o número de profissionais por todo o mundo que pode, agora, trabalhar remotamente, desde qualquer lugar e com maior flexibilidade, disparou. “O trabalho remoto explodiu e isso ajuda a que mais gente venha”, diz Gonçalo Hall. “É o timing perfeito. A Madeira foi muito inteligente”, acrescenta. Também no futuro, o nómada digital acredita que estas pessoas vão continuar a trabalhar remotamente ou, pelo menos, num modelo híbrido, o que cria ainda mais oportunidades para o nomadismo digital.
“Os nómadas digitais querem garantir que o seu dinheiro vai para o comércio local”
Ao todo, a Nomad Village já recebeu 4.500 inscrições de nómadas de 90 países que, aproveitando o facto de não terem um escritório fixo e um horário determinado a cumprir, querem trabalhar a partir da Madeira e, ao mesmo tempo, conhecer e explorar os seus encantos. O impacto deste projeto é, para Gonçalo Hall, enorme, uma vez que promove a fixação de todos aqueles que passaram a trabalhar de forma remota, à escala global. “O número de pessoas que já se registaram equivale, provavelmente, àquilo que era um dia normal de chegadas no aeroporto da Madeira. No entanto, a diferença é que estas pessoas ficam cá, alugam casa, fazem as suas compras, vão aos restaurantes e bares locais”, refere.
“Os nómadas digitais gastam, de facto, o seu dinheiro aqui. Gostam de consumir local e querem garantir que o seu dinheiro vai para o comércio local, o que faz com que os empreendedores pequenos ganhem muito mais”, continua, acrescentando que o impacto económico e social é, desta forma, muito maior quando comparado com o turismo mais convencional.
Apesar dos elevados números de turismo que o arquipélago registava antes da pandemia, o empreendedor digital salienta que esses turistas não ficavam mais do que sete dias e, normalmente, chegam aos hotéis já com packs completos que os obrigam a gastar o seu dinheiro dentro do próprio alojamento. Já quem visita a Madeira de forma mais permanente chega para viver como os locais, normalmente para uma estadia entre um a seis meses, e contribui diretamente para “recomeçar uma vila e dar uma segunda oportunidade às zonas rurais”.
Gonçalo Hall faz, contudo, questão de frisar que o objetivo deste projeto não é ir contra o turismo mais convencional. A vila digital é, sim, uma nova forma de fazer turismo que pretende ser capaz potenciar as vantagens que o arquipélago oferece, colmatar a quebra no turismo madeirense e a própria sazonalidade do mercado turístico.
Uma visita guiada à primeira vila de nómadas digitais
Ao telefone com a Pessoas, Gonçalo Hall fez, ainda uma breve visita guiada (e relatada) pelo espaço desenhado para receber nómadas digitais. Na vila existe um espaço de cowork aberto das 8h30 às 18h00, totalmente gratuito e com internet. Aí, os nómadas digitais podem trabalhar e, ao mesmo tempo, conhecer outros nómadas, ampliando a sua rede de contactos e, muitas vezes, criando sinergias.
Localizado no centro da Ponta do Sol, o espaço de cowork permite estar a poucos passos de restaurantes, bares e cafés locais. As pausas para o almoço, por exemplo, são feitas nos “restaurantes aqui das redondezas”, conta Gonçalo Hall.
Já no que toca a alojamento, a Digital Nomads Madeira disponibiliza, através do seu site, uma lista de apartamentos e moradias para ajudar os nómadas na procura de estadia. Todos eles são parceiros e oferecem preços especiais para os nómadas digitais. Neste momento, a maioria está alojada na vila, sobretudo em alojamentos locais, nomeadamente Airbnb, mas também há quem esteja em pequenos hotéis.
Os fins-de-semana, por sua vez, são passados a explorar o arquipélago, entre atividades ao ar livre, viagens entre cidades ou descobrindo restaurantes e bares locais. A ideia é testar o conceito com o projeto-piloto na Ponta do Sol — que, para já, “está a correr muito bem” — e levá-lo para outras zonas, incluindo Porto Santo. “A ideia é ter cerca de quatro vilas nómadas na Madeira”, conta o digital nomadism consultant da Startup Madeira.
Falta de visto para trabalhadores remotos é um “claro e grande impedimento”
Apesar de os números de nómadas residentes e interessados serem animadores, Gonçalo Hall salienta que, só dos Estados Unidos da América (EUA), há mais de 1.200 inscritos. O problema é que esses nómadas “não podem viajar para Portugal neste momento porque o espaço Schengen está fechado e não existe um visto para trabalhadores remotos“.
“Existe na Estónia, em Barbados, na Geórgia… Em Portugal não. Estamos a ficar para trás e isso preocupa-me”, diz o responsável pelo projeto da vila digital na Madeira, que considera que é crucial criar este documento pois, neste momento, o arquipélago da Madeira está a perder centenas de turistas dos EUA. “É um claro e grande impedimento”, remata.
[Os nómada digitais dos EUA] não podem viajar para Portugal neste momento porque a zona Schengen está fechada e não existe um visto para trabalhadores remotos. Existe na Estónia, em Barbados, na Geórgia… Em Portugal não. Estamos a ficar para trás e isso preocupa-me.
Apesar de em Portugal ainda não ter sido feito nada de forma estruturada neste sentido, lá fora já alguns países criaram regimes especiais para atrair nómadas digitais dos Estados Unidos, durante o período da pandemia. Antígua e Barbuda, por exemplo, criaram o “Nomad Digital Residence Program”, que concede vistos até dois anos aos nómadas com rendimento igual ou superior a 50.000 dólares por ano. Com base neste visto, os nómadas podem entrar e sair do país o número de vezes que quiserem, sob condição de manterem residência e apresentarem testes negativos à Covid-19.
Já na Europa, o primeiro visto para nómadas digitais foi aprovado na Estónia, que, no auge da pandemia, criou o novo Digital Nomad Visa. Com este visto, o Governo atribui autorizações de residência até um ano, exigindo como requisito que os nómadas tenham um salário mínimo mensal de 3.000€. Criado em junho, segundo o Governo estónio, foram já recebidos milhares de pedidos de visto provenientes dos Estados Unidos, Canadá, Rússia e Ásia.
Numa entrevista recente ao ECO, o secretário de Estado para a Transição Digital, André de Aragão Azevedo, avançou que o programa E-Residency está numa fase já muito avançada. Questionado sobre quando planeia lançar o programa, respondeu: “Eu gostaria muito que fosse em 2021”.
“É particularmente complexo porque envolve várias áreas governativas que têm, todas, de convergir naquilo que é o seu contributo parcelar para um projeto que é disruptivo e que queremos que seja inovador, mesmo em termos internacionais. Queremos ir além daquilo que é o programa mais conhecido deste tipo, que é o da Estónia, mas que ainda implica uma deslocação física a um consulado ou a uma embaixada”, afirmou André de Aragão Azevedo.
O fator distintivo que o Governo quer introduzir é o ser completamente digital e daí a maior complexidade em concluir o programa, diz. “Implica um trabalho técnico de desenvolvimento de ferramentas tecnológicas que nos deem garantias de segurança”, acrescentou o secretário de Estado para a Transição Digital.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Dos reformados ingleses aos trabalhadores remotos. Digital Nomad Village promete um “rebranding” da ilha da Madeira
{{ noCommentsLabel }}